terça-feira, 29 de abril de 2008

O MÉDICO


A
Luís Filipe Borges
insigne humanista

Os médicos galénicos e aristotélicos receberam com receio e ironia o tratado de Harvey. A faculdade de medicina de Paris burlou-se oficialmente dele. Os poucos pacientes que atendia (aparte o rei) mudaram de médico. In História Universal Carlos Yvorra

Para que serve a ciência económica, se continuamos cada vez mais miseráveis, mais esfomeados? Será porque as fórmulas matemáticas são complexas e talvez por isso, não funcionam?

O médico é o primeiro medicamento, porque a palavra e o carinho são bons medicamentos.

- Conte-me lá o que se passou, mas resuma o máximo possível, porque a seguir vou para os muitos doentes que me esperam.
-Tive um sonho, acho que era um pesadelo. Os cuidados intensivos eram no último andar, o edifício tinha dez, os doentes eram carregados em macas, por carregadores que subiam as escadas a pé. Então, muitos morriam pelo caminho, e os que chegavam ainda salvos até ao décimo andar, aplaudia-se… era um milagre.
- Essa é boa!
- Sim! Um filho escapou, acho que por milagre. Conduzia-se por uma vida de devassidão, de álcool encontrado nas noites da sistematização perdidas. Desregrado, geneticamente desorientado para o suicídio colectivo renovado. E andava, desandava na cantata de um monólogo: «Pai, está escrito na Bíblia, jovem diverte-te». E os meses passaram, seguiram-se alguns poucos anos, e aconteceu, tinha que acontecer-lhe. Começou-lhe com o que lhe parecia ser uma vulgar constipação. Toma paracetamol para ali e para aqui. O paracetamol é o medicamento que cura todas as doenças. Uma dor no estômago, nos olhos, em qualquer parte do corpo, e lá vem a receita: «toma paracetamol». Mas não passava. A coisa começou a revelar-se, perdeu a máscara quando a urina parecia coca-cola. O estado do enfermo era deprimente, e como bom irresponsável, daqueles que enviam os médicos para as calendas do paracetamol, como se os médicos não fossem necessários mas, já estava ultimado. E lá vai de urgência para uma clínica militar. Contemplam-no com paludismo e hepatite B. Com o sangue já similar a um esgoto de rua, é transferido de urgência para um hospital público, ficando a aguardar nos cuidados intensivos, uma transfusão de sangue. Fiz-me imediatamente presente para dar-lhe sangue, pois o grupo sanguíneo é o mesmo, A –. Os técnicos do banco de sangue, depois de analisarem o meu, dizem-me que é incompatível.
- Provavelmente o seu sangue é dos filósofos!
- Talvez! Banco de sangue difícil… não existe nada neste reino que nos facilite. Instituiu-se tudo para nos dificultar a vida ao máximo possível. Olhamos uns para os outros, e anuímos na certeza que estamos reduzidos à mais selvática existência. Então, um vizinho experiente nestas andanças avança na direcção do pessoal sanguíneo. Entram, param e parecem um parlamento de incipiente democracia. O vizinho regressa e dá o ultimato: «Eu já sabia, eles tem sangue escondido, querem cem dólares. E disseram para não dizermos nada a ninguém».
- Só pode ser sangue azul!
- Acho que sim, Dr! E lá se foram os cem dólares. Estranha morbidez de conseguir dinheiro. Estranhos modernos dráculas, em horrores tão primários, na moderna selva de estabelecimentos hospitalares.
- Bom, o seu filho salvou-se!
- É verdade Dr., custa a crer! O chato é que o cérebro depois, com tanta destruição neuronal, fica com falhas, e quem é que está disposto a suportar estes atrasados mentais?

- Dr., como lhe disse por alto, o outro filho ao chegar ao hospital faleceu. Era a mesma vida, não havia nada a fazer, excepto aguardar o momento da morte. Dois dias antes a barriga começou-lhe a inchar. Disseram-me que estava a tomar medicamentos, não sei receitados por quem, e que estava a melhorar, e de repente, zás! Parece-me que a morte, antes do convite final, encena um lance teatral, que nos desconcerta, e depois nos despacha no último acto. Não sei para quê viver, se temos a certeza que vamos morrer. A nossa existência perde significado, não tem nenhuma relevância. Viver é sofrer! Já agora… lembro-me que o Christian Barnard, sendo um iminente cirurgião cardíaco, morre de um ataque cardíaco, custa-me a entender.
- Sabe, o coração cumpriu a sua missão. Envelheceu e parou. É o que nos acontece a todos, nascemos e imediatamente começamos a envelhecer. Os nossos órgãos envelhecem e irremediavelmente falecem… dormir é muito importante!

- Dr., adquiri a certeza que viver é um absurdo, é como uma realidade virtual.
- Sabe… os fundamentos das sociedades, os seus pilares, assentam em princípios ínvios. A História que nos contaram, a religião, os valores, são a coisa mais inconcebível que se pode imaginar. É tudo ilusão, sonho, invenção. É necessária e urgente uma nova concepção, uma nova filosofia. Porque não podemos continuar a viver de mentiras impingidas, forçadas ao longo dos séculos. Temos que nos libertar, encetar a vida que há dois milénios não nos deixam viver. Estamos sufocados, perdidos na teimosia de religiões que não nos deixam prosseguir na nossa libertação espiritual. Libertemo-nos dos que nos dominam. Purifiquemos as nossas mentes. As religiões aliam-se, encostam-se sempre ao poder. E não são sempre as mesmas que nos libertam, pelo contrário, oprimem-nos, perseguem-nos dia e noite. Biliões de mortos pereceram pela infalibilidade de profetas vulgares, sonhadores, quando naqueles tempos se atribuíam os sonhos a mensagens divinas. A morte é a eterna primavera… dormir é muito importante!

