Apesar dos protestos, agora de militares
desmobilizados, e da corrupção, nada deve mudar. Controlo dos media e do
aparelho de Estado motivam preocupações com o processo eleitoral.
Nem mesmo
críticos e opositores do Presidente José Eduardo dos Santos e do MPLA acreditam
que o resultado das eleições que Angola vai ter dentro de dois meses possa ser
outro que não uma vitória do partido no poder. Instalado na máquina do Estado e
com o controlo da comunicação social oficial - a única com capacidade para
cobrir a generalidade do território - é improvável que o partido que governa
desde a independência sofra uma derrota.
Às já
antigas acusações de corrupção da cúpula do regime, somaram-se, no último ano e
meio, marchas de jovens que reclamam a saída de Eduardo dos Santos, denúncias
de ataques contra activistas e revindicações de grupos profissionais como os
professores, ou, nas últimas duas semanas, de ex-militares. O MPLA (Movimento
Popular de Libertação de Angola) respondeu aos sinais de mal-estar com
repressão da discordância e um nervosismo surpreendente para quem em 2008
obteve quase 82% dos votos e elegeu 191 dos 220 lugares da Assembleia. Ainda
que em eleições marcadas por denúncias, internas e externas, de
irregularidades.
Vinte e
sete partidos e coligações apresentaram listas para as eleições gerais de 31 de
Agosto - as segundas desde o fim da guerra civil de 27 anos, que terminou em
2002, após a morte de Jonas Savimbi, líder do movimento rebelde UNITA (União
Nacional para a Independência Total de Angola). O Tribunal Constitucional ainda
não se pronunciou, mas já há casos: o Bloco Democrático queixou-se de lhe terem
sido roubadas as assinaturas do círculo da Lunda-Norte; notícias dos últimos
dias indicam que serão rejeitadas centenas de assinaturas do Partido Popular,
do advogado e activista dos direitos humanos David Mendes, particularmente
crítico do regime.
São
muitos os que estão preocupados. A UNITA, por exemplo, enviou à comissão de
eleições, há duas semanas, um memorando em que identifica "áreas
críticas" do processo e afirma que quando Angola conseguir realizar
eleições democráticas "terá atravessado a fronteira que separa a ditadura
da democracia".
Mas a
apreensão não é só dos envolvidos na disputa pelo voto de mais de nove milhões
de eleitores. Para Fernando Macedo, professor universitário e ex-presidente da
Associação Justiça, Paz e Democracia, as eleições "não serão justas"
e a questão que se coloca é "saber se não serão fraudulentas".
Controlo estonteante
"Não
vão ser justas por causa do controlo absoluto e propagandístico dos principais
meios de comunicação social, TPA [televisão pública], Rádio Nacional e Jornal
de Angola, a que se somam muitos privados. Os níveis de parcialidade e propaganda
são estonteantes", disse ao PÚBLICO.
A
"violência política por parte do regime, que aumentou exponencialmente
desde Março do ano passado", quando se iniciaram os protestos dos jovens,
é - para o professor de Ciência Política e Direito Constitucional - outro
factor que não permite um processo eleitoral justo. "Os sinais de que o
regime tem consciência do perigo que corre são os actos de violência contra os
jovens revolucionários", considera.
Se para a
oposição o caminho é difícil, a contestação político-social é um desafio para o
Presidente há mais tempo no poder em África, desde 1979. O caso mais recente é
o dos ex-militares. Maioritariamente das FAPLA, o ex-braço armado do MPLA,
também há ex-combatentes da UNITA e da FNLA (Frente Nacional de Libertação de
Angola), os rivais históricos do partido no poder.
Depois de
uma anterior concentração, a 20 de Junho, centenas de desmobilizados
concentraram-se em Luanda e tentaram chegar ao palácio presidencial, para
reclamar pensões atrasadas há anos e a inserção na Segurança Social. Foram
dispersados pelas forças de segurança, que usaram cassetetes, gás lacrimogéneo
e fizeram disparos para o ar. Manifestantes apedrejaram agentes. Circularam
informações, depois desmentidas, sobre feridos e um morto. As Forças Armadas
acusaram agitadores de se terem infiltrado para provocarem distúrbios. Após os
protestos, segundo o site Maka Angola, do jornalista Rafael Marques, a polícia
prendeu mais de meia centena de veteranos. Nos últimos dias, surgiram notícias
de descontentamento de ex-militares no Kwanza-Sul e de que antigos agentes dos
serviços secretos estariam a preparar protestos em Benguela.
Com
eleições à vista, o Governo procurará resolver um problema que poderia ter
maiores repercussões. "As autoridades farão tudo para regularizar a
situação antes das eleições. Caso contrário acabaria por ter
repercussões", considera Gustavo Costa, director do semanário Novo Jornal.
O que aconteceu na sexta-feira no Lubando, onde uma marcha de mais de meio
milhar de desmobilizados foi cancelada depois de um encontro com o comando
militar da região, que - segundo o Maka Angola - prometeu pagamentos para este
mês parece confirmar a preocupação das autoridades.
