segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Corrupção dos Incorruptíveis. Canal de Correspondência por Ricardo Santos



A pior das corrupções não é aquela que desafia as leis;mas a que se corrompe a ela própria. – Louis Bonald

O que resta afinal, é dividido entre os corruptos de cá e os representantes dos corruptos de lá, que deixam normalmente 10% do seu salário para garantir a renovação ad-aeternum do contrato dos expatriados. Em rigor, somente 10-15% do budget é que chega ao destinatário final, onde também é novamente depenado por estes concursos de fachada. Quo Vadis meu país, deitando alegremente pérolas a porcos?

Maputo (Canalmoz) – Já não deve ser novidade para ninguém abrir os jornais e lá ver anúncios convidando a manifestações de interesse em concursos de natureza vária, nomeadamente os públicos, os quais, quase todas empreitadas e obras do Estado, regem-se pelo Decreto 15/2010 de 24 de Maio. Esse instrumento legal, tal como muitos outros, surgiu como resposta à pressão dos doadores do OGE e também pela evidente inexistência de procedimentos de procurement padronizados em Moçambique, o que se tornava num bico-de-obra quando se tivesse de implementar projectos com financiamento de doadores da União Europeia e dos EUA, pelos custos exorbitantes que resultava na selecção de agências de procurement no exterior de Moçambique para realizar esse competente papel. Note-se ainda que o supracitado Decreto fora antecedido pelo seu homónimo 54/2005 de 13 de Dezembro, o qual se mostrara particularmente desajustado para consultorias, pois ficava em muitos casos, muito mais oneroso licitar do que pagar a própria empreitada.
Não obstante, a prática quotidiana mostra que o favoritismo e o jogo de bastidores comandam, como nunca, os processos de licitação, justamente porque quem determina os vencedores, ainda fá-lo rodeado de amplo e almofadado secretismo, só abrindo o jogo quando as coisas atingem dimensões escandalosas como no recente escândalo da publicidade do INSS.
Caso para dizer, não estamos mesmo nada bem em matéria de procurement nas instituições do Estado, contudo não estaremos certamente pior do que vemos a acontecer todos os dias com a licitação dos projectos e programas de ajuda geridos por organizações internacionais das Nações Unidas, ONGs de inspiração governamental e outras iniciativas humanitárias com seu financiamento, tidas como promotoras do desenvolvimento e bem-estar do povo moçambicano.
Por exemplo, eu nunca percebi porque se publicam profusamente anúncios em jornais preferencialmente, se tal acto constitui uma mera formalidade quando os vencedores estão antecipadamente escolhidos? A menos que o doador o faça como uma jogada de charme junto dos seus eleitores e contribuintes, para tranquilizar-lhes sobre a forma como o seu dinheiro está sendo usado, sobretudo se está de acordo com os procedimentos moralistas da leis locais. Nunca percebi também, o que significou a sugestão do Banco Mundial logo no início do primeiro programa de reajustamento estrutural de Moçambique, nos longínquos anos 80, para que 20% do valor nominal alocado aos projectos fosse para os bolsos dos gestores que representavam o Governo, como forma de “compensar os baixos salários” na função pública. E fundamentalmente, nunca percebi porque, regra geral, as organizações das Nações Unidas em Moçambique, inclusive sua pleide de organismos que supostamente devem fortalecer a nossa capacidade industrial e sócio-económica, gerem projectos com dinheiro que não é seu e, ainda assim, impõem suas próprias restrições. Imaginem que se um projecto obrigar à aquisição de bens e serviços em Moçambique, o limite da aquisição são 20 mil euros, e sem parcelamentos iguais em outros agentes económicos locais. Mas se o projecto recorrer a serviços de empresas do exterior, os valores só são limitados pelo budget do projecto. E dizem que isto é para ajudar Moçambique. Mas que bela ajuda esta! E mais, 60% dos custos dum projecto são normalmente operacionais, porque servem para pagamentos de salários, habitação, mordomias, viagens e viaturas de consultores expatriados, cifras que nem sequer entram no nosso circuito financeiro, razão pela qual, nunca são tributados em sede de IRPS. E mesmo que entrassem, seria muito pouco provável que o viessem a ser, por causa das dezenas de convenções contra a dupla tributação que Moçambique foi assinando por aí. O que resta afinal, é dividido entre os corruptos de cá e os representantes dos corruptos de lá, que deixam normalmente 10% do seu salário para garantir a renovação ad-aeternum do contrato dos expatriados. Em rigor, somente 10-15% do budget é que chega ao destinatário final, onde também é novamente depenado por estes concursos de fachada. Quo Vadis meu país, deitando alegremente pérolas a porcos?
Toda esta conversa, vem também a propósito do recente corte da ajuda a Moçambique por causa da corrupção. Mas será que esta corrupção é hoje um produto “orgulhosamente moçambicano”? Ora, tudo indica que não. Pois não faz sentido que as propaladas estratégias de combate à corrupção, excluam a carga impura daqueles que agora embandeiram em arco contra aquele fenómeno em Moçambique, que não ficariam mais pobres, caso dessem o seu próprio exemplo junto dos projectos, ONGs e organizações internacionais por sí tutelados ou financiados. É o mínimo que se exige numa “democracia ocidental e civilizada” como soi dizer-se, mesmo porque, se começarmos a entrar pelo domínio das suas pujantes parcerias público-privadas multinacionais, aí mesmo é que iremos perceber que as contas da corrupção dão sempre “noves fora zero”. Tal como sempre foi com o OGE, até se zangarem as comadres por causa do carvão e gás natural... (Ricardo Santos / Analista de Sistemas)


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