Gil Gonçalves

sábado, 26 de abril de 2008

NAVIO ALCOÓLICO


Imagem copiada do site mertolassombro.blogspot.com/2007/09/navios-dos-malucos.html


Este tema é uma boa risada, merece voltar aos palcos.
Há vários anos copiei e guardei este texto do site nautica.com.br
Viajei para lá, procurei e não consegui encontar rastos do Naufragando em Álcool.
Com a devida vénia, aqui revivo este tema. Não fiz nenhuma alteração ao texto. Gil Gonçalves



Naufragando em álcool

Orgulho da Aberdeen White Star Line, o clipper Queen of Nations estava abarrotado de finas bebidas em sua viagem para a Austrália. Foi a sua desgraça

Até a terrível noite de tempestade em que seu capitão foi varrido do convés pelas vagas furiosas para nunca mais ser visto, o clipper Queen of Nations sempre teve um comando competente e cuidadoso. Construído em 1861, o barco era o maior orgulho da frota da Aberdeen White Star Line, empresa especializada em transporte marítimo. E esse orgulho tinha razão de ser: levando carga e passageiros entre Londres, na Inglaterra, e Sydney, na Austrália, durante 20 anos, o navio provocava grande admiração em todos os portos pelos quais passava, por sua velocidade, imponência e manutenção impecável. Tudo nele era de fato harmonioso e belo — dos guarda-mancebos de madeira polida ao casco sempre caprichosamente pintado de verde-aberdeen (um verde-musgo escuro, uma espécie de marca registrada dos navios da empresa), passando pelo mastro imaculadamente branco e pelos intrincados desenhos que decoravam suas laterais.
Mas quando o veterano comandante Donald desapareceu no mar naquela noite tempestuosa de 1879, os diretores da Aberdeen apressaram-se demais em arranjar um substituto para ele e nem sequer tomaram as mais elementares precauções, como examinar com cuidado o currículo daquele a quem iriam entregar o comando do barco. No afã de logo resolverem o problema, acabaram escolhendo um certo capitão Samuel Bache, um notório beberrão, como substituto do irrepreensível Donald. Tal decisão não poderia ter sido mais infeliz, como mostraria a derradeira viagem do Queen of Nations.
Em março de 1881, balançando elegantemente no píer do Porto de Londres, o clipper começava a ser preparado para mais uma travessia entre a Inglaterra e a Austrália, naquela que seria a primeira — e última — missão de Bache. Iniciando o carregamento do navio, a tripulação viu quando o novo comandante e seu imediato chegaram para o embarque. Os marinheiros ficaram atônitos com o estado de embriaguez em que se encontravam os dois oficiais, tão alcoolizados que até precisaram de ajuda para subir ao tombadilho. “Bem”, a marujada deve ter pensado, “nada como uma longa viagem no mar para curar qualquer bebedeira. Já, já, eles estarão tão sóbrios como um peixe.”
Ledo engano. Por uma suprema ironia do destino, os porões do Queen of Nations estavam abarrotados de caixas e mais caixas das mais sofisticadas bebidas — uísques envelhecidos, licores finíssimos, vinhos franceses e milhares de garrafas do mais legítimo rum caribenho — que seriam desembarcadas em Sydney. Tão logo o clipper deixou o porto, Bache e seu imediato não perderam tempo. Desceram ao porão e elegeram as bebidas que lhes serviriam de companhia durante o dia.
E assim foi na viagem inteira. Quando as garrafas esvaziavam, um ou outro descia para fazer uma visita à preciosa carga, voltando para a cabine com os braços sobrecarregados de garrafas dos mais variados formatos e tamanhos. Passavam as noites e os dias apenas bebendo e dormindo. Raramente apareciam no posto de comando ou mesmo no deck. Quando o faziam, estavam sempre cambaleantes, olhos engazeados e cabelos desgrenhados. Grunhiam uma ou outra ordem incompreensível e voltavam rapidamente à cabine e às garrafas.
A tripulação logo percebeu que só mesmo com muita sorte o Queen of Nations conseguiria chegar são e salvo ao seu destino. Era um barco sem comando, em que a tripulação — experiente, mas sem grandes conhecimentos de navegação — dava o melhor de si para conduzi-lo em segurança. Todos os esforços dos marujos foram insuficientes, porém, nas últimas horas do dia 31 de maio de 1881, quando, a alguns quilômetros ao sul de Sydney, o capitão Bache apareceu cambaleante no posto de comando. Mente enevoada pelos densos vapores etílicos, acabou confundindo uma fogueira ao longe, na linha da orla, com o brilho do farol existente na ponta sul da cidade australiana. Então, equivocadamente ele deu ordem para que o navio virasse em direção da praia. Alguns minutos depois, lá estava o barco encalhado em um banco de areia próximo à costa de Corrimal Beach, em Wollongong.
Sem ter mais o que fazer, a tripulação começou a abandonar o barco antes que as ondas o invadissem. Foi quando o imediato irrompeu no deck curtindo a mais completa bebedeira e ameaçando a todos com uma pistola que empunhava na mão trêmula. Correndo tropegamente de um lado para o outro no tombadilho, o homem gritava que atiraria para matar no primeiro que deixasse o navio, pois não iria aceitar a deserção de nenhuma pessoa. Sem tomar conhecimento das ameaças, no entanto, a tripulação continuou a abandonar o barco com rapidez. O imediato disparou então sua pistola a esmo, sem atingir ninguém. E enquanto ele tentava recarregar a arma sem êxito, tão bêbado se encontrava, a operação desembarque continuou, com todos os marinheiros chegando salvos à praia.
Durante duas longas semanas, o casco do Queen of Nations ainda resistiu bravamente aos choques contínuos das ondas. Depois a persistência do mar venceu e, por fim, o casco rachou, deixando que a água invadisse os porões e carregasse para o mar a preciosa carga de centenas de caixas de uísques, licores, vinhos e rum.
Embora o encalhamento tenha ocorrido numa área remota e na época ainda despovoada, a notícia daquele tesouro alcoólico boiando a poucos metros da praia espalhou-se com rapidez e logo uma multidão vinda de várias milhas de distância apareceu para carregar as garrafas que podia. Era o início da mais longa e selvagem farra de que se tem notícia na Austrália. Segundo os jornais daquele tempo, “uma multidão acampou na praia e permaneceu várias semanas alcoolizada.”
Os acampados criaram um método bastante curioso para roubar a bebida recuperada a muito custo pelas equipes responsáveis pelo resgate da preciosa carga. Colocavam olheiros encarapitados no cimo das árvores mais altas para que de lá eles vigiassem o trabalho dos grupos de salvamento. Então, quando a carga recolhida no mar era colocada a salvo, na areia, os olheiros indicavam o local e a turba atacava com tudo. Até que os oficiais lutavam para conter os roubos, mas era uma tarefa tão inútil como a de tentar conter as ondas do mar. Ainda assim, os tribunais locais logo ficaram apinhados de gente acusada de furto e de perturbação da ordem. Para constrangimento de juízes e promotores, mesmo oficiais de justiça foram apanhados com garrafas nas mãos e levados presos.
Embora interrompidos por várias tempestades, os esforços de salvamento ainda continuaram por dois meses, até o Queen of Nations ficar destruído. Nesta ocasião, a multidão de acampados já estava longe, curtindo no aconchego de suas casas o produto interno líquido das garrafas roubadas, talvez sorrindo, entre um gole e outro, daquele velho ditado (inventado agora): em mar de bêbado, quem tem navio éI náufrago.
TABELA FHA TÉCNICA
Ficha Técnica
Queen of Nations
Lançamento 25 de abril de 1861
Construção Aberdeen, Escócia
Fabricante Walter Hood
Proprietários George Thompson & Sons, Aberdeen White Star Line
Comprimento 190 pés (58 m)
Boca 32 pés (9,75 m)
Modelo Wooden clipper
Quando naufragou 31 de maio de 1881
Tripulação 28 pessoas

