sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Editorial. A corrupção que nos persegue


Maputo (Canalmoz) - Em Moçambique virou moda sempre que há um evento organizado pelo Estado, surgirem informações denunciando actos de corrupção envolvendo pessoas ligadas ao aparelho. Se não são fundos e bens alocados para o evento que acabam na calha de alguns, são concursos pouco transparentes envolvendo empresas de ou participadas por dirigentes do Estado, seus cunhados e derivados. É uma marca que, infelizmente, estamos a conquistar como País. O mau exemplo veio de cima e agora já há metástases por todos os lados. Um cancro!...
Com a impunidade que graça derivado de um sistema judicial que em vez de punir já está na esteira dos mesmos maus costumes, quase todos os casos denunciados pela imprensa e por alguns funcionários – excluídos das burlas ou que não pactuam por princípio com as golpadas – acaba tudo abafado. Assim, os casos vão-se repetindo progressivamente e Moçambique vai conquistando e cimentando o seu estatuto de ‘sociedade corrupta’.
Os jogos africanos realizados em Setembro de 2011 em Maputo e Chidenguele, constituíram um momento fértil de notícias de corrupção. Passados quatro meses após a realização dos jogos, até hoje continuam a chegar informações que denunciam tais actos de apoderamento de bens e fundos do Estado destinados à realização dos jogos, que entretanto acabaram nas mãos de alguns dirigentes e seus cúmplices. Como sempre – embora desta vez estejamos a falar de grandes boladas – andam uns a fazer querer que correu tudo bem e que o País saiu prestigiado e outros a rirem-se de “papo-cheio”. Entretanto, vai ficando o exemplo e como o exemplo é mau a corrupção vai-se tornando endémica como a malária e a Sida. Uma espécie de fatalidade…até ao dia em que os corruptos vão perder eles próprios o controlo dos seus bens e propriedades. O assalto à propriedade alheia estará de tal maneira legitimado se o caminho continuar a ser este, que dificilmente se poderá conseguir inverter a marcha que não se agir, já.
Num país normal, as conversas de café hoje deveriam ser à cerca dos records alcançados pelos atletas moçambicanos nos jogos, mas no ‘país da corrupção’ a conversa é sobre os desvios, os concursos mal explicados e coisas afins, de envergonhar.
Agora as notícias que surgem dos bastidores, mas que ninguém apareceu a anunciar oficialmente dão conta de que o paradeiro do mobiliário adquirido para equipar os apartamentos da vila olímpica está em parte incerta. Certamente que as mesas, cadeiras, televisores, camas, armários e outros equipamentos que havia nos apartamentos para torná-los habitáveis, não se evaporaram. Alguém os retirou de lá. O que resta é saber quem os retirou e onde os foi deixar e o que é feito dessas coisas.
A pompa e circunstância com que o COJA (Comité Organizador dos Jogos Africanos) anunciou a chegada dos mobiliários aos apartamentos da Vila Olímpica já não foi a mesma aquando da sua retirada. Os bens foram retirados em total silêncio e ninguém parece estar disponível para explicar devidamente o que aconteceu e onde estão essas coisas.
Estes bens por dinheiro de crédito que o Estado moçambicano contraiu e será pago por todos os moçambicanos, foram, ao que tudo indica, parar em mansões de dirigentes, seguindo esquemas obscuros. É o que certamente aconteceu. É o que temos o direito de insinuar enquanto não vier alguém em nome do Estado esclarecer tudo direitinho.
A imprensa que era parceira aquando da colocação das mobílias no parque, já não o é quando as mobílias são retiradas. Afinal a imprensa deixa de ser parceira quando é preciso esclarecer os moçambicanos o que foi feito de coisas compradas com o dinheiro de todos, o dinheiro do Estado?
Se o destino final deste mobiliário foi legalmente determinado, por que não se chama a imprensa para explicar onde foi o mobiliário retirado da Vila Olímpica?
São mais de 500 apartamentos que estavam totalmente mobilados na Vila Olímpica. Agora estão totalmente vazios. Onde foi parar toda a mobília que lá estava?
A Reportagem do Canal de Moçambique depois de ter sabido que os apartamentos da Vila Olímpica foram saqueados, contactou as entidades gestoras da vila para lhes dar oportunidade de se explicarem, de esclarecerem qual o paradeiro do mobiliário. Como parceira, claro está! Mas ninguém soube dizer ao certo aonde param agora aqueles bens que custaram milhões de dólares aos moçambicanos.
O Estado contraiu um empréstimo de cerca de 152 milhões de dólares, concedido pelo governo português para a Vila Olímpica. Este valor será pago por moçambicanos vivos e outros ainda por nascer. Por isso é imperativo democrático, é uma obrigação o Estado respeitar o princípio da transparência para que não se fique a pensar que o nosso Estado está nas mão de gatunos. A transparência obriga a que diga, ao detalhe onde foi aplicado este dinheiro e isso também ainda não aconteceu.
O Engenheiro Borges da Silva, director para a área de planificação do Fundo de Fomento de Habitação, a entidade que gere a Vila Olímpica neste momento, diz que o mobiliário da Vila Olímpica foi entregue à Direcção Nacional do Património, no Ministério das Finanças. Mas lá não está. Onde foi parar? Ninguém sabe dizer? Não consta que tenha havido uma hasta pública!...
Os contornos que está a ter este caso, num país normal seria um ‘caso da polícia’, mas porque estamos num país onde a impunidade é a regra e a responsabilização excepção, pode haver quem esteja a querer fazer com que tudo termine esquecido. Mas não pode ser. Até que se esclareça tudo direitinho temos o direito de suspeitar que estamos perante um bando de gatunos a coberto do Estado, a instituição que nos cobre a todos.
Já o ano passado, o Tribunal Administrativo denunciou que o património do Estado que está nos ministérios e noutras instituições geridas pelo Governo, não está a ser registado na Direcção Nacional de Património. Desde viaturas protocolares de ministros aos mobiliários, casas do Estado, nada consta do inventário do património do Estado depositado na Direcção Nacional de Património. Foi uma denúncia feita em documento oficial, precisamente no relatório e parecer da Conta Geral do Estado.
A Procuradoria-Geral da República que devia manifestar-se face a esta ilegalidade, ou pelo menos agir, não consta que tenha feito uma coisa ou outra. Manteve-se muda. Ou não fosse o Procurador-Geral da República também uma figura totalmente dependente dos caprichos políticos do chefe de Estado sendo ele quem o nomeia e o pode destituir assim que entender fazê-lo se o “menino” se atrever a alguma veleidade. É uma total humilhação a quem exerce o cargo, mas quem quer boas vidas submete-se. Por aí começa talvez todo o problema, a maior corrupção de todas…
A maior corrupção de todas, no nosso modesto entender, é não se agir em defesa do tacho…
Mas porque não se pode enganar a todos durante todo o tempo, um dia os que hoje andam a jogar areia nos olhos dos moçambicanos serão julgados por isso e o poder de um povo sempre humilhado por quem detém o poder de controlo dos recursos do país, virá ao de cima e a justiça será feita. Oxalá seja a tempo de se recuperar ainda alguma coisa que é património do Estado, que neste momento está a ser “privatizado” por quem assaltou o poder para alimentar os seus caprichos.
Se o Governo é sério, estamos cá para ver se no espírito de parceria com a Imprensa e acima de todo respeito pelos cidadãos, nos próximos dias alguém vem a público explicar as contas do COJA direitinhas e onde foi parar o mobiliário da Vila Olímpica.(Redacção)
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