Maputo (Canalmoz) – Faz mais de quinze anos, que li
um artigo de um intelectual angolano que falava da maldição dos recursos do seu
país, escrevendo sarcasticamente:” Deus inventou todas coisas do mundo, mas
para Angola em particular, inventou a maldição de ter tudo num mesmo lugar.
Inclusive a guerra”. Hoje, os tempos são outros. Desde 2001, a linguagem
das armas tem sido transformada em ritmos vigorosos de crescimento económico
que enchem páginas de jornais e relatórios de Bretton Woods, e que agora já
perspectivam Angola como a nova potência económica de África em 2016.
Daí que me tenha chamado a atenção o nascimento de
cidades-fantasma naquele país, tal como no passado se havia verificado na
China, Irlanda e Espanha, países que em determinada época foram ou são
referenciados como casos de sucesso da economia mundial. De acordo com o
tablóide britânico Daily Mail, a nova cidade do Kilamba possui 750
prédios de apartamentos de oito andares, praticamente vazios, mas ao custo
módico de pouco mais 116 mil USD para as bolsas menos generosas, muito aquém
promessas de habitação social feitas pelo MPLA aos quase 3 milhões de
habitantes dos empoeirados subúrbios luandenses na última campanha eleitoral.
Do total de 2.800 apartamentos do primeiro lote postos à venda, somente
220 foram vendidos em 12 meses. Não obstante a percepção de que os preços são
incomportáveis mesmo para a realidade angolana, a estatal Delta Imobiliaria,
afirma que o único problema é a dificuldade de acesso ao crédito bancário pelos
angolanos por falta de garantias da sua devolução. Curiosa notícia vinda de um
país que virá a ser a maior potência económica de Africa já em 2016.
Receia-se que aquele projecto imobiliário no valor
de 3.410 milhões de USD, construído em apenas três anos, possa continuar vazio
por muito tempo. Um dos que acreditou nas promessas de habitação social para os
angolanos feitas pelo MPLA, foi o limpador de ruas Joaquim Francisco, de
32 anos de idade, que declarou: “sim, é um óptimo lugar, mas para se viver aqui
é preciso muito dinheiro. Pessoas como eu não o temos”. E de facto, para a
maioria dos angolanos que obtém rendimentos médios de 2,02 USD/dia adquirir
aqueles apartamentos de médio padrão é muito pouco para uma oferta no intervalo
dos 116 à 211 mil USD por apartamento, o que parece ser um pormenor que a China
International Trust and Investment Corporation, responsável pela urbanização
dos 12,355 acres do Kilamba nunca se preocupou em questionar.
Por outro lado, numa apresentação sobre o impacto
marítimo no canal de Moçambique da descoberta de grandes jazidas de
hidrocarbonetos e minerais estratégicos no nosso país ao Second Annual Regional
Security Dialogue “Security Cooperation in Southern Africa” de Outubro de 2011
em Maputo, o reputado eng. moçambicano José Lopes assinalou que Moçambique, a
Tanzania, o Malawi e o Zimbabwe, são referência no mercado mundial de alta
tecnologia civil e militar – como o titânio, areas pesadas e terras raras
por exemplo, ainda que se exclua o urânio, pois supõe-se que não comece a ser
explorado antes de 2025, face aos 20-30 mil milhões de USD necessários, e a
magnitude e disponibilidade das actuais reservas activas na África do Sul e
Namíbia.
Por outro lado, a China que tem imposto embargos
unilaterais às exportações de terras raras (de que dispõe de 97% das reservas
mundiais no seu território) – portanto causando uma interrupção súbita e dispendiosa
do fornecimento deste componente fundamental às companhias de alta tecnologia
dos outros países – empenha-se no controlo de várias posições-chave
dos recursos minerais da costa oriental de África.
Não parecendo muito interessada nas jazidas de carvão,
em menos de 4 anos, a China tornou-se numa forte presence na indústria
extractiva regional de metais e minerais estratégicos, com a exploração de
concessões de terras raras e depósitos de níquel no Malawi (Machinga e
Kanyica), Moçambique (Monte Muambe), minas de platina ( África do Sul e
possivelmente Zimbabwe), ou através de investimento directo em campos
titaníferos em Moçambique (Sangage). Entretanto, o renascimento da
indústria mineira do Zimbabwe criou também oportunidade para que um outro actor
mundial de peso, a Índia, ocupasse o vazio criado pelas sanções dos EUA e UE
aquele país, complicando ainda mais os cálculos geopolíticos mundiais.