sexta-feira, 25 de abril de 2008

SEM DESTINO E SEM FUTURO



A minha longa jornada sucedia cuidada. Moscas, lixo, poças de águas sujas, buracos e assaltantes Ufolos à espreita. A Rádio Oráculo actualiza o numeral colérico: Quarenta mil infectados, e mil e quinhentos mortos.
Apercebi-me, afastei-me, segurei-me. Vi alguém assomar-se num terceiro andar, e zás! O conteúdo dum alguidar é atirado. Que assomo! É água com restos de peixe. Remiro para cima, vejo o deserto. As atiradoras são mais rápidas que um rato. Fazem lançamentos como no jogo das escondidas. São finas como ratos na madrugada. Desalentam-se saber bem ou certo, é mais fácil assim. Nas varandas preparam a comida, desajeitam-se em deitar a água suja na pia. Escolhem o caminho preguiçoso. O entupimento séptico está na Média. Tudo porta a fora.
Revejo as lâmpadas acesas dia e noite. A energia parece gratuita, ninguém assume pagar, ou os Abdéritas têm cegueira diurna. Estudam o manual de como desperdiçar energia facilmente, que é distribuído gratuitamente. Há intenção de não querer saber, ninguém requerer atenção ao outro. O chamamento de antemão é entonado, destoado: «não chateia pá!» na insistência segredam: «deixa-o falar, vai-se cansar!».

- Maremoto conduto!!!
- Não! É de moto-próprio!
Assustei-me e desassustei-me. Mais uma conduta de água quebrou-se. A água liberta da prisão jaz caudalosa, persegue os interstícios do solo desestabilizado. Concebe uma via rápida com cratera. O rio chegado arreda coisas e pessoas. A visita líquida é desejada pelas crianças, que se fantasiam de rãs e sapos. Atiçam-se:
- Vamos brincar no rio das condutas!
Um mais crescido, taciturno, explica solenemente á criançada:
- Chama-se rio das condutas, porque tem nascentes em todo o lado. Mas, ninguém sabe explicar onde nasce.
Um poeta de última geração é rimado pelo ritmo caudal. Refaz-se, impoluto rebrilha o cabedal dos sapatos nos intervalos da calçada. Processa cantante:

Nesta planície de petróleo jorrante, jactante
De sol e solo exuberantes.
Descontraídos novos-ricos cativantes
De desconstruídos, expectantes
Currais eleitorais errantes
Requisitados, mal abençoados
Pela natureza Humana
De festeiros participativos 24 sobre 24 horas
Que fortaleza tem esta tristeza!
Viver na extrema pobreza!

Muitos… muitos jovens deambulam. A facturação dos biliões petrolíferos sobe, o desemprego também. Novas ruas novos nomes: ruas dos desempregados, apinhados. Futuros continuadores da involução Abderita. Sem estudos, sem ciências humanas, morais, e sociais. Apoiados por pretensa ciência, lentes na ciência penitenciária. Futuros trapeiros patriotas, neófitos vendedores de tralhas para aquecer. Os cavaleiros andantes nas justas pela libertação descuidaram brechas da neocolonização. Olvidaram o buraco negro da aldeia global, a senda triste da eterna escravidão neocolonialista.
Pode-se ruminar que não há emprego para ninguém. É constante noticiar mais desemprego. Despedidos porque a empresa faliu, ou há trabalhadores a mais. Mil e umas estratégias sem lei nem rei para trabalhadores autónomos, que do pé para a mão, são pregadores no deserto. Os Abderitas lixados emparceiram com rebuçados, bolachas, cigarros, e cacarecos que as esposas remendam. No mar de lama da magnitude da globalização empresarial, peixe graúdo abocanha peixe a miúdo.

O polícia, monta guarda num mercado de rua. De vez em quando volteia, passeia, pára. De olhar frouxo repara, enquanto descansa o peso dos braços nas mãos enlaçadas, nas costas coladas. Está armado e equipado. O telemóvel espalha sem som nem tom o seleccionado timbre horripilante arquivado. À velocidade de cágado dormente desenlaça uma mão, solta o telemóvel da cintura, petrifica-se. Está colocado pelos Ufolos.
- Passa o telemóvel!
É um dia de juízo para a polícia. Chegou um carro patrulha com seis polícias diligentes. Apeados, encafuam-se nas ruelas. Um tenro Ufolo alarma a combinação. Culpados e inocentes dão nos cascos. A terra freme como cavalos de corrida num hipódromo. Os incansáveis vigilantes dos dias e das noites, polícia não dorme, aprofundam-se, aferram-se nos labirintos. A missão seja ela qual for, é sempre para repor a legalidade. Enquanto aguarda pelo restabelecimento da lei, o motorista afunda-se no assento com as mãos na nuca. Ficou pachorrenta sentinela na viatura. Atira uns réditos para uma donzela bem nutrida de carnes frescas. Ela não dá cavaco. O vencimento de polícia está num escalão tão baixo que não dá para comprar um sutiã. Ela pisca-lhe os olhos com tal intensidade, que parece que o circuito de voltagem óptico se desregulou. Ele não entende a mensagem semafórica, acredita que ela está no ponto nevrálgico. A carne quente dele rejubila, solta o verbo.
- Estamos muito quentes, vem, vamos arder!
- Burro! Os bombeiros chegaram….
Os Ufolos chegaram, cercaram-no à má cara. Crianças com armas de guerra aperradas, e armas brancas afiadas, dos filmes imitadas, cópias de segurança efectuadas. Ainda não tem noção do matar, do coração parar. Por isso matam, como se fosse a brincar. No abandono da inocência pedem meças:
- Sai daí, vamos dar uma volta, depois regressamos.
E foram passear, dar umas voltas pela cidade com as deselegantes da mesma idade.
- Mentor, este conflito entre Ufolos e Fulanos permanecerá por milhares de anos.
- Dou o meu acórdão. Nalguns bairros os Ufolos disputam a invisível força armada da defesa civil militarizada. Sem abrir concurso, os Ufolos impõem soirée até à matina.

