Angola está a figurar em certos jornais america¬nos. O senhor Patrick Alloco, promotor de um concerto que deveria ter acon¬tecido no início do ano em An-gola, no qual iria figurar o rapper Nas, é tido como refém das autori¬dades angolanas. Segundo as notí¬cias, o concerto foi promovido em Angola pelo famoso empresário Riquinho, que prontamente deu trezentos mil dólares. O Nas não compareceu, embora tenha rece¬bido o dinheiro todo.
Os angolanos, naturalmente, estão a insistir que o dinheiro seja devolvido. A parte americana pa¬rece não estar muito interessada em devolver toda a quantia. O que é interessante nisto tudo é que o senhor Patrick Alloco está a ser apresentado como a grande víti¬ma, alguém que corre o risco de ter que lidar com a justiça ango¬lana, cuja reputação por cá não é boa e, possivelmente, acabar num inferno cá na terra – uma cadeia angolana. O que se está a dizer sobre o senhor Riquinho também não é bom.
Devo dizer que não sou fã das iniciativas empresariais do senhor Riquinho, em que artistas da mú¬sica popular americana passam a ser remunerados de uma forma que não seriam cá nos Estados Unidos.
Acredito que os imensos recur¬sos que o senhor Riquinho parece ter seriam melhor empregues na promoção de artistas angolanos. E aqui não se trata apenas de uma questão patriótica: a longo prazo, artistas angolanos, bem promovi¬dos e ajudados, vão poder afirmar-se no mundo. O Youssour Ndour é, talvez, um dos artistas africanos que mais êxito tem tido nos pal¬cos internacionais; este artista tem mesmo levado milhões e milhões de dólares para o Senegal.
E ele investiu em várias infra-estruturas – estúdios de qualida¬de agora usados por artistas na região; uma estação de televisão, jornal, etc.. Por detrás do Yous¬sour Ndour há uma toda máquina de peritos – técnicos de som, es-pecialistas de publicidade e ma¬rketing, especialistas de vendas, etc.. Já vi vários documentários sobre as estruturas que o Yous¬sour Ndour criou. No passado, como vários músicos africanos, o Youssour Ndour – que, embora não possua uma formação formal sólida, tem uma capacidade eleva¬díssima de percepção – teve que ir para a Europa e para os Esta¬dos Unidos gravar os seus discos. Ele montou uma infra-estrutura impressionante no seu país para apoiar não só a sua música mas também a carreira de vários ou¬tros artistas do continente.
Existe, também, a adulação servil de muitos angolanos – es¬pecialmente os jovens – de cer¬tos aspectos da cultura popular americana. Eu nunca tinha ouvi-do falar deste Nas. Escutei a mú¬sica dele e senti-me desagradado com o seu conteúdo. Estou cada vez mais convencido que certos membros da elite angolana esta¬riam prontos a pagar milhares de dólares pelas piores porcarias des¬de que venham de um americano famoso. Suspeito que muitos pen¬sam que terão um certo prestígio por serem associados com tais ve¬detas. Nem sempre é o caso.
Diz-se que um empresário ni¬geriano pagou um milhão de dó¬lares para poder conversar por trinta minutos com a Beyonce. O resto do mundo não admirou este pateta; o resto do mundo fartou-se é de rir-se deste indivíduo que parece não ter tido uma noção exacta de dinheiro. O filho do pre¬sidente da Guine Equatorial, o Te¬odorin Nguema Obiang Mangue, é tido como um playboy que se move entre os artistas da música rap americana; a sua namorada foi uma artista chamada Eve. Num dos aniversários da Eve, ele alu¬gou um iate por 700,000 dólares; várias pessoas – ocidentais, claro – foram convidadas para a grande festa. Eles beberam champanhe e comeram do melhor. Porém, logo depois não paravam de rir-se des¬te filho de um ditador que, para impressionar as pessoas, tinha que gastar tanto dinheiro.
No ano passado, para celebrar o seu aniversário, o presidente da Gâmbia, Yayah Jammeh, convo¬cou dos Estados Unidos uma ban¬da musical liderada pelo irmão do Michael Jackson, o Jermaine. Diz-se que se gastou milhões e milhões de dólares para uma banda sem muito valor e num país com uma tradição musical que é admirada globalmente. O mundo, claro, me¬teu-se a rir do Yayah Jammeh; os outros facturaram – e muito bem.
Há aspectos da cultura musical americana que são admiráveis. Os músicos africanos que hoje são altamente respeitados – Richard Bona, Lionel Loueke e Concha Buika, entre outros – são artistas que estão envolvidos numa es¬pécie de diálogo cultural e musi¬cal. A Concha Buika é da Guine Equatorial mas fez a sua carreira na França. Nos Estados Unidos, a prestigiosa estação de rádio, a National Public Radio, descreveu-a como tendo uma das cinquenta melhores vozes do mundo. En¬quanto medíocres americanos famosos recebem milhões para irem dizer baboseiras em Mala¬bo, a capital da Guine Equatorial, a Concha Buika não tem tido este mesmo tratamento. Parte da razão é que a sua música é complexa e não celebra o materialismo e o culto do óbvio que é muito paten¬te num sector da música popular americana.
É bom ver africanos que não se vergam perante certos aspec¬tos da cultura musical americana. Uma cantora ugandesa que muito admiro, e que está a ser louvada por vários críticos, encarna este diálogo cultural. Há alguns meses atrás, em Nova Iorque, encontrei-me com a Somi no lançamento de um filme africano. Ela esta¬va muito curiosa sobre Angola e disse-me que suspeitava que o cruzamento de várias influências culturais deveria ter resultado em trabalhos musicais muito inte¬ressantes. Por acaso, Angola tem músicos interessantíssimos como o Jack Kanga e o seu irmão Tony Laff, que também estão envolvidos neste diálogo cultural. No interior de Angola, há vários estilos mu¬sicais que devem ser celebrados e valorizados.
Nós, os angolanos, em termos de desenvolvimento da música lo¬cal, deveríamos aprender um pou¬co com o exemplo dos zambianos. Eles raramente convidam esses artistas americanos caríssimos. Suspeito que nem tudo tem a ver com a falta de fundos por parte dos zambianos. É que, nos últimos anos, eles, sobretudo os jovens, passaram a ter muito orgulho na sua música. Há vários estúdios na Zâmbia e as estações de rádio fa¬zem mesmo questão de difundir as obras dos artistas locais. Depois há mesmo a cultura dos zambia¬nos irem aos concertos de artistas do seu país. Esses artistas tam¬bém tiram vantagem da diáspora zambiana no Ocidente: há artistas zambianos que, depois de actua¬rem para a sua diáspora no Reino Unido e Estados Unidos, voltam para a Zâmbia com milhares e mi¬lhares de dólares que investem em estúdios e outras infra-estruturas ligadas à música. Um artista zam¬biano popular, como o Danny, o General Kanene ou o Ephraim, vai para Londres e Atlanta e volta para o seu país com uns bons mi¬lhares de dólares.
Entretanto, a história do su¬posto rapto do produtor ame¬ricano Patrick Alloco vai con¬tinuando. Num comentário, os angolanos são até chamados de cães. Não tenho a mínima dúvida que daqui a nada uma história semelhante se vai repe¬tir. Angola tornou-se hoje num local que é visto como estando cheio de dinheiro que deve ser aproveitado por qualquer pes¬soa no mundo que seja esperta. Seria tão bom se os angolanos levassem a sério a expressão «jikulenu ó messu!». Abram os olhos!
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