Sendo assim, parece-me, é muito cedo para a
mass-media do mundo ocidental anunciar o passamento físico da investida
financeira chinesa em África por causa de bolhas imobiliárias localizadas, como
a cidade do Kilamba, mas sobretudo para nós, africanos, é demasiado
prematuro ensaiar o canto do cisne de Beijing em Africa que os novos amigos do
ocidente nos põem na pauta, para que os recebamos com hossanas
libertadoras. Melhor seria avaliar o que quer uns (chineses), quer outros
(ocidentais), esperam afinal do continente. Que é a total abertura deste
para a exploração intensiva das suas riquezas minerais, agro-pecuárias,
florestais e maritimas ao preço mais competitivo possivel para os compradores.
Sendo assim, qualquer um destes amigos estará
disposto a conceder de barganha o crédito que achar necessário,
para que os africanos se entretenham com a ideia de que são donos e soberanos
das suas opções de desenvolvimento. Analisemos por isso a mecânica do crédito
concessionado chinês, defendido por muitos compatriotas anti-ocidente e também
a perda de soberania face para as multinacionais, como defendido por outros
tantos pró-ocidente. Analisemos também o que diz o bispo emérito da Beira, Dom
Jaime Gonçalves, quando afirma que “o Governo toma o risco de explorar a
riqueza do país, não com as próprias mãos, mas com as mãos dos investidores, o
que faz com que a riqueza do país passe para as mãos dos estrangeiros. Isso,
por um lado, pode ser bom, na medida em que a riqueza não fica improdutiva, mas
começa a melhorar a vida da população, mas, por outro, o país fica demasiado
dependente dos donos dos mega-projectos”. Portanto, sinais de perigo não faltam
e vindos dos mais diferentes azimutes.
Reforçando estas ilações, tomemos ainda como
exemplo dois casos mediáticos em Moçambique. O primeiro, são os projectos
imobiliários e de infra-estruturas que Beijing tem trazido a Moçambique e tidos
como políticas publicas de fomento da habitação do Governo. Na realidade, tanto
a ponte Maputo-Catembe, como o Bairro Intaka - Matola, são crédito
concessionado chinês. Por outras palavras, após a sua construção, o
empreendimento será privado chinês ou numa pseudo joint-venture com irrisórios
5-10% de participação accionista moçambicana, que é o valor presumido da terra,
o qual se esfumará com o tempo, até que a sua utilização das mesmas pague os
custos da empreitada, o que poderá levar 30-50 anos num cenário ideal. Ou todo
o sempre, a avaliar pelo que sucede com o Kilamba em Angola, e com isso, juros
e correcções monetárias inevitáveis que converterão a dívida para pelo menos o
dobro do seu valor inicial. Quando finalmente passar para mãos do Governo que
se endividou, já serão infra-estruturas descontinuadas, gastas pelo uso e que
obrigarão naturalmente o seu novo senhorio, a renová-las, certamente com
outro crédito concessionado.
Segundo, temos a participação accionista massiva de
empresas estrangeiras nas empresas públicas ou áreas funcionais do Governo que
passam imediatamente a ditar as regras de jogo. O recente arranjo supersónico
para o Corredor de Nacala, onde a VALE controla agora 80% das acções, valerá
enquanto houver carvão para extrair em Moçambique. Quando aquela riqueza perder
o seu significado económico, o empreendimento será devolvido nas mesmas
condições do crédito concessionado chinês, pelo Governo o deixará morrer à
espera de comprador, que não virá, pois já não haverá nem economia
mundial, nem procura interna que justifique tal aparato. O que também, obrigará
outros endividamentos para sustentar empresas publicas deficitárias, conhecida
que é a apetência do Estado de nunca reconhecer a ineficiência das suas
empresas ou participadas. E ciclo dos Condenados da Terra de Fanon
recomeçará. Portanto, com crédito concessionado ou participações
maioritárias estrangeiras via multinacionais ou outras, o objectivo é sempre a
maximizaçãoo do lucro da exploração dos recursos naturais pelo capital
investidor estrangeiro e minimização do estado social sempre que possível.
