A pior das corrupções não é aquela que desafia as
leis;mas a que se corrompe a ela própria. – Louis Bonald
O que resta afinal, é dividido entre os corruptos
de cá e os representantes dos corruptos de lá, que deixam normalmente 10% do
seu salário para garantir a renovação ad-aeternum do contrato dos expatriados.
Em rigor, somente 10-15% do budget é que chega ao destinatário final, onde
também é novamente depenado por estes concursos de fachada. Quo Vadis meu país,
deitando alegremente pérolas a porcos?
Maputo (Canalmoz) – Já não deve ser novidade para
ninguém abrir os jornais e lá ver anúncios convidando a manifestações de
interesse em concursos de natureza vária, nomeadamente os públicos, os quais,
quase todas empreitadas e obras do Estado, regem-se pelo Decreto 15/2010 de 24
de Maio. Esse instrumento legal, tal como muitos outros, surgiu como resposta à
pressão dos doadores do OGE e também pela evidente inexistência de procedimentos
de procurement padronizados em Moçambique, o que se tornava num bico-de-obra
quando se tivesse de implementar projectos com financiamento de doadores da
União Europeia e dos EUA, pelos custos exorbitantes que resultava na selecção
de agências de procurement no exterior de Moçambique para realizar esse
competente papel. Note-se ainda que o supracitado Decreto fora antecedido pelo
seu homónimo 54/2005 de 13 de Dezembro, o qual se mostrara particularmente
desajustado para consultorias, pois ficava em muitos casos, muito mais oneroso
licitar do que pagar a própria empreitada.
Não obstante, a prática quotidiana mostra que o
favoritismo e o jogo de bastidores comandam, como nunca, os processos de
licitação, justamente porque quem determina os vencedores, ainda fá-lo rodeado
de amplo e almofadado secretismo, só abrindo o jogo quando as coisas atingem
dimensões escandalosas como no recente escândalo da publicidade do INSS.
Caso para dizer, não estamos mesmo nada bem em
matéria de procurement nas instituições do Estado, contudo não estaremos
certamente pior do que vemos a acontecer todos os dias com a licitação dos
projectos e programas de ajuda geridos por organizações internacionais das
Nações Unidas, ONGs de inspiração governamental e outras iniciativas humanitárias
com seu financiamento, tidas como promotoras do desenvolvimento e bem-estar do
povo moçambicano.
Por exemplo, eu nunca percebi porque se publicam
profusamente anúncios em jornais preferencialmente, se tal acto constitui uma
mera formalidade quando os vencedores estão antecipadamente escolhidos? A menos
que o doador o faça como uma jogada de charme junto dos seus eleitores e
contribuintes, para tranquilizar-lhes sobre a forma como o seu dinheiro está
sendo usado, sobretudo se está de acordo com os procedimentos moralistas da
leis locais. Nunca percebi também, o que significou a sugestão do Banco Mundial
logo no início do primeiro programa de reajustamento estrutural de Moçambique,
nos longínquos anos 80, para que 20% do valor nominal alocado aos projectos
fosse para os bolsos dos gestores que representavam o Governo, como forma de
“compensar os baixos salários” na função pública. E fundamentalmente, nunca
percebi porque, regra geral, as organizações das Nações Unidas em Moçambique,
inclusive sua pleide de organismos que supostamente devem fortalecer a nossa
capacidade industrial e sócio-económica, gerem projectos com dinheiro que não é
seu e, ainda assim, impõem suas próprias restrições. Imaginem que se um
projecto obrigar à aquisição de bens e serviços em Moçambique, o limite da
aquisição são 20 mil euros, e sem parcelamentos iguais em outros agentes
económicos locais. Mas se o projecto recorrer a serviços de empresas do
exterior, os valores só são limitados pelo budget do projecto. E dizem que isto
é para ajudar Moçambique. Mas que bela ajuda esta! E mais, 60% dos custos dum
projecto são normalmente operacionais, porque servem para pagamentos de
salários, habitação, mordomias, viagens e viaturas de consultores expatriados,
cifras que nem sequer entram no nosso circuito financeiro, razão pela qual,
nunca são tributados em sede de IRPS. E mesmo que entrassem, seria muito pouco
provável que o viessem a ser, por causa das dezenas de convenções contra a
dupla tributação que Moçambique foi assinando por aí. O que resta afinal, é
dividido entre os corruptos de cá e os representantes dos corruptos de lá, que
deixam normalmente 10% do seu salário para garantir a renovação ad-aeternum do
contrato dos expatriados. Em rigor, somente 10-15% do budget é que chega ao
destinatário final, onde também é novamente depenado por estes concursos de
fachada. Quo Vadis meu país, deitando alegremente pérolas a porcos?
Toda esta conversa, vem também a propósito do
recente corte da ajuda a Moçambique por causa da corrupção. Mas será que esta
corrupção é hoje um produto “orgulhosamente moçambicano”? Ora, tudo indica que
não. Pois não faz sentido que as propaladas estratégias de combate à corrupção,
excluam a carga impura daqueles que agora embandeiram em arco contra aquele
fenómeno em Moçambique, que não ficariam mais pobres, caso dessem o seu próprio
exemplo junto dos projectos, ONGs e organizações internacionais por sí
tutelados ou financiados. É o mínimo que se exige numa “democracia ocidental e
civilizada” como soi dizer-se, mesmo porque, se começarmos a entrar pelo
domínio das suas pujantes parcerias público-privadas multinacionais, aí mesmo é
que iremos perceber que as contas da corrupção dão sempre “noves fora zero”.
Tal como sempre foi com o OGE, até se zangarem as comadres por causa do carvão
e gás natural... (Ricardo Santos / Analista de Sistemas)
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