sábado, 7 de julho de 2012

Todo mundo é amigo do Africano. Canal de Opinião por Ricardo Santos

  
Maputo (Canalmoz) – Faz mais de quinze anos, que li um artigo de um intelectual angolano que falava da maldição dos recursos do seu país, escrevendo sarcasticamente:” Deus inventou todas coisas do mundo, mas para Angola em particular, inventou a maldição de ter tudo num mesmo lugar. Inclusive a guerra”. Hoje, os tempos são outros.  Desde 2001, a linguagem das armas tem sido transformada em ritmos vigorosos de crescimento económico que enchem páginas de jornais e relatórios de Bretton Woods, e que agora já perspectivam Angola como a nova potência económica de África em 2016.
Daí que me tenha chamado a atenção o nascimento de cidades-fantasma naquele país, tal como no passado se havia verificado na China, Irlanda e Espanha, países que em determinada época foram ou são referenciados como casos de sucesso da economia mundial. De acordo com o tablóide britânico Daily Mail,  a nova cidade do Kilamba possui 750 prédios de apartamentos de oito andares, praticamente vazios, mas ao custo módico de pouco mais 116 mil USD para as bolsas menos generosas, muito aquém promessas de habitação social feitas pelo MPLA aos quase 3 milhões de habitantes dos empoeirados subúrbios luandenses na última campanha eleitoral. Do total  de 2.800 apartamentos do primeiro lote postos à venda, somente 220 foram vendidos em 12 meses. Não obstante a percepção de que os preços são incomportáveis mesmo para a realidade angolana, a estatal Delta Imobiliaria, afirma que o único problema é a dificuldade de acesso ao crédito bancário pelos angolanos por falta de garantias da sua devolução. Curiosa notícia vinda de um país que virá a ser a maior potência económica de Africa já em 2016.
Receia-se que aquele projecto imobiliário no valor de 3.410 milhões de USD, construído em apenas três anos, possa continuar vazio por muito tempo. Um dos que acreditou nas promessas de habitação social para os angolanos feitas pelo MPLA,  foi o limpador de ruas Joaquim Francisco, de 32 anos de idade, que declarou: “sim, é um óptimo lugar, mas para se viver aqui é preciso muito dinheiro. Pessoas como eu não o temos”. E de facto, para a maioria dos angolanos que obtém rendimentos médios de 2,02 USD/dia adquirir aqueles apartamentos de médio padrão é muito pouco para uma oferta no intervalo dos 116 à 211 mil USD por apartamento, o que parece ser um pormenor que a China International Trust and Investment Corporation, responsável pela urbanização dos 12,355 acres do Kilamba nunca se preocupou em questionar.
Por outro lado, numa apresentação sobre o impacto marítimo no canal de Moçambique da descoberta de grandes jazidas de hidrocarbonetos e minerais estratégicos no nosso país ao Second Annual Regional Security Dialogue “Security Cooperation in Southern Africa” de Outubro de 2011 em Maputo, o reputado eng. moçambicano José Lopes assinalou que Moçambique, a Tanzania, o Malawi e o Zimbabwe, são  referência no mercado mundial de alta tecnologia civil e militar –  como o titânio, areas pesadas e terras raras por exemplo, ainda que se exclua o urânio, pois supõe-se que não comece a ser explorado antes de 2025, face aos 20-30 mil milhões de USD necessários, e a magnitude e disponibilidade das actuais reservas activas na África do Sul e Namíbia.
Por outro lado, a China que tem imposto embargos unilaterais às exportações de terras raras (de que dispõe de 97% das reservas mundiais no seu território) – portanto causando uma interrupção súbita e dispendiosa do fornecimento deste componente fundamental às companhias de alta tecnologia dos outros países  –  empenha-se no controlo de várias posições-chave dos recursos minerais da costa oriental de África.
Não parecendo muito interessada nas jazidas de carvão, em menos de 4 anos, a China tornou-se numa forte presence na indústria extractiva regional de metais e minerais estratégicos, com a exploração de concessões de terras raras e depósitos de níquel no Malawi (Machinga e Kanyica), Moçambique (Monte Muambe), minas de platina ( África do Sul e possivelmente Zimbabwe), ou através de investimento directo em campos titaníferos  em Moçambique (Sangage). Entretanto, o renascimento da indústria mineira do Zimbabwe criou também oportunidade para que um outro actor mundial de peso, a Índia, ocupasse o vazio criado pelas sanções dos EUA e UE aquele país, complicando ainda mais os cálculos geopolíticos mundiais.