Gil Gonçalves

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Aretha Franklin


E de glória me glorifiquei quando a Aretha santifiquei
E no seu halo me cantou. Espiritualizou o reino
Da Rainha da minha alma. Não canta para nós
Encanta Deus
Ela transferiu-me a dimensão da Paixão do esconderijo evangélico
Quando enfrentamos problemas, redobremos
Cantemos, cantemos
Os governantes não correspondem aos povos
Queremos uma resposta, não duvidamos da aposta
Na intolerância da fome. Governar é esfomear
E os espirituais são uma Aretha de alerta
As vozes tão celestiais, tão, tão… espiritualmente Negras
Deus ofereceu a distinção negra à melodiosa Negra
Com voz tão imortalizada, tão celeste
Se essa voz é o Céu, quero ir já para lá
Há dois Céus: um do Senhor, outro da Aretha
Gosto de ambos
Aretha segredou-me o porquê do sorrir, do estender do seu dedo:
«Indico o bom caminho da Redenção. Só há um Deus
No Caminho do abrir um sorriso no meu dedo»
Embeveci-me, acho que me clarifiquei muito bem:
«Aretha! É fácil apontar para a degradação moral e social
Mas o nosso olhar rebaixa-se perante quem governa tão mal»
Experimentámos um barco pacífico a remos e remámos
No lago de águas remadas, acalmadas, aclamadas
E o Senhor evangelizou as águas angélicas. Pregou aos jasmins
E as águas muito suavemente agitaram-se
Intensamente penetradas, perfumadas. E revelaram-se
E possuíram todo o vivente. E todos rejubilaram
Deus existe sim senhor! Revelou-se
Aretha Franklin, encomenda do hino da festa especial de Deus
O Mestre das Estátuas deu-lhe som e tom, esculturou-a Universal


Gil Gonçalves

Phillis Wheatley


A saudade dói, é uma ferida, ao lembrar o valor da amizade de uma amiga
Um caçador de escravos privou-a da liberdade com apenas oito anos
Obrigaram-na a não apanhar mais mangas, abacaxis, bananas
As frutas dos selvagens!
Perdeu para sempre o interior, os segredos do feitiço da sua Mãe
A selva africana. Embarcou órfã na mãe negreira
Oh! Não me façam mal! Prometo nunca mais fugir dos Brancos
Não subirei mais às costas das palmeiras. Não mais me refrescarei
Saciarei, na água dos cocos. Porque não mais os verei, comerei
Os meus pais, irmãos, amigas recordarei. As marés nas areias não abraçarei
A manhã está tão cercada, sombreada irreal
Desnudou-se para me saudar. Vejo a proa do navio negreiro
Que me há-de levar, a deslizar. Não há, não vejo, não vem ninguém
Para me apoiar, ajudar a salvar
A margem afasta-se, acho que me envia um sorriso
Já estamos longe. Não sabia que o mar era assim grande
Tão imenso. Ainda bem que o navio negreiro não tem medo dele
Parecem tão amigos. Deve ter muitas mãos que o seguram
Senão afundava-se. Sinto medo desta grandeza e desato a chorar
O traficante de escravos grita-me. A sua voz é tão potente
Que o oceano treme. «Ó especiaria, recolhe-te no cubículo!»
Gravou na memória os sulcos da proa negreira que rompia avidamente
As correntes marítimas. As vagas revoltadas acompanhavam a pressa
Da chegada sem destino. De tão longe conhecida
Aportou em Boston, um Novo Mundo desconhecido
Alguns dos modernos navios negreiros que refazem a rota
Antes africanizada, juram com pavor
Que viram um navio fantasma, o Wheatley voador
Um comerciante rico comprou-a, ofertou-a como criada para a sua esposa
O senhor dos escravos nunca poderia saber
Que importou, comprou uma poetisa, um condor
As plantações das ilusões escravizam-nos, como multidões
A senhora deu-lhe a estudar geografia, história, e latim. Se todos estudassem…
Aos treze anos demonstrou afamada poesia
Com vinte anos na Inglaterra publicou-a
Exótica africana com escala no Novo Mundo
Phillis Wheatley acabou na lei da selva. Trinta e um anos de fervor cristianizado
Longe do calor silencioso, da brisa acariciante, selvagem terna
Dos rios engolidos pelos vales da poesia negra. Apagada, desconhecida
Viva no seu coração negro, conhecida nos seus pensamentos
De muito claros movimentos


Gil Gonçalves

DEMOCRACIA POPULAR



Dos largos anos do poder executivo ao reboliço do povo, do chover no molhado, vêm vivas incrementados nos baldes com águas das lavandarias prediais e detritos das cozinhas. De atalaia, as militantes reincidentes continuam o despejo dos recipientes. Com técnica militante rudimentar mas funcional, promovem chuva ácida para arejar o ambiente. Ainda não aderiram, ratificaram convenções locais sobre destruição presente. Sem princípios, meios, prestam os fins
Um carro apresta-se para interiorizar uma grávida, a amiga despede-se cantando-lhe vitória:
- Faz boa viagem, não te esqueças, quando voltares traz-me as roupas da moda.
- Querida, tens que esperar aí uns quatro meses!
No estado interessante, as Fulanas endinheiradas viajam para Olísipo, rebentam, retornam. Não desejam que os filhos nasçam em Abdera. Preferem-nos nacionais estrangeirados.

