A inflação voltou a ser um grave problema da
economia nacional e os instrumentos clássicos disponíveis – taxa de câmbio e
taxa de juro – podem ser conflituantes entre si e quanto aos objectivos de
estabilidade dos preços e crescimento económico.
ALVES DA ROCHA
EXPANSÃO, 459, de 09/02/18
As margens de manobra são reduzidas, sobretudo devido
ao desfavorável contexto macroeconómico geral, limitando o uso e o alcance da
política orçamental como meio para incentivar o aumento do PIB (incremento de
despesas reprodutivas, muito mais do que despesas produtivas, do lado da
procura nominal ou redução de impostos do lado da oferta produtiva). A política
cambial de desvalorização da moeda nacional tem (pelo menos até se encontrar o seu
valor de equilíbrio) uma relação não amigável com a taxa de variação dos preços
e não se sabe, em termos científicos e para as condições da economia nacional
(desestruturada, incompetitiva, desarticulada, …) o “day after” , ou seja,
conseguido o ponto de equilíbrio através de um trajecto penoso de perda
sistemática do poder de compra da moeda e dos rendimentos internos, estar-se-á
em condições de garantir, de facto, a estabilidade cambial? O mercado cambial
interno é muito desequilibrado – praticamente um único agente ofertante, ainda
por cima o Estado, sujeito sempre a influências e arranjos políticos e uma
procura muito atomizada, de onde resultam comportamentos não totalmente
compagináveis com as leis de mercado. Por outro lado, a economia angolana, desde
pelo menos 2009 – ainda que com um ou dois episódios de crescimento do PIB
acima de 4% - apresenta uma dinâmica de variação da produção na vizinhança de
2%, em termos de médias anuais. As estatísticas oficiais darem um incremento
permanente, desde há muitos anos a esta parte, do volume de emprego (já referi
que a economia angolana é talvez a única a criar novos postos de trabalho mesmo
quando está em recessão, o que, na verdade, contraria os “dictates” da ciência
económica). Apesar dessa evoluçaõ, o INE divulgou, recentemente, as suas
estimativas sobre a taxa de desemprego no País, colocando-a no patamar de 20% (confirmando-se
as estimativas que o CEIC anualmente apresenta no seu Relatório Económico e que,
para 2016, apontavam para 21,5% da população economicamente activa). Ou seja e
fechando o círculo de caracterização resumida mas essencial da economia nacional:
alto desemprego, alta inflação e reduzido crescimento económico (não apenas em
termos correntes, mas sobretudo em termos de produto potencial, relacionado com
a capacidade de crescimento a longo prazo).
Como sair deste círculo, nas actuais condições
financeiras difíceis? Para reflexão, anoto duas estratégias possíveis: a da
desinflação competitiva e a do relançamento internacional (uma óptica keynesiana
de economia aberta, podendo contribuir para o sucesso desta abordagem os
resultados do aumento e da diversificação das exportações). A estratégia de
desinflação competitiva apoia-se numa lógica teórica sólida, mas o seu alcance prático
pode ser limitado perante o problema do desemprego (20% de taxa é muito e tem
implicações significativas sobre a capacidade de crescimento futuro), essencialmente
em virtude da lentidão dos mecanismos de ajustamento em que assenta. Que é
necessário reduzir-se a inflação não há dúvida. A estratégia é que merece
discussão. Michael Bruno (economista sénior do Banco Mundial, já falecido), estabeleceu,
num estudo realizado com mais de 120 economias e um período de 25 anos, uma
correlação entre taxas de crescimento do PIB por habitante e taxas
de inflação que o levou a concluir que para
intervalos até 10% o incremento dos preços não prejudicava a dinâmica de
variação do produto. A estratégia de desinflação da economia nacional que está
a ser aplicada pelas autoridades governamentais parece assentar no rigor
monetário e orçamental e na aplicação de uma política cambial de ajustamento
progressivo do preço das divisas. Uma política monetária e orçamental restritiva
provoca uma travagem da procura interna e uma forte subida do desemprego (a
