A desigualdade é uma das grandes preocupações
mundiais, tal tem sido a velocidade com que se agrava e aprofunda, deixando enormes
faixas da população mundial em situação de pobreza, miséria e exclusão social. Existe
um relevante grupo de economistas que se tem dedicado ao estudo da desigualdade
no mundo e à identificação dos factores que mais relevantemente podem estar na
sua origem. São identificadas (enumero sem comentários adicionais, que deverão aparecer
nos próximos estudos do CEIC sobre esta importante matéria):
ALVES DA ROCHA
EXPANSÃO 457, 26/01/18
globalização, evolução tecnológica, crescimento dos
serviços financeiros, alteração das normas salariais (atenção ao conteúdo da
mais recente Lei do Trabalho em Angola), papel reduzido dos sindicatos e
fraqueza das políticas de redistribuição fiscal dos governos (um mal de que a
nossa política orçamental padece). Dentre os autores que mais recentemente se
têm dedicado a esta tema destaco Thomas Piketty (o Capital no século XXI),
Joseph Stiglitz (The Price of Inequality), Antony Atikinson (Desigualdade – O
que Fazer), Fundo Monetário Internacional (Fiscal Policy and Income Distribution).
As desigualdades são tremendas em Angola (1) –
pessoalmente não acredito que a mesma se expresse por um índice de Gini de 0,55
ou por um coeficiente de concentração de 20%-60%, ou seja,1/5 da população
deter quase 2/3 do rendimento nacional, aguardando com enorme expectativa os
resultados do novo inquérito às receitas e despesas familiares e formulando
votos para que algumas das trapalhadas que ocorreram com o censo populacional se
não repitam nesta grande pesquisa estatística – não sendo crível e possível
atenuá-las no período de uma legislatura. Se mais razões não houvesse, os novos
ciclos políticos e de governação são eles próprios geradores de distorções e
desigualdades, porque a sobrevivência política de quem detém o poder de governar
e decidir passa pela criação de grupos de apoio a todos os níveis, exigentes em
distribuição de benesses e de privilégios. O balanço comparativo com os ciclos
anteriores pode ser positivo (maior consideração pelos problemas sociais da
população) ou negativo (cobertura das pretensões individuais e individualistas dos
novos protagonistas). Sinceramente hesito em, a esta distância tão curta,
pronunciar-me a favor de um balanço positivo da governação de João Lourenço
neste item. A governação de José Eduardo dos Santos foi geradora de enormes desigualdades
entre os cidadãos decorrentes de políticas sociais desequilibradas.
Acrescendo-se a concentração de benefícios e de distribuição de rendimentos e
riqueza na sua família parental e política. Na verdade, as riquezas
concentraram-se nos grupos restritos próximos do Presidente e do exercício da função
presidencial. Via de regra, espera-se que a governação seguinte melhore (muitas
coisas, claro, mas neste item particular da desigualdade) os canais de
redistribuição do rendimento, do acesso à riqueza e de criação de activos
facilitadores da saída de uma parte da população da sua condição de pobreza,
destacando-se a educação, a saúde e o acesso ao crédito (muito dificultado no
País por razões estritamente económicas, umas, mas igualmente por burocracias e
traficância de influências, só assim se explicando algumas fortunas
constituídas na base do não reembolso de empréstimos solicitados ao sistema bancário
angolano). O processo de transição política em curso ainda não está, do meu
ponto de vista, completamente caracterizado. Para além do afã das demissões –
outra hesitação da minha parte e relativamente a este aspecto leva-me a
questionar se as cessações compulsivas de funções de quadros e responsáveis do
aparelho do Estado (na sua acepção lata) nomeados pela Administração política
anterior, tiveram como fundamento político essencial o desmantelamento dos lóbis
constituídos e que eu esperava fossem mais poderosos (2) – ainda não se
vislumbram sinais significativos de mudanças (para além das próprias demissões,
não se tendo a certeza de que os substituintes sejam, política e tecnicamente,