Como formigas obrigadas a desviarem-se de obstáculos democráticos, as zungueiras flúem no trânsito popular ineficiente. As zungueiras são pobres clientes da grande democracia. Desafortunadas, a ela não dão crédito, não recebem créditos. A pequena democracia é dos clientes VIP afortunados, com créditos. Democracia legitima com actos ilegítimos, contrariando o direito de sobrevivência.
Diviso a anunciação de sol a sol, da fuga desesperada do formigal mulherio. Os filhotes corcovam nos costados maternais. As banheiras plásticas movem-se como navio agitado pela procela. As sem-pão param a prudente distância, a ver de que lado sopra o vento. Sem peitos para correr, o imprevisto confronta-as, tentam fazer marcha-atrás, estão cercadas. Cacarejam, como galinhas acossadas por galo de briga. Como habitualmente em grande desaire, gritam como só mulher sabe:
- Os Ufolos!!! Os Ufolos!!! (Órfãos de pai e mãe)
Quatro deles expeditos travam-se duma zungueira, dizem-lhe para repor a banheira cheia de bolinhos, como antes estava, no chão. Servem-se à vontade até a banheira esvaziar, desandam à cata de novas presas. Algumas, férteis em liderança desnotaram-se e conseguiram ludibriá-los. Depois da razia, unem-se e pedem contas à miséria. Os próximos dias acrescentar-se-ão à lei marcial da fome. De semblantes mais pesarosos e banheiras mais leves, preparam-se para cavar. Para revender e comer terão que convencer financiadores, o que não será fácil: «você está maluca da cabeça, você ainda não pagou o que deve, e queres mais?» elas defender-se-ão: «empresta só amiguinha, vou pagando aos poucos» o ultimato: «não tenho mais dinheiro, porra!»

A selva humana é a mais traiçoeira, a mais perigosa, nela vale-tudo. Cada segundo um perigo espreita. Novos perigos, novas maldades. Mais predadores atentos para saltarem, golpearem. Mabecos de uniforme plantam-se no areal, recitam bestial. Novo pânico, aflição renovada:
- São os gatunos Fulanos!
- Manas, vamos bazar!
- Como então!? Nos esvaziaram!
As escapadas do anterior armam disfarce. O convencimento não dá, os guardas Fulanos são muito vivos, cangam as precisas escapadas da marabunta. Contestam, sabem que em vão:
- Moxi, os Ufolo. Iadi, vocês. Vão naqueles dos armazéns!
- Absolutamente! Patrulhámos por lá, ficámos negativos. Ganhamos mal, mesmo assim não nos pagam. A fome esforça-nos à ração de combate.
- Vão no salu do Presidente!
- Eh pá! Onde há fome… salve-se quem puder!
- Jiboiados, salafrários, ordinários de merda!
- Cala a boca, te ensacamos na prisão correccional!
- É o quê? Com a minha bebé!?
- Absolutamente!
Os alegres samurais da lei ajeitam-se fotogénicos para a corrida. O chefe dá ordem. A chaparia, as rodas, assobiam arenosas. Lá vão de olhos na divisão dos despojos. As malfadadas restam-se no silêncio das maldições, enquanto as rodas da maldade vão longe da vista, longe do coração. Os lamentos ocos repetem-se:
- Levanto ferro às quatro da manhã sem descontinuar, andar na lua da nevoenta luta continua. Demos-lhes o poder, proibiram-nos ler, ao longe sem comer.
- Amiguinha, é a filosofia anti-humanista dos novos-ricos da história da carochinha, e das suas endechas: «Por excelência ao levitar pela manhã decido: qual vou lixar hoje? Se não o fizer, desconsideram-me, perdem-me o respeito, não sou chefe. Um príncipe real a toda a força, deve estrangular a vida de outrem. Salutar, saboroso é destruir o destino dos que aspiram viver. Para obter bons negócios é importante aniquilar os amigos».

Gil Gonçalves

OCEANO POETASTRO


Inicialmente publicado em Portugal em Linha


As mentes dos governantes são subdesenvolvidas, os países não. Então, muitos bancos, muitos financeiros, muitos aventureiros.
Um bando de meia dúzia de pardais, riquíssimos de tanto roubar, impõem fome a milhões. Alardam que o crescimento económico (deles), apresenta números nunca vistos. E a hipocrisia universal apoia-os, sedenta dos vapores petrolíferos.

Se há um excelso poeta, como alguns dizem, e serve-se das palavras para assentar a ideologia da dúvida ametódica «penso, logo não existo.» E messiânico liberta uma nação da opressão. Arrasta milhares de mortos, proclama a independência e a liberdade vigiada, provoca mais guerra com mais milhares de mortos. Deixa analfabetismo, miséria, epidemias, fome. A melódica Água Lusa reconhece-o, esse homem é muito mau poeta. Assim como outros seguidores desse oceano poetastro. Agostinho Neto, António Jacinto, António Cardoso e outros… poetas generais no poder da democracia generalizada, militarizada. Combinam com os séculos, com as cargas na cabeça sem rodas, sempre à roda. Quando governantes aliançados com estrangeiros, exterminam populações pela fome, sempre saudosos dos estalinistas em Holodomor, e os clientes petrolíferos consentem, isso é um acto do mais vil, ignóbil terrorismo militante internacional.

Fazer poesia facilita-se. É por isso que temos muitos poetas. Dá menos trabalho, e serve para promoção pessoal e política. Escrever uma novela é um grande sacrifício. Um romance? Não! Isso dá para escrever mil livros de poesia. O que interessa é a vaidade de dizer que escrevi e publiquei um livro. Depois dizer umas bacoradas aquando da sua publicação.
E elas pisciformes, piscinais, e eles delambidos para elas, resfriam-se nos rótulos das mais caras garrafas uiscadas, surripiadas aos vencimentos dos trabalhadores que há meses, anos, não se pagam. Para poucos a vida é sempre boa, para muitos a vida é sempre má. Para poucos há sempre água, para muitos nunca há.
Não devemos, não podemos aceitar que se deixem morrer crianças, seres humanos à fome, quando se gastam milhões de dólares injustificados.