taxa de 20% anunciada pelo INE pode ainda não ser uma consequência directa da
política de rigor monetário e orçamental, mas reflectir mais a existência de um
desemprego estrutural que o funcionamento dos mecanismos de mercado, o fraco crescimento
económico e as políticas de incentivo do investimento não têm conseguido
superar). A travagem da procura interna está a induzir um ajustamento para
baixo das importações ampliado pela desvalorização cambial, o que, em condições
de controlo da inflação, pode consequencializar um incremento da competitividade
de alguns produtos nacionais (oficialmente o termo usado é o de substituição competitiva
das importações), convergindo-se na possibilidade de reabsorção de uma parte do
défice externo. Porém, o controlo da inflação pode ficar afectado pelo processo
de ajustamento cambial, atendendo à forte correlação entre as duas variáveis e
não ser suficiente para conferir maior competitividade à produção nacional (o efeito
desvalorização sobre as importações depende igualmente das respectivas
elasticidades-preço dos diferentes ou de alguns produtos da pauta aduaneira). A
questão central é a de se saber até onde deverá ir o processo de desvalorização
cambial (será que o padrão de referência deve ser apenas a taxa de câmbio do mercado
informal, ou, pelo contrário, deve ser estimada uma taxa de câmbio de
equilíbrio baseada em outros critérios?) e o que fazer ao longo deste processo em
termos de controlo dos preços, redução do desemprego e crescimento do PIB. Creio
que já se percebeu que a actual política de restritividade monetária – com os
efeitos sumariamente descritos – insere-se nas teses clássicas e monetaristas do
“stop and go”. Ou seja, já se terá percebido que o País vai ter de lidar com um
período de contracção do crescimento económico (incremento do desemprego, redução
do poder de compra dos rendimentos e inflação a dois dígitos), não se
compreendendo como o Governo aponta para 4,9% a taxa de crescimento do PIB em
2018 (as instituições internacionais preveem um valor menor, em redor de 1,6%).
Um dos pressupostos desta estratégia é que o rigor monetário e orçamental
conduzirá a uma nova situação de equilíbrio, com menos inflação, mais
desemprego, maior equilíbrio externo e menos crescimento económico, sendo
incerto que tal encadeamento possa ocorrer, de facto, na economia angolana. Como
se parte, agora, para o “go”? A redução do défice externo e o recuo da inflação
(em relação à dos nossos parceiros internacionais) contribuirão para a
estabilidade da taxa de câmbio (maior competitividade externa) e a subida do
desemprego provocará uma baixa dos salários reais (entretanto atenuada se for
possível o controlo da inflação), duas situações facilitadoras de mais
investimento, mais produção e eventualmente mais exportações. Ao aceitar-se,
momentaneamente,
um nível elevado de desemprego, pode provocar-se
uma baixa dos salários que melhore a competitividade da economia e a
lucratividade das empresas, factores que no ciclo seguinte vão facilitar o
relançamento da produção e do emprego (tanto mais rapidamente quanto o efeito
competitividade dominar o efeito lucratividade). Será que é esta a estratégia
do Governo? Que em alguns aspectos
existem semelhanças, isso é verdade, havendo a
preocupação de se criarem condições para o incremento do investimento (nova Lei
do Investimento Privado). No entanto, devo chamar a atenção para algumas
limitações deste modelo de desinflação competitiva: a criação de desemprego é
mais rápida do que o abaixamento dos salários reais (os empresários renitem em
fazê-lo nomeadamente em relação aos melhores trabalhadores), a baixa de
salários pode não reduzir o desemprego (havendo condições aumenta-se a
produtividade) e sobreposição do efeito lucratividade sobre o da
competitividade (os empresários, face a uma descida dos salários, aumentam os
seus lucros mantendo os preços).
Alves da Rocha escreve quinzenalmente
Imagem: Sérgio Piçarra. Expansão, 459, 09/02/18
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