por Maka Angola
Manuel Chivonde Baptista Nito Alves, de 17 anos, detido a 12 de Setembro passado,
continua a ser mantido em regime de detenção solitária e sem direito a banho,
por alegada difamação ao presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Desde a sua detenção, em Viana, a Polícia Nacional
não tem permitido aos advogados da Associação Mãos Livres o contacto com o
jovem, para prestação de patrocínio jurídico. Nito Alves está detido na Cela 11
da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC), no Distrito do Rangel,
em Luanda.
Segundo o advogado Afonso Mbinda, “inicialmente a
acusação que pendia contra o Nito Alves era de crime de calúnia e difamação
contra o presidente da República, sob o processo 65/13-VN”.
“O caso transitou para a DPIC onde passou a ser
identificado sob o processo nº 9848/13 O.P. e julgámos que o procedimento seguinte
seria por via de julgamento sumário de polícia correcional”, disse Afonso
Mbinda.
De acordo com o advogado, o Ministério Público
tinha oito dias, dentro do processo de polícia correcional, para encaminhar o
detido a julgamento sumário ou ao Tribunal de Menores.
“Ao não terem cumprido com essa tramitação, o
Ministério Público não tem como sustentar a acusação”, explicou o representante
da Associação Mãos Livres.
Afonso Mbinda revelou também a conversa que teve
com o procurador junto da DPIC, Carlos Santos, sobre o seu cliente.
“O procurador disse-me que o Ministério Público
precisava de mais 10 dias para aprofundar as investigações, dada a gravidade
dos factos que lhe são imputados””, explicou.
De acordo com o advogado, “o procurador informou
que não podia dizer, nessa altura, sobre a acusação que pendia contra Nito
Alves. Disse apenas que havia indícios de crime contra a segurança de Estado”.
Em comunicado de imprensa, datado de 18 de
Setembro, a Associação Mãos Livres condenou a acção da detenção de Nito Alves
sem mandado de captura.
A Associação Mãos Livres considerou que o
comportamento da Procuradoria-Geral da República, no tratamento do caso do Nito
Alves, “viola o estabelecido no artigo 63º da Constituição que impõe o dever de
informar aos presos, no momento da sua detenção, as razões e o crime cometido”.
Por sua vez, o pai de Nito Alves, Fernando
Baptista, um veterano da Polícia Nacional, lamentou a indisponibilidade da DPIC
em prestar qualquer informação oficial à família sobre o detido. “Então, o meu
filho não tem direito a nada, nem sequer a falar com o seu advogado? Não sei o
que pensar ou dizer”, desabafou o pai.
O Ardil da Segurança
Maka Angola teve
acesso à cópia do papel manuscrito, para a impressão de 20 t-shirts com os
seguintes dizeres na parte frontal: “Zé-Dú/ fora/ Nojento/ Ditador”. No verso
da t-shirt solicitava-se a seguinte inscrição: “Povo angolano/ quando a guerra/
é necessária e urgente em Angola/para mudarmos o governo ditador”. As
inscrições no verso, são uma corruptela do título de um artigo e de um livro de
Domingos da Cruz, Quando a Guerra é Necessária e Urgente.
O manuscrito não tem qualquer assinatura ou
logótipo.
Maka Angola realizou
uma investigação junto de pessoas próximas dos meandros da detenção. Após ter
sido reportada, à polícia e serviços de segurança, a intenção de se imprimirem
as referidas camisolas, o responsável da gráfica, conhecido como Lavoisier,
cancelou a produção.
“Os agentes da segurança deram ordens ao Lavoisier
para imprimir as camisolas. Ele cumpriu. Depois telefonou ao Nito Alves para ir
buscar a encomenda, conforme lhe instruíram. E assim o detiveram [Nito Alves]”,
explicou a fonte.
Nito Alves fazia-se acompanhar de um jovem,
Feliciano Adão Nunes, de 18 anos. Maka Angola apurou junto de familiares
e amigos que este jovem foi mandado em liberdade pelos responsáveis da captura
de Nito Alves “com ameaças de morte caso revelasse a alguém sobre o modo como o
seu companheiro foi capturado”.
“Agora o Feliciano tem estado a viver com medo de
ser eliminado e anda fugido”, acrescentou Raúl Mandela, amigo dos dois jovens.
Um outro advogado, Luís Nascimento, esclareceu que
para haver crime de difamação tem de haver publicidade. “Como se pode deter
alguém por ter manifestado, em privado, a intenção de supostamente difamar?”,
questionou.
Difamação e Propaganda na TPA
No entanto, através dos serviços de propaganda da
Televisão Pública de Angola (TPA), publicitou-se o verso da camisola mandada
imprimir pelas próprias autoridades. A parte frontal, que chama o presidente
José Eduardo dos Santos “Zé Dú” de ditador, foi omitida.
A TPA cingiu-se ao discurso segundo a qual o menor
de idade estaria a incitar à guerra no país.
A 6 de Setembro passado, o juiz Salomão Filipe, do
Tribunal Provincial de Luanda, absolveu o jornalista
Domingos da Cruz, autor da expressão original usada no verso da camisola, que
havia sido acusado de instigação à desobediência colectiva.
No seu despacho de pronúncia, o juiz considerou a
acusação improcedente por não haver, na legislação vigente, a tipificação do
crime de que era acusado o réu.
A 8 de Agosto de 2009, Domingos da Cruz publicou um
texto de opinião, no semanário Folha 8, intitulado Quando a Guerra É
Necessária e Urgente. A seguir publicou um livro com o mesmo título. A
Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou-o de ter perturbado a ordem
pública e de ter incitado o povo à guerra, com a publicação do referido texto.
No seu texto, Domingos da Cruz opinou sobre os
métodos de governação do presidente José Eduardo dos Santos a quem reputou de
autoritário, corrupto e insensível ao sofrimento do povo.
Nito Alves permanece encarcerado numa cela
solitária, sem direito a intervalos no pátio. Como parte da rotina de abusos, Maka
Angola apurou que alguns agentes têm passado pela cela do jovem, apenas
para o ameaçarem de morte.
Aos 17 anos, segundo a lógica do regime do
presidente José Eduardo dos Santos, Nito Alves abalou a estabilidade do poder
com a intenção de imprimir umas camisolas.
Quem tem medo de uma “revolução” das camisolas?
Documento de prova contra Nito Alves.
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