quarta-feira, 13 de junho de 2012

A Casa Militar do Presidente e os Raptos


Passam agora duas semanas desde o rapto de Alves Kamulingue, 30 anos, a 27 de Maio, quando circulava, ao meio-dia, na baixa de Luanda. Kamulingue dirigia-se a uma manifestação que deveria ter juntado antigos membros da Unidade de Guarda Presidencial (UGP) e antigos combatentes, para a reclamação de pensões.
A 29 de Maio, o seu companheiro Isaías Cassule, 34 anos, um dos organizadores da manifestação, também foi raptado, ao anoitecer, no município do Cazenga.
Isa Rodrigues, a esposa de Kamulingue, tem recebido chamadas anónimas a dar conta do suposto paradeiro dos desaparecidos algures numa unidade policial na periferia de Luanda. Esses rumores começaram a ser espalhados, entre jornalistas também, para contrapôr outros que correm na internet, segundo a qual os raptados terão sido executados.
Os números anónimos são, de seguida, desligados, para que as famílias se vejam impossibilitadas de chamar de volta e exigir mais explicações.
De certo modo, a política de raptos de indivíduos que se manifestam publicamente contra o regime já não constitui novidade. Estes têm sido devolvidos à liberdade, após sessões de tortura e ameaças.
No entanto, é preocupante o facto da Presidência da República, como instituição visada pelo protestos, se manter silenciosa sobre o caso. Mais preocupante ainda é a reacção negligente da sociedade.
Fonte do Ministério do Interior garantiu, ao autor, que os cidadãos desaparecidos não se encontram em nenhuma unidade policial. “A nossa ideia, até porque as famílias já comunicaram o seu desaparecimento às esquadras da Polícia Nacional, é prestar toda a informação possível para tranquilizarmos os familiares.”
Aventa-se que a Casa Militar do Presidente da República tenha informações específicas sobre o paradeiro dos activistas e não esteja a partilhá-las com outras instituições do Estado e o público, em geral.
Como lei suprema da nação, a Constituição consagra o respeito e a protecção da vida humana. Em circunstância alguma, de acordo com a Constituição (Art. 63º, c), um indivíduo deve ser privado de liberdade sem que a sua família seja informada sobre a sua prisão ou detenção e sobre o local para onde é levado. A Constituição garante ainda outros direitos elementares aos detidos, independentemente dos crimes de que sejam acusados.
A confirmação oficial de que a Polícia Nacional nada tem a ver com o caso remete para que a Presidência da República, através da sua Casa Militar, emita um pronunciamento inequívoco sobre o paradeiro dos dois activistas.
Paulina Wesso, 6 anos, e Alves da Silva, 2 anos, continuam a perguntar pelo pai, Alves Kamulingue. A mãe e esposa, Isa Rodrigues, não tem a mínima ideia sobre o que terá acontecido ao marido. O mesmo se passa com os cinco filhos de Isaías Cassule.
Durante anos, a repressão política, a guerra e a corrupção têm sido usadas como mecanismos para impor o medo na sociedade. Os cidadãos raramente manifestam-se solidários entre si quando os governantes incorrem em actos criminosos que violam os seus direitos elementares.
Angola continua a ser um Estado onde a participação do cidadão é limitada à sua submissão a um poder autoritário e irresponsável.
Mas, é preciso lembrar que a soberania do Estado angolano reside no povo. O povo é soberano e os governantes são servidores públicos sujeitos à lei, à fiscalização e ao julgamento do povo, que os escolhe como representantes.
Os representantes do povo, os governantes, só abusam dos poderes que lhes são conferidos pelos soberanos quando estes permitem, por falta de bom senso e sentido de responsabilidade colectiva. Enquanto o cidadão comum não respeitar e defender a vida de outrem, o todo angolano, que é o Estado, será apenas um projecto sequestrado pelos mais espertos, violentos e corruptos. Assim, o Estado continuará a ser usado como obstáculo à realização plena dos direitos fundamentais dos cidadãos por quem o controla.
Os dois activistas envolveram-se na organização de uma manifestação de ex-guardas presidenciais, que haviam sido reintegrados na vida civil como colectores de lixo e, depois mandados para casa desempregados, sem nada, e visivelmente humilhados.
Kamulingue e Cassule acreditaram na Constituição, no Estado de direito, independentemente das suas motivações pessoais, políticas ou de outra natureza. A Constituição garante o direito à manifestação. A 7 de Junho passado, perto de 3,000 ex-soldados, manifestaram-se defronte ao Ministério da Defesa, em Luanda, para reclamar pensões que lhes são devidas, em alguns casos, desde 1992. De forma inteligente, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Geraldo Sachipengo Nunda, preferiu receber uma comissão de descontentes e prometeu resolver o assunto na quinta-feira próxima. Fê-lo porque os ex-militares estavam unidos e muito bem organizados na defesa do seu interesse colectivo. O uso da força, pelo forte dispositivo militar e policial, chamado a conter os manifestantes, poderia apenas gerar violência e colocaria em risco a própria estabilidade do regime.
Apesar da pobre condição social de Kamulingue e Cassule, merecem solidariedade pela simples razão de serem seres humanos e cidadãos angolanos, com os mesmos direitos e deveres. Kamulingue é um armazenista e Cassule é guarda. À sua maneira, dedicam parte do seu tempo na defesa de interesses colectivos.
O Presidente da República, sendo o chefe do Executivo e responsável máximo pela segurança dos cidadãos, deve pronunciar-se sob pena de ser responsabilizado moralmente pelos raptos.
Kamulingue e Cassule devem ser libertados incondicionalmente.
http://makaangola.org/2012/06/a-casa-militar-do-presidente-e-os-raptos/

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