Sendo assim, parece-me, é muito cedo para a mass-media do mundo ocidental  anunciar o passamento físico da investida financeira chinesa em África por causa de bolhas imobiliárias localizadas, como a cidade do  Kilamba, mas sobretudo para nós, africanos, é demasiado prematuro ensaiar o canto do cisne de Beijing em Africa que os novos amigos do ocidente nos põem na pauta, para que os recebamos com hossanas libertadoras.  Melhor seria avaliar o que quer uns (chineses), quer outros (ocidentais), esperam afinal do continente. Que é a  total abertura deste para a exploração intensiva das suas riquezas minerais, agro-pecuárias, florestais e maritimas ao preço mais competitivo possivel para os compradores.
Sendo assim, qualquer um destes amigos estará disposto a conceder de barganha o  crédito que achar necessário,  para que os africanos se entretenham com a ideia de que são donos e soberanos das suas opções de desenvolvimento. Analisemos por isso a mecânica do crédito concessionado chinês, defendido por muitos compatriotas anti-ocidente e também a perda de soberania face para as multinacionais, como defendido por outros tantos pró-ocidente. Analisemos também o que diz o bispo emérito da Beira, Dom Jaime Gonçalves, quando afirma que “o Governo toma o risco de explorar a riqueza do país, não com as próprias mãos, mas com as mãos dos investidores, o que faz com que a riqueza do país passe para as mãos dos estrangeiros. Isso, por um lado, pode ser bom, na medida em que a riqueza não fica improdutiva, mas começa a melhorar a vida da população, mas, por outro, o país fica demasiado dependente dos donos dos mega-projectos”. Portanto, sinais de perigo não faltam e vindos dos mais diferentes azimutes.
Reforçando estas ilações, tomemos ainda como exemplo dois casos mediáticos em Moçambique. O primeiro, são os projectos imobiliários e de infra-estruturas que Beijing tem trazido a Moçambique e tidos como políticas publicas de fomento da habitação do Governo. Na realidade, tanto a ponte Maputo-Catembe, como o Bairro Intaka - Matola, são crédito concessionado chinês. Por outras palavras, após a sua construção, o empreendimento será privado chinês ou numa pseudo joint-venture com irrisórios 5-10% de participação accionista moçambicana, que é o valor presumido da terra, o qual se esfumará com o tempo, até que a sua utilização das mesmas pague os custos da empreitada, o que poderá levar 30-50 anos num cenário ideal. Ou todo o sempre, a avaliar pelo que sucede com o Kilamba em Angola, e com isso, juros e correcções monetárias inevitáveis que converterão a dívida para pelo menos o dobro do seu valor inicial. Quando finalmente passar para mãos do Governo que se endividou, já serão infra-estruturas descontinuadas, gastas pelo uso e que obrigarão naturalmente o seu novo senhorio, a renová-las, certamente com  outro crédito concessionado.
Segundo, temos a participação accionista massiva de empresas estrangeiras nas empresas públicas ou áreas funcionais do Governo que passam imediatamente a ditar as regras de jogo. O recente arranjo supersónico para o Corredor de Nacala, onde a VALE controla agora 80% das acções, valerá enquanto houver carvão para extrair em Moçambique. Quando aquela riqueza perder o seu significado económico, o empreendimento será devolvido  nas mesmas condições do crédito concessionado chinês, pelo Governo o deixará morrer à espera de comprador, que não virá,  pois já não haverá nem economia mundial, nem procura interna que justifique tal aparato. O que também, obrigará outros endividamentos para sustentar empresas publicas deficitárias, conhecida que é a apetência do Estado de nunca reconhecer a ineficiência das suas empresas ou participadas. E ciclo dos Condenados da Terra de Fanon recomeçará.  Portanto, com crédito concessionado ou participações maioritárias estrangeiras via multinacionais ou outras, o objectivo é sempre a maximizaçãoo do lucro da exploração dos recursos naturais pelo capital investidor estrangeiro e minimização do estado social sempre que possível.