O caso
dos ex-militares confirma o descontentamento social e os riscos para o regime
que governa um país que a organização não-governamental Transparency
International considera dos mais corruptos do mundo. Terceira maior economia de
África, a seguir à África do Sul e à Nigéria, as receitas de Angola dependem em
mais de 90% do petróleo - uma riqueza que tem beneficiado apenas uma pequena
minoria. Rafael Marques tem denunciado o enriquecimento ilícito de dirigentes
do poder e considera a Presidência da República o "epicentro de
corrupção".
Ex-patrão da Sonangol
Especulações
sobre uma eventual saída de cena de José Eduardo dos Santos não passaram disso
mesmo. Sem surpresas, o partido governamental apresentou como cabeça de lista,
e consequente candidato a Presidente da República, o homem que lidera Angola há
32 anos. É eleito Presidente o primeiro nome da lista do partido mais votado no
círculo nacional para a Assembleia.
A
principal novidade da lista, anunciada em Junho, era também dada como certa há
meses: a indicação como "número dois" de Manuel Vicente, antigo
"patrão" da petrolífera estatal Sonangol. Em caso de vitória do MPLA,
Vicente, 55 anos, que desde o início do ano é ministro de Estado e da
Coordenação Económica, será o vice-chefe de Estado e eventual sucessor de
Eduardo dos Santos. Fernando Piedade dos Santos, o vice-presidente, surge em
décimo-quinto, um lugar abaixo da posição que ocupou em 2008, que não deixa de
ter significado, atendendo às aspirações que lhe eram atribuídas. A
generalidade dos veteranos mantém-se em posição elegível.
Um
cenário de passagem de poder para Vicente durante a legislatura já admitido por
analistas, não é um dado adquirido. Gustavo Costa, o jornalista que noticiou
que o presidente da Sonangol seria o "número dois" na lista do MPLA,
não está convencido. "Eduardo dos Santos é muito imprevisível, mas
acredito que vai cumprir o mandato", afirma.
Terceira via?
A UNITA,
segunda força, com 10% e 16 parlamentares, apresenta como primeiro nome o
líder, Isaías Samakuva. A poucos meses das eleições o partido viu um dos seus
mais destacados dirigentes, Abel Chivukuvuku, ex-delfim de Savimbi, sair para
formar a CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação
Eleitoral), a novidade das eleições. A nova força quer protagonizar uma
"terceira via" e não reúne só opositores tradicionais. Terá como
candidato a vice-presidente um almirante que passou à reserva: André Gaspar
Mendes de Carvalho, filho de um ex-deputado do MPLA. "Penso que poderá vir
a ter deputados. Pode fazer mossa em algumas franjas do MPLA", admite
Gustavo Costa.A FNLA, sucessora da UPA - o movimento que em 1961 protagonizou o
violento levantamento contra o colonialismo português, no Norte de Angola -,
elegeu em 2008 apenas três deputados e está minada por divisões internas. Ngola
Kabangu, que sucedeu ao "fundador" Holden Roberto e há quatro anos
liderou a lista, viu o Tribunal Constitucional reconhecer Lucas Ngonda como
presidente e rejeitar a candidatura que patrocinava. Kabangu vê nos obstáculos
a mão de Eduardo dos Santos e do MPLA, aos quais acusa de pretenderem reduzir
um dos antigos rivais à insignificância.
O PRS
(Partido da Renovação Social), que defende o federalismo, tem no actual
Parlamento oito assentos, que deve a alguma implantação nas Lundas. A outra
força que há quatro anos elegeu deputados, dois, é a Nova Democracia, um satélite
do MPLA. Entre as forças extraparlamentares, o Bloco Democrático, liderado pelo
economista Justino Pinto de Andrade, tem tido algum protagonismo, mas falta-lhe
a prova das urnas. Chegar ao Parlamento já seria uma vitória.
Manipulação de resultados
O primeiro
teste à capacidade de mobilização do MPLA, que se confunde em muitos casos com
o Estado, não correspondeu às expectativas: o partido previa juntar, no dia 23,
meio milhão de manifestantes à volta do Estádio 11 de Novembro, mas os que
saíram à rua ficaram longe daquele número. "Os militantes do MPLA
dedicaram mais aplausos à Yola Araújo e outros cantores do que ao Presidente da
República e do seu partido", escreveu Rafael Marques, no Maka Angola, num
texto em que quantificou em 50 mil o número dos que se participaram na
iniciativa partidária.
Desgaste
do poder, erros de governação e múltiplas denúncias de abusos e corrupção podem
penalizar o MPLA. Mas ninguém parece acreditar que o partido não ganhe as
eleições. "De uma maneira geral, toda a gente acha que ganha, ainda que
provavelmente sem a expressão de 2008", afirma Gustavo Costa. Mais
contundente, e por achar que "o mercado das ideias políticas está
viciado", Fernando Macedo entende que "o que pode acontecer, numa
tentativa de credibilizar o processo, será o regime manipular os resultados e
atribuir mais alguns resultados à UNITA e a mais alguns partidos que lhe
convierem".
PUBLICO-PT ANGOLA24HORAS.COM
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