melhores que os substituídos). O Orçamento Geral do Estado (OGE), apesar do seu
carácter de documento fundamental de política económica e financeira, não nos
apresenta a “cartilha” fundamental através da qual se possa perceber o tempo e
o modo do ataque à desigualdade no País. Ter-se-á de aguardar pelo Plano de
Desenvolvimento de Médio Prazo 2018-2022 (gostaria de ser esclarecido se a sua
elaboração foi ou não entregue a uma empresa estrangeira de consultoria). A
desigualdade prevalecente em Angola é económica e social. E esta última é
profunda e, mais grave, estrutural. O rompimento do seu círculo vicioso demanda
por tempo. É tipicamente um círculo clássico dos países subdesenvolvidos e tão
bem caracterizado, em tempos passados, por economistas como Raymond Barre, René
Dumont, François Perroux, Mário Murteira, mais recentemente Simon Kuznets (3) e
mesmo Anthony Atkinson ( já citado anteriormente). Trata-se, afinal, de uma
reprodução alargada das condições de pobreza: em cada ciclo económico a pobreza
não apenas se renova, mas amplia-se. Evidentemente que,
para que o kick off aconteça, tem de se estudar
muito bem por onde começar, isto é, quais as políticas com maiores índices de eficácia
e eficiência. A educação é uma delas, mas os seus efeitos positivos só aparecem
a longo prazo, embora a médio termo se possam elencar alguns benefícios a favor
do combate à pobreza
e atenuação da desigualdade. A melhoria da saúde
pode desencadear efeitos a curto prazo sobre a produtividade do trabalho ao
diminuir a incidência do absentismo e recuperar energias. Qualquer um destes
sectores em Angola sofre de corrupção, desvio de fundos, desorganização, falta
de qualidade dos serviços
prestados, sendo discutível afectarem-se
crescentemente maiores volumes de despesas orçamentais enquanto se não
reorganizarem os ministérios e respectivos departamentos e se não estripar a
corrupção. Para mim, e sempre o afirmei, mais importante do que aumentar as
verbas a si destinadas é melhorar a eficiência e eficácia na sua utilização. Tem-se
depois a desigualdade económica, expressa pela diferença de rendimentos
(trabalho qualificado/trabalho não qualificado, trabalho agrícola/trabalho industrial
e no sector dos serviços, trabalho manual/trabalho intelectual), de acesso ao crédito
bancário (ainda prevalecem situações em que o bilhete de identidade do MPLA
abre e facilita as portas para a obtenção de empréstimos), de obtenção de
facilidades de criação de negócios, etc. Daí que seja fundamental a
despartidarização do Estado e das mentalidades. O MPLA tem de tomar a liderança
deste processo porque é o responsável último pela criação de uma mentalidade
partidária nas instituições públicas e privadas (desde o partido único e a
organização administrativa da economia e da sociedade).
(1) Cálculos ligeiros e rápidos, baseados em
metodologia clássicas, apontam, no caso angolano, para um incremento na taxa de
crescimento da procura de 3% e do PIB de 4,5%, se 60% dos menos pobres
transferissem 5% do seu rendimento para os mais pobres.
(2) É o velho problema das fidelidades e oportunismos
políticos. Afinal os grandes defensores de José Eduardo dos Santos, das suas
políticas e lideranças, são hoje os seus detractores principais, tendo abandonado
o barco aos primeiros rompimentos do seu casco.
(3) É conhecida a curva de Kuznets (o célebre U
invertido) que relaciona a desigualdade com o crescimento económico (medido
através das taxas reais de variação do PIB por habitante) , concluindo-se que nas
suas primeiras etapas a desigualdade aumenta, sendo necessário um valor significativo
do rendimento médio para que a sua distribuição se faça mais equitativamente
(em Angola e em 2017 o PIB por habitante foi de apenas USD 3500). Lembro que há
uma diferença entre distribuição e redistribuição do rendimento nacional, sendo
possível, com medidas fiscais (impostos e subsídios) actuar sobre esta mais
rapidamente. Alves da Rocha escreve quinzenalmente.
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