Por isso, as cidades-fantasma em Angola já em 2012, têm para mim, um efeito mais pernicioso para aquele país do que para a China. E que isso nos sirva de aviso. É fácil compreender que aquelas nasceram com o crude como moeda de troca que a China tanto necessita hoje. Por outro lado, já o referi muitas vezes, há dois aspectos fundamentais que determinam a disputa entre o mundo ocidental e os BRICS, especialmente a China. Que são, o controlo das fontes energéticas fósseis que estão na base da industrialização plena e acelerada daquele país e a deslocalização da indústria e tecnologia ocidentais também consequência da globalização, atraída pelos baixíssimos custos de produção, quantidade e proximidade dos consumidores finais. Justamente o que sucede hoje com África, apenas com uma ressalva, os BRICS nunca descuraram a necessidade de terem um sistema educacional de qualidade e adaptado às circunstâncias.
A crise que coloca os EUA e a União Europeia  à beira do colapso hoje, é o resultado daqueles dois factores sistémicos. Sendo a famosa economia verde de que tanto se fala nos últimos tempos, um paliativo que estes países tentam em desespero de causa arregimentar outros, sobretudo os africanos, como se viu na recente cimeira do Rio de Janeiro, de forma a recuperarem a sua posição majestática dos últimos 500 anos sem alterar os seus padrões exagerados de consumo per capita. Este é um momento histórico ímpar. É a queda de um grande império, porque se percebe agora, que além dos aspectos políticos que alimentaram a desconfianca da maior parte dos países presentes no Rio de Janeiro,  tecnicamente é óbvio que a eficiência energética, per si, é condição necessária, mas não suficiente para que o mundo ocidental vire o jogo a seu favor. A humanidade passa pois por uma fase de transição complexa, por isso é que está tão perigosa e pouco recomendável para as nações que não se saibam defender. E vinco-o, fundado também nas supra mencionadas observações do eng. Lopes sobre o controlo quase absoluto das fontes de metais raros em Africa por interesses ligados a Pequim. Hoje em dia, é impensavel conceber uma economia pujante sem o papel centralizador da alta tecnologia civil e militar. Sendo assim, ainda que o ocidente consiga inventar soluções tecnológicas avançadas que lhe permitam atenuar a perda de controlo das fontes energéticas, a mão de obra, e agora até as materias-primas, para produção de equipamento de ponta ainda estarão em mãos chinesas por muitos e longos anos, o que com o “know-how” que já detêm actualmente poderão mesmo inventar ou inovar os seus próprios métodos de eficiência energética, a preços mais competitivos, e exportá-la para os demais, inclusive África.
Por isso, é precipitado em Moçambique ou em Angola, pensar-se em descartar Beijing dos cálculos geopoliticos futuros para encavalitar alegremente na nova estratégia ocidental para a SADC que se supõe ser melhor que a chinesa. Devemos sim, tirar o máximo proveito desta nova disputa multipolar para construirmos uma pouco mais da nossa dignidade e soberania minimizando os riscos que D. Jaime Gonçalves apontou. E esta posição concertada só se consegue com a inclusão e o respeito de todas visões políticas e supra-partidárias dos moçambicanos, instituindo um pacto de regime em três objectivos essenciais, que são a Saúde, a Educaçao e a nossa Política Externa, desqualificando as questões sectárias de base sobre a maior ou menor genuinidade dos moçambicanos que Filipe Paúnde trouxe à baila, baseadas no volumes de melanina da epiderme e não na contribuição de cada um para o nosso Moçambique. Só assim, estas estrofes do Pátria Amada:

“Flores brotando do chão do teu suor
Pelos montes, pelos rios, pelo mar
Nós juramos por ti, oh Moçambique
Nenhuma tirano nos irá escravizar”

terão o seu significado pleno. Quem pretender negar isto, somente quer-nos dividir para reinar...

(Ricardo Santos, Analista de Sistemas)
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