Além da “recomendação” do seu conselho
familiar no sentido de declinar, na próxima legislatura, qualquer oferta ou
proposta para ocupação de cargos públicos, é de todo improvável que Fernando da
Piedade Dias dos Santos “Nandó” pondere outras formas de manifestar a José
Eduardo dos Santos (JES) o seu desagrado pelo modo pouco católico como soube
que não seria reconduzido ao posto de vice-presidente da República.
Apesar da sua condição de coadjutor do
Presidente da República, Nandó não teve informação privilegiada. Ele soube que
não seria reconduzido e, portanto, estava fora da corrida para a sucessão
presidencial no mesmo momento em que José Eduardo dos Santos comunicou a sua
decisão a todos os membros do Bureau Político do MPLA. Em paragens onde se
cultiva o respeito ao próximo, sobretudo quando esse próximo é, pelo menos formalmente,
o braço direito, JES teria chamado Nandó para, em privado e em primeira mão,
lhe comunicar as suas novas opções.
Além de, sem qualquer aviso prévio, se ver
empurrado para fora da cadeira de vice-presidente da República, Nandó viu
também o seu nome colocado no 14° lugar da lista de deputados, muito distante
da nova coqueluche de José Eduardo dos Santos, e também de outros militantes
que não têm – nem de perto, nem de longe – a sua expressão no MPLA. Tal é, por
exemplo, o caso de Gustavo Conceição, muito provavelmente compensado por haver
conseguido, em pouco tempo, o que vários países africanos procuraram,
porfiadamente, anos a fio: tirar de Angola o título de campeão africano de
basquetebol masculino com o que, outro feito dele, tornou problemática a
participação da nossa equipa nos Jogos Olímpicos de Londres.
Mas apesar do tratamento pouco consentâneo
que José Eduardo dos Santos lhe dispensou, o vice-presidente da República
engoliu estoicamente o sapo e não fará nenhum gesto, de que o “Chefe” se possa
aperceber, que denuncie algum desconforto estomacal.
Outros pesos pesados do partido (e nisso José
Eduardo dos Santos deve ser “felicitado” por haver distribuído o mal por várias
capelas) também engoliram sapos muito bem nutridos. Tais são os casos de
Roberto de Almeida (que deve o 3° lugar na lista não porque o “Chefe” o
considere merecedor de tal mas devido aos fretes que faz), João Lourenço, um
antigo secretário-geral do MPLA, que apesar de ser vice-presidente da
Assembleia Nacional pelo segundo mandato consecutivo, se viu, agora, suplantado
por Joana Lina, sua inferior hierárquica. Mas não é apenas o 16° lugar que
incomoda João Lourenço . O que pode criar algum frisson “lá em casa” é o facto
de José Eduardo dos Santos ter colocado Ana Dias Lourenço, mulher de João
Lourenço, em 8° lugar, exactos 8 furos acima do marido. Considerando que a
ordem de precedência da lista não é alfabética, então tem-se que na avaliação
política de José Eduardo dos Santos (e vá-se lá saber porquê) Ana Dias
Lourenço, actual ministra do Planeamento, conta mais do que o marido.
Resignado com o tamanho do sapo que lhe coube
está, igualmente, o actual presidente da Assembleia Nacional, Paulo Kassoma. A
posição em que foi colocado na lista dos candidatos do MPLA quase sugere que
faltou muito pouco para ser empurrado para o banco dos suplentes. O 41° lugar é
demasiado desonroso para quem está no exercício do cargo. Sobretudo quando
todos os seus lugares-tenentes (primeiro e segundo vice-presidentes e
secretária da mesa) estão colocados em posições bem acima da sua.
Nandó, Roberto de Almeida, João Lourenço,
Paulo Kassoma, Dino Matross e outros (bem comportados) não engoliram apenas um
sapo: foram dois! O primeiro, já vimos, é a ordem de precedência na lista de
deputados. O segundo, bem maior e que por isso mesmo continua atravessado na
goela de muitos deles, é a forma como José Eduardo dos Santos impôs a todos o
nome da Manuel Vicente para a vice-presidência da República.
Ao Maka Angola chegaram informações segundo
as quais a contestação ao nome de Manuel Vicente atravessa quase todo o Bureau
Político do MPLA. Até mesmo conhecidos incondicionais de José Eduardo dos
Santos, como Bornito Sousa, Dino Matross ou Gonçalves Muandumba ( este homem
ficará irremediavelmente “paraplégico” no dia em que Sua Excelência partir,
seja por vontade própria, seja empurrado pela vontade popular) andarão
descontentes com a forma como o chefe de todos eles conduziu o dossier Manuel
Vicente. Mas, tarimbados no ofício de tudo engolir, todos eles se resignam a
mais um capricho de José Eduardo dos Santos. Afinal, a subserviência e a
resignação estão no “DNA” dos camaradas…
Por isso mesmo serão descabidas informações
que circulam em Luanda segundo as quais, nos últimos dias, alguns membros do
Bureau Político do MPLA estariam a fazer romaria a uma famosa quinta que um
deles possui no Kikuxi com o propósito de “reflectirem” sobre os últimos
acontecimentos.
Nas actuais circunstâncias é muito improvável
que membros do Bureau Político ousassem oferecer o rosto a uma contestação
contra quem lhes serve os miseráveis pratos de lentilhas com que se contentam.
Nem mesmo em sonho ousam fazê-lo.
José Eduardo dos Santos conhece todos e cada
um dos cordeiros do seu rebanho. E sabe-os incapazes de sentimentos tão
elementares como a indignação ou a revolta. Como se diria em linguagem popular,
estão todos dominados. Em 1998 afastou da direcção do MPLA dois antigos
secretários-gerais (Marcolino Moco e Lopo do Nascimento) sem que o céu
desabasse. Em 2003 fez o mesmo a João Loureço, outro antigo secretário-geral, e
ninguém lhe pediu contas. Antes, em 2000, mandou para casa o venerado e temido
Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), general João
de Matos, sem que a estrutura castrense tivesse abanado minimamente. E para
mostrar que tinha a situação sob absoluto controlo, JES partiu tranquilamente
para uma visita oficial aos Estados Unidos. Agora repetiu o esquema. Depois de
haver, mais uma vez, vergado tudo e todos aos seus caprichos (e na passada
criou o maior pandemónio de que há memória na comunicação social pública,
deixando a titular da pasta, Carolina Cerqueira, em estado de humilhação), JES
foi sossegadamente gozar férias ao Reino de Espanha, plenamente certo do
domínio total da situação.
Neste momento de desconfortos estomacais, com
a devida vénia, o Maka Angola “dedica” a Nandó, Roberto de Almeida, Paulo
Kassoma, João Lourenço, enfim, aos milhares de militantes do MPLA obrigados a
empurrar goela abaixo tudo o que José Eduardo dos Santos lhes serve nos pratos,
um poema do seu correligionário, o deputado do MPLA, escritor e jornalista João
Melo:
O Cão
Cão
pontapeado pelo dono
lambe-lhe as botas
Homem servil
é cão supracitado
lambe-lhe as botas
Homem servil
é cão supracitado
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