Por isso, as cidades-fantasma em Angola já em 2012,
têm para mim, um efeito mais pernicioso para aquele país do que para a China. E
que isso nos sirva de aviso. É fácil compreender que aquelas nasceram com o
crude como moeda de troca que a China tanto necessita hoje. Por outro lado, já
o referi muitas vezes, há dois aspectos fundamentais que determinam a disputa
entre o mundo ocidental e os BRICS, especialmente a China. Que são, o controlo
das fontes energéticas fósseis que estão na base da industrialização plena e
acelerada daquele país e a deslocalização da indústria e tecnologia ocidentais
também consequência da globalização, atraída pelos baixíssimos custos de produção,
quantidade e proximidade dos consumidores finais. Justamente o que sucede hoje
com África, apenas com uma ressalva, os BRICS nunca descuraram a necessidade de
terem um sistema educacional de qualidade e adaptado às circunstâncias.
A crise que coloca os EUA e a União Europeia
à beira do colapso hoje, é o resultado daqueles dois factores sistémicos. Sendo
a famosa economia verde de que tanto se fala nos últimos tempos, um paliativo
que estes países tentam em desespero de causa arregimentar outros, sobretudo os
africanos, como se viu na recente cimeira do Rio de Janeiro, de forma a
recuperarem a sua posição majestática dos últimos 500 anos sem alterar os seus
padrões exagerados de consumo per capita. Este é um momento histórico ímpar. É
a queda de um grande império, porque se percebe agora, que além dos aspectos
políticos que alimentaram a desconfianca da maior parte dos países presentes no
Rio de Janeiro, tecnicamente é óbvio que a eficiência energética, per si,
é condição necessária, mas não suficiente para que o mundo ocidental vire o
jogo a seu favor. A humanidade passa pois por uma fase de transição complexa,
por isso é que está tão perigosa e pouco recomendável para as nações que não se
saibam defender. E vinco-o, fundado também nas supra mencionadas observações do
eng. Lopes sobre o controlo quase absoluto das fontes de metais raros em Africa
por interesses ligados a Pequim. Hoje em dia, é impensavel conceber uma
economia pujante sem o papel centralizador da alta tecnologia civil e militar.
Sendo assim, ainda que o ocidente consiga inventar soluções tecnológicas
avançadas que lhe permitam atenuar a perda de controlo das fontes energéticas,
a mão de obra, e agora até as materias-primas, para produção de equipamento de
ponta ainda estarão em mãos chinesas por muitos e longos anos, o que com o
“know-how” que já detêm actualmente poderão mesmo inventar ou inovar os seus
próprios métodos de eficiência energética, a preços mais competitivos, e
exportá-la para os demais, inclusive África.
Por isso, é precipitado em Moçambique ou em Angola,
pensar-se em descartar Beijing dos cálculos geopoliticos futuros para
encavalitar alegremente na nova estratégia ocidental para a SADC que se supõe
ser melhor que a chinesa. Devemos sim, tirar o máximo proveito desta nova disputa
multipolar para construirmos uma pouco mais da nossa dignidade e soberania
minimizando os riscos que D. Jaime Gonçalves apontou. E esta posição concertada
só se consegue com a inclusão e o respeito de todas visões políticas e
supra-partidárias dos moçambicanos, instituindo um pacto de regime em três
objectivos essenciais, que são a Saúde, a Educaçao e a nossa Política Externa,
desqualificando as questões sectárias de base sobre a maior ou menor
genuinidade dos moçambicanos que Filipe Paúnde trouxe à baila, baseadas no
volumes de melanina da epiderme e não na contribuição de cada um para o nosso
Moçambique. Só assim, estas estrofes do Pátria Amada:
“Flores brotando do chão do teu suor
Pelos montes, pelos rios, pelo mar
Nós juramos por ti, oh Moçambique
Nenhuma tirano nos irá escravizar”
terão o seu significado pleno. Quem pretender negar
isto, somente quer-nos dividir para reinar...
(Ricardo Santos, Analista de Sistemas)
Imagem: O Africano –
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