A maior parte dos economistas tem uma queda
pelas previsões económicas. Faz parte do seu ADN tentar perscrutar o futuro, para
antecipar políticas e delinear estratégias. Hoje existe uma panóplia de instrumentos
de previsão (e de projecção dos agregados económicos, se bem que exista uma
diferença entre projectar e prever), desde os mais sofisticados, aos mais
simples e directos. Uma característica comum a todos eles é que as previsões
geralmente falham.
Alves da Rocha
LABORATÓRIO ECONÓMICO
EXPANSÃO 461, 23/02/18
O Fundo Monetário Internacional – que dispõe de
um modelo complexo para apresentar as suas estimativas sobre o comportamento dos
diferentes agregados
macroeconómicos dos vários países que integram
esta organização internacional – modifica todos os meses as suas estimativas. É
que, ainda que complexos, estes instrumentos não são completos, isto é, não
conseguem abarcar as totalidades económicas – de cada economia e da economia-mundo
– multifacetadas e sujeitas a alguns comportamentos imprevisíveis, veiculados pelos
agentes económicos, que supostamente devem agir no respeito pelo postulado da
racionalidade, mas que, por vezes, agem mais segundo atitudes de
irracionalidade. As posições neoliberais sustentam muito a actuação racional dos
agentes como o fundamento das escolhas e decisões de investimento privado,
generalizando existir uma racionalidade da irracionalidade. Ou seja, ainda que
nos pareça que determinados comportamentos dos agentes económicos sejam
irracionais (a especulação e o açambarcamento podem ser duas delas e, muitas
vezes, em Angola as entidades oficiais acusam os vendedores de responsáveis por
uma parte da subida do índice geral dos preços, porque são especuladores), o
que parece ser facto é que se aproveitam falhas de mercado ocasionadas por
intervenções administrativas do Estado sobre os mecanismos de funcionamento dos
mercados. Porém, os instrumentos de previsão não lidam bem com os procedimentos
especulativos, porque saem de um determinado padrão de comportamento das
variáveis económicas objecto de tratamentos estatístico-econométrico. E como
tal – as previsões são feitas usando séries estatísticas longas que apresentem um
padrão regular de comportamento da variável económica objecto de análise – a
tarefa da predição torna-se mais arriscada e pode ser descredibilizada, sobretudo
se as inconsistências e erros forem recorrentes, ou seja, repetidos em cada ciclo
de previsão. Mas, apesar desta falibilidade, as previsões continuam a ser utilizadas.
Para os economistas e econometristas, os
exercícios de previsão são também oportunidades de debate com base nas
hipóteses assumidas. A estatuição de hipóteses é uma fase muito importante dos
exercícios de previsão económica, dela dependendo a qualidade dos resultados finais
das previsões: hipóteses descontextualizadas da realidade conduzem a resultados
pouco fiáveis e mesmo rejeitáveis. Logo, a qualidade das políticas económicas sai
desvalorizada. Os modelos são os instrumentos de previsão mais usados,
havendo-os para praticamente todas as circunstâncias. Uma das classificações
agrupa-os em modelos de previsão e modelos de decisão, sendo a diferença
estabelecida na forma como são utilizadas as variáveis-instrumento e as
variáveis-objectivo. Nos
modelos de previsão as incógnitas são as
variáveis-objectivo (cujo valor se pretende que o modelo determine) e nos
modelos de decisão, as variáveis-instrumento são as incógnitas, portanto a
serem determinadas pelo modelo. São bem conhecidos os processos de construção
dos modelos, sendo a recolha de informação e a escolha das variáveis e o estabelecimento
de relações teóricas de relação entre variáveis-instrumento e
variáveis--objectivo duas das mais importantes. A qualidade da informação, conforme
referi antes, é uma matéria crucial, tanto nos seus aspectos quantitativos
(séries estatísticas longas), quanto
qualitativos (consistência dessa informação que