E a Marta, cambista de rua, explica à mocinha que a nota de cem dólares é falsa. A mocinha desacredita-se, lamenta a vigarice da noite perdida.
- Grande cabrão, sacana de merda… lhe fiz todas as posições!
E desata a chorar, a cascatear muito. Mais que a tormenta da água fingida das torneiras. A Marta consola-a:
- Esse senhor é muito mau. Deixa lá minha filha, Deus há-de castigá-lo.
Depois, a Marta levantou o nariz, como uma sonda aérea, e aspirou, e o ritmo aumentou. Sentiu obrigação de prevenir as amigas, a Teresa e a Emília.
- Manas, ué, não sentem o cheiro!?
A Teresa é a mais espevitada. Sempre com os ouvidos alerta. Ganhou, conquistou fama, é a zongola eleita da periferia. Sabe tudo, não deixa escapar uma.
- Esse cheiro vem do minimercado. Logo à entrada, já cheira a carne estragada. Já acampada assim há um ror de dias. São as câmaras do frio que não funcionam bem…
- Também com a luz deles… – interrompe a Emília.
… E a água sempre a pingar do tecto, nos cantos também cheira mal. Vão ficar sem clientes.
A Marta olha para o saco a confirmar se as notas de dólares não fugiram devido a algum feitiço. Satisfaz-se, não saíram do lugar. E arremete:
- O PML…
… Mana isso é quê? - Perguntam as duas.
… PML manas? É o Partido Marxista-leninista. O dono do minimercado é militante dele. A fiscalização do governo e a polícia económica não lhe pegam, gasosam-se bem. É tudo deles, fazem o que querem. Para nós nem sobras.
A Teresa põe a mão na boca, sinaliza espanto porque olhares desabituados olham-na com malvadez, como entregues às moscas. A Teresa relembra que tudo ficou na mesma, tudo piorou sem solução.
- Os brancos só da maneira que nos olham, quando passam olham-nos com tanto desprezo, como se fossemos lixo. Todos os dias antevejo carapaças novas de brancos e brancas. Se não há empregos, como é que eles arranjam trabalho?
A Marta ri, é só o que ainda lhe resta do encanto. Vibra melodiosa:
- Eh! Eh! Se até chineses já andam na zunga.

Estes nossos poetas resvalam no transbordado oceano Atlântico. E petrolíferos despoetizam-se cabalmente, não é!?

Os punhais ocidentalizados
Nas naus da espuma branqueada
Aguardam indecisos
Nos esconderijos oceânicos
Punhais negros não erguidos
Retraídos nas violências
Das consciências
Os punhais agora cansados
Rasgam seios importados

E eis mais um confrade, regressado da acrópole, ingressado no Parnaso presidencial.

Gil Gonçalves

Pocahontas


Inicialmente publicado em Portugal em Linha


Acompanhei a minha amiga Pocahontas a Londres
Fomos recebidas pelo rei Jaime I e Ana da Dinamarca
Os ingleses olhavam-nos como…como jasmins exóticos
Entrámos na corte erigidas pela melodia, heroína expressiva
Melódica da música barroca.

À nossa dignidade principesca passagem, a nobreza desconjuntava-se
Nas maneiristas vénias do palácio real de. Whitehall
Acabámos o percurso do chão recto axadrezado
Ajoelhamo-nos majestosamente aos pés dos reis do mundo.

Depois a minha amiga Pocahontas segredou-me:
O amor não nasce, está dentro de nós, porque ambas sabemos perdoar
Éramos, era, mais uma princesa arrebatada ao Novo Mundo
Vida nova apresentada na corte da lisonja.

Novo Mundo, novas riquezas
As proezas dos heróis elisabetanos, vitorianos que serão versificados Imortalizados. Os feitos dos nossos heróis permanecerão ridicularizados
Pocahontas faleceu dois anos depois, com vinte e dois.

Deixou de fazer orações e vénias à pureza das árvores
E águias que amava. Vitima da impureza humana
Tudo! Toda a poesia da vida Powhatan na Virgínia esmoreceu.

Gil Gonçalves

terça-feira, 22 de abril de 2008

ECLIPSE TOTAL



E o reino paralisou, porque o falecido deixou dez viúvas que ocupavam altos cargos governamentais.

A moral da história não é complexa. Há limites ao progresso de organização social que se pode trazer quando as estruturas políticas continuam sendo controladas por um sistema suficientemente forte para inverter o sentido político de qualquer acção. Não se trata de uma particularidade de coronéis pré-históricos. Em São Paulo, Lúcia Bógus estudou os melhoramentos introduzidos em habitações populares no Jabaquara: a intenção era sem dúvida melhorar as condições de vida de gente modesta. Mas o resultado foi a valorização das casas, o seu controle por especuladores imobiliários, e a expulsão dos pobres que passaram a viver pior em outro bairro.
Todos viram na Globo o relato de uma bonita história de autoconstrução de casas populares, no Paraná, com a iniciativa dos próprios moradores organizados por um padre cheio de boas intenções. As imagens mostraram as belas casinhas de tijolo, os felizes moradores. Pouco depois, a associação dos arquitectos do Paraná, indignada que se fizesse construção sem a sua aprovação, e sobre tudo sem as empreiteiras, aplicou aos moradores uma multa superior ao valor das casas. Para erguer quatro paredes de tijolo, é preciso entrar no sistema, ainda que tecnicamente seja ridículo, e que em termos económicos seja absurdamente mais caro.
In A Comunidade Inteligente. Ladislau Dowbor

No reino, a democracia consolida-se com uma rádio, uma TV e um jornal.

Privatizam-se os espaços públicos, para que as ruas da cidade diminuam, e os carros aumentem.
O palácio presidencial endeusa-se, os prédios arruínam-se, é o que resta da nostalgia colonial.
Um presidente, poços de petróleo presidenciais, um palácio presidencial, uma corte, uma guarda vermelha, um castelo fortificado. Fora, uma magnifica paisagem. Populações esfomeadas vasculham o solo na procura de algo para comerem e de água para beberem.
Avião presidencial, escolta, guarda, palácio, carro, palácio governamental, residência presidencial. No final, um caixão presidencial, tudo presidencial. A população não, é marginal.
Se o povo é analfabeto, é porque os governantes não o lêem.
As moscas são a companhia dos esfomeados. Belos carros e belas mulheres deleitam os governantes.
Já que a comunidade internacional apoia esta maldita ditadura, seremos nós que derrubaremos as estátuas do poder.
O governo abastado governa povo esfomeado.
Quando a independência é selvagem, tudo e todos depois, vivem na selva.
Quando o palácio do monarca está fortemente cercado por militares, é porque a população se prepara para assaltá-lo.
Quando o ditador fala, a população olha-o, mas não o escuta.
Onde não há pão, há muita corrupção.
Quando se sabe de antemão que o partido no poder corrupto perderá as eleições, a guerra é certa.
Onde há muita comida, há muita rataria e gataria.
Os abutres são como governantes que debicam o que resta do nosso corpo.
Tanta promessa, que a nova vida nos vai melhorar. E a nossa velha fome avança. Quando alguns bispos apoiam o poder corrupto, a religião escurece as almas.
Quando Idi Amin e Mugabe se extinguem, outros se implantam, renascem, e substituem-nos. Não há diferenças, até porque os reincarnados refinam as torturas.
Anunciava-se aos quatros ventos que os prédios iam desabar mas, os obscurecidos nada fizeram, e nada fazem para o evitar.
E assim a população não acata, não aceita nenhuma regra de convivência social, não aceita nada. Creio que faz parte das novas tradições.
Não é possível haver paz e eleições, com toda a riqueza do reino concentrada na família real.
É o único reino em todo o mundo, onde as estradas são totalmente cúmplices dos assaltantes. Porque os carros estão sempre parados. E as moto-rápidas, catanas, machados e cacetes, atacam mal, mal.
Quando os déspotas discursam bélicos, as estradas da paz e da democracia transitam caóticas.
Quando o rei faz anos, gloriosas maratonas nos esperam.
Quando um Idi Amin morre, dois ressuscitam.
Quando o poder é violento, só com violência cairá.
As quadrilhas selvagens eternizam-se, infernizam-se no poder.
Sermos independentes é termos um hino, uma bandeira, poços de petróleo e esfomeados.
E os libertadores ocuparam o palácio colonial, e libertaram muitos poços de petróleo e contas bancárias secretas. O sol e a água são para todos, o petróleo não. Vivemos em campos de concentração onshore e offshore.