deve ser verificada e acautelada logo nas primeiras etapas do processo da sua
elaboração). Normalmente, os modelos exigem a constituição de equipas multidisciplinares,
competentes, com sensibilidade para os assuntos económico-sociais e apaixonadas
por esta técnica
de programação económica. E claro que os modelos
têm um custo financeiro. A Universidade Católica de Angola finalizou, em
Outubro do ano passado, a construção do seu modelo macroeconómico, com o apoio
de um competentíssimo grupo de macroeconomistas e econometristas do prestigiado
centro de estudos norueguês Christien Michelsen Institute. Está a ser usado
para diferentes estudos de previsão e de impacto das políticas económicas. É um
modelo complexo e o seu custo pode ser estimado,
depois de 3 anos de trabalho (sobretudo devido às dificuldades de recolha de
informação e de validação da sua fiabilidade), em cerca de 200 mil USD. Foi
justamente esta questão dos custos que me levou a escrever este artigo sobre os
modelos económicos, pois fiquei perplexo com o montante que o Fundo Soberano de
Angola gastou pela construção do seu modelo. Nada mais, nada menos de 11,6
milhões USD. Isso mesmo, quase 12 milhões USD. Este modelo do Fundo Soberano
tem de ser infalível, necessariamente, nas suas previsões económicas. O que é óptimo
para o Governo, pois assim, a escolha, calibragem e quantificação dos
objectivos e instrumentos sai no ponto. A empresa contratada pelo Fundo Soberano,
como não podia deixar de ser, é estrangeira, a QG Investments, Ltd e, segundo
informações que o Expansão me facultou, “é especializada em estudos de pesquisa
e conta com uma equipa de analistas econométricos constituída, em 2013. Pelo Professor
Kevin Urama, um ex-quadro das Nações Unidas e do Banco Mundial, que desempenha a
função de conselheiro sénior do Presidente do Banco de Desenvolvimento Africano
desde 2016”. Por outro lado, “O modelo em questão já está em funcionamento e as
tarefas previstas no âmbito do contrato foram concluídas um mês antes do prazo estipulado.
O modelo geral detém três níveis que consistem em submodelos de forma reduzida,
submodelos estruturais e submodelos estocásticos de equilíbrio geral dinâmico.
Este trabalho permitirá ao FSDEA fazer análises macroeconómicas e do impacto de
políticas económicas, análise de cenários, gestão de risco económico e previsão
de desempenho de portfólio e de decisões de investimento. O modelo econométrico
foi desenvolvido sob coordenação de uma comissão multissectorial nomeada pelo
Ministro do Planeamento e Desenvolvimento Territorial. A referida comissão foi
composta por quadros seniores do Ministério do Planeamento e Desenvolvimento
Territorial, do Ministério das Finanças, do Banco Nacional de Angola, do
Instituto Nacional de Estatística e de várias empresas públicas, cuja missão
foi de recolher os dados estatísticos oficiais históricos e periódicos dos
indicadores económicos e de desempenho de sectores específicos, para garantir a
fiabilidade das informações necessárias para os cálculos do modelo”. Portanto,
as instituições do Estado, as referidas, mais algumas outras e as empresas
públicas passam a dispor de um modelo de previsão económica que custou 11,6
milhões USD, havendo agora a garantia total de que o Executivo falará apenas de
uma voz só, do acero das previsões e da correcção das políticas económicas
definidas. A taxa de crescimento prevista para 2018, de 4,9%, foi este modelo
que a forneceu? É que FMI, Banco Mundial, The Economist, OCDE, etc.
(provavelmente usando modelos muito mais baratos), estimam-na em 1,6%. E então?
Vai ser difícil para mim, enquanto cidadão que paga impostos, à custa dos quais
o Fundo Soberano pagou 11,6 milhões USD pelo modelo, aceitar mais erros na
escolha e definição das políticas
económicas nacionais.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente
Imagem: Sérgio Piçarra Novo Jornal online 09/02/18
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