Consórcio de bancos e empresas portuguesas querem construir um metropolitano de superfície em Luanda. Demorará três anos, e os problemas do trânsito acabarão. No fundo é a mesma coisa que dizer: seus negros burros e atrasados. Mas não! Trata-se do poder que as empresas da especulação imobiliária tem sob o governo… já o dominam. E sentem-se á vontade, no lago muito claro, no paraíso dos lucros, na morte impiedosa dos esfomeados, que acreditaram no PML-Partido Marista Leninista.

Por trás das grandes construções civis chinesas, esconde-se o desejo já não disfarçado, de substituição das antigas potências coloniais. Um erro grave da cegueira chinesa, que terminará com todos os Negros-Bantus a escorraçar tudo o que for chinês. A África Negra tem muitos problemas graves mas, a juventude africana já não é a dos anos sessenta.
E na prometida não intromissão na política dos governos africanos, escondem-se grandes navios de armamento, prontos para o mal mascarado imperialismo chinês na África Negra. A China exporta darfures, e no final a África Negra pedirá ajuda ao Ocidente, para recriar o ciclo da luta de libertação. Quando se investe na formação do analfabetismo, é mais um Darfur que aí vem. A China continuará, apoiará eleições com navios carregados de armas e munições.
A ajuda chinesa inclui armamento, para que no futuro um salmo sangrento do imperialismo chinês seja cantado. Os Índios enterraram o machado de guerra, a China na África Negra desenterra-o. A hipocrisia do ser humano é tão desmedida, que ainda ousa falar de felicidade.

E os preços do petróleo sobem. Já não há escada para escalar, lá chegar. A loucura humana finalmente acabou. Roubar, tornou-se tão vulgar que nos leva a perguntar: para que serve a ciência económica? Para que servem os governos, e as suas leis?
A resposta é fácil: a implosão mundial está aí outra vez. Mais milhões de mortos para fertilizarem a Terra.
MORTOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!

Gil Gonçalves

segunda-feira, 21 de abril de 2008

DESENVOLVIMENTO SOCIAL


Trata-se, no sentido técnico do termo, de um sistema mafioso, onde a solidariedade e a co-responsabilidade entre corruptos e corruptores geram redes de poder que se articulam por entre as hierarquias do legislativo, executivo e judiciário, desarticulando qualquer capacidade formal de governo. Cidades, Estados e amplos segmentos da União são geridos através de sólidas articulações de empreiteiras, políticos corruptos, especuladores imobiliários e meios de comunicação de apoio, além de um judiciário escandalosamente conivente.
In Capitalismo: novas dinâmicas, outros conceitos. Ladislau Dowbor
http://www.dowbor.org

A minha caminhada prossegue. Vejo que a macroeconomia se desenvolveu, o que permite a muitos jovens lavarem carros. Destas escolas de lavagens sociais nascerá o novo homem, adaptado à nova vida. Com os panos enxugam a chaparia, mais um produto acabado está pronto para entrega. De cigarros nas bocas trocam impressões.
- Sabes onde está o rei?
- De férias no estrangeiro.
- Deixou-nos sem luz.
- A minha mãe quando paga a conta, reclama que ficamos muitos dias às escuras, e que o valor a pagar devia diminuir, mas é o contrário. Sobe muito.
- Quando o rei voltar, seremos mais iluminados.

O crescimento económico é factual, medieval. Um bando de lobinhas demonstra-o quando sirigaitam o desenvolvimento da economia. Na precoce rendição infantil de crianças da prostituição, ratinham a perseguição dos lobões
Na entrada de um prédio, ouve-se barulho metálico. Um jorro de água vertical equilibra-se. Uma jovem aborrecida, quer saber o que se passa.
- Mingo, porque é que você fez isto?
- Parti a torneira com uma pedra, porque não me querem dar a chave do cadeado. Tenho carros para lavar.
- E quem vai limpar a inundação?
- Não sei.
Duas motos rápidas passam em grande velocidade. Sem escape, o barulho provoca dores de cabeça. Os alarmes dos carros estacionados disparam. Tapo os ouvidos com os dedos.
Na janela de um prédio, o ar condicionado arde. Os basbaques à distância acotovelam-se. Alguns afirmam com desmesurado orgulho.
- É bem feito! É bem feito! Gostam de morar nos prédios!
- Instalam aparelhos de ar condicionado potentes, os cabos queimam, incendeiam, ficam sem luz. Insistem, os cabos eléctricos da rua, os fusíveis, as casas ardem, e ainda insistem
- Dizem que a culpa é do governo.
Moradores em pânico ganham asas, voam, aterram na segurança da rua. Lamentam-se:
- A minha ventoinha está a arder!
- A minha aparelhagem foi-se!
- A minha geleira ardeu!
- O meu Dvd, acabado de comprar…
- Mentira, você roubou-o!
- E você, faz o quê?
- Ó raça, é fugir, o prédio parece que vai explodir!!!
Esperam que os bombeiros cheguem, que consigam desengarrafarem-se do trânsito, pouco ou nada restará. Quando chegarem, e a água que trazem acabar, não poderão fazer mais nada, porque não há bocas-de-incêndio. Se existissem, delas não sairia água.
Apesar de duas bocas-de-incêndio institucionalizadas: Dum lado o inferno do governo, do outro o inferno da oposição. Há muitos incêndios devido a curto-circuitos. Os Abderitas pós-parto são excelentes electricistas.

Gil Gonçalves

domingo, 20 de abril de 2008

GUINEVERE, E O EFEITO BORBOLETA



Das teclas do piano nascia, renascia
O ecoar dos circuitos eléctricos cardíacos
Melodiosos no piano vivo do teu coração
E o mar amarelo acalmou-se, vulgarizou-se
Mar espelhado
Como as palavras das cachoeiras dos nossos
Destinos
Como anónimo amor forçado
Porque é criminoso não esconder o amor
Desdenhoso
As quatro paredes cansaram-se de viver ocultas
Desabaram
Esta civilização desumana persegue-nos
Alimenta-nos inimizade
Dos trabalhos forçados, AINDA ALIENADOS
Para sobreviver da fome, e correr, viver
Biscateados
Quando a entrega é totalitária, das duas almas
As pontes do amor derramam, criam fontes
Atalhos
Não é possível continuar, viver na civilização
Do levantar bem cedo, e chegar bem tarde
Globalmente todos desconhecidos
Perdidos no submarino do desamor
E caminhar para escolas barbaras, e nelas ensinar
O ínfimo da posta-restante do nosso giz
Gizado

E há quem apregoe que estagiamos
Muito avançados na evolução
Perdemos o tempo que nos resta da existência
A pressionar teclas com os dedos
Alimentamos as pilhas que restam da civilização
As teclas do amor que alimentam o nosso coração
Não as pressionamos
Que o amor é uma ciência, uma arte
Malditos dissabores sejam estes
Conheci e vivi no sistema que me obrigaram
A prosseguir
Lutei com as minhas forças dia e noite
Para o manter
Mas, com o tempo descobri que era enganador

Gil Gonçalves



sábado, 19 de abril de 2008

INVESTIMENTOS DA DESTRUIÇÃO EM CURSO


INVESTIMENTOS DA DESTRUIÇÃO EM CURSO

Estes políticos são como um prédio mal conservado e prestes a desabar. Como o corrupto e o assassino apanhados em flagrante e atrapalhados dizem: «só roubei 10.000, não roubei.» «Só matei dois, não matei.» E a esposa em adultério no leito conjugal depois de fotografada, filmada, e confrontada com a foto e o filme diz convicta: «querido, você deve estar sonhando, a foto e o filme são de uma pessoa parecida comigo. Você, meu querido, é muito inventivo.»
Outra vez com a luz perdida na navegação desorientada dos estalinados campos magnéticos da energia eléctrica. Porque as subestações não aguentam o consumo. Assim os volts retrocederão até fins de Abril, Maio. Porque, (sempre), os investimentos em curso colmatarão o deficit depois dos meses indicados. Até eternamente a celebérrima incompetência dos mesmos estalinistas que cavilham, tempestuam os fogões a carvão incrustados nos seus cérebros. Na procela ouvem-se os rugidos dos geradores, rivalizando nas suas diferenças potenciais. Mais barulho, mais fumo, mais poluição sonora, mais gases venenosos. A energia eléctrica estalinou-se, foice, foi-se, é o habitat bem-estar pátrio. Mais um corte de cabo eléctrico feito por uma empresa de construção da destruição militar chinesa, especialmente brasileira, e portuguesa. Cabos eléctricos, de fibra óptica do backbone também. As oscilações bruscas da corrente eléctrica, são muito mais destrutivas que um corte repentino. Porque destrói equipamentos, tudo. Destruir é preciso. Quem sabe, se naturalmente por trás disso, não está uma grande negociata internacional, acoplada a nacionais. Quando a cabeça não funciona, porque não é capaz de ler um livro, para sobreviver tudo o que é ilícito, legaliza-se. Disfarço a noite observando, que há um ano que camiões carregam terra barrenta, que aos poucos vai caindo e amontoando-se no barulho nocturno. Estas empresas espelham os governantes, irresponsabilizam-se.

Onde há petróleo, também há o lugar mais horrível para viver. Terrifico mundo sempre banhado, encalhado em ouro negro. Um mundo muito perigoso, onde o larval despótico se alimenta, come e bebe petróleo. Estamos como num gigantesco jardim zoológico para turistas apreciarem esta genial incompetência.
Deve ser da cimeira Sócratica Euro-Africana. Os problemas da África não se resolvem com cimeiras Socratinas, moderno Sócrates na folhada, falhada política moderna, do falso protagonismo africano. A democracia na Europa, e a democracia africana que até agora nunca existiu. É impossível comparar um país africano a um europeu. Nada se lhe iguala, até na morte se diverge. Não entendem, não percebem nada da África. Só ajudam a complicar o que é fácil. Deixem-na e aos africanos em paz. Cheira a petróleo, cheira a miséria. Africano não valoriza papéis escritos, fúnji na democracia da síndroma geral de adaptação Idi Amin/Mugabe/Santos. A África não é, nunca será democrática à Ocidental. Porque, o fúnji não alimenta, só enche
Entretanto a electricidade estática faísca na Lunda Norte. Onde a defesa civil, (milícia privada) foi armada, desarmada e agora rearmada e fardada. Com muita naturalidade persegue e aterroriza as populações. Fazem jus ao preço do petróleo que sobe, os índices da pobreza também.

É muito difícil caminhar no reino deste lugar sem sol, porque a todo o momento encontramos maldade. Para sobreviver a um partido marxista-leninista que conseguiu manter-se no poder vestido de democrata, é não acreditar em nada do que dizem. Todas as promessas são grandes mentiras. É tudo falso. Agora a moda é, ser africano é ser antárctico, anárquico. Os baldes de águas pútridas lançadas do alto dos prédios, não disfarçam o falso desenvolvimento económico. O petróleo dá-lhes o direito de esconder a escravidão. Petrolíferos militantes camionistas que viraram empresários de construção civil. E motoristas que viraram empresários de peixarias e livrarias, sem nunca lerem um livro. É isto que se chama desenvolvimento económico revolucionário, poder popular nas ruas da desilusão. O sol é muito ardente, é por isso que a África é muito lenta nos impulsos nervosos dos insípidos presidenciais. África irremediável que nada melhora, tudo piora. O africano aprendeu bem a lição, agora é o maior construtor do mundo. Está sempre a bater, a fazer buracos, a partir as mesmas paredes que antes construiu. O angolano constrói, destrói muito. Porque obrigou-se outra vez na velha desdita, identidade cultural, a Génesis: E o espírito do PML-Partido Marxista-leninista se movia sobre a face dos poços petrolíferos.

Gil Gonçalves