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O
professor de Economia na Universidade Católica de Luanda, Justino Pinto de
Andrade, diz que as declarações de Rui Machete deram "uma má imagem de
Portugal" em Angola.
No quadro
das relações entre Portugal e Angola, presente e futuro não podem ser encarados
da mesma forma. Se, no presente, Portugal pode ganhar com uma cumplicidade com
Angola, no futuro o mais certo é vir a “perder”. Quem o diz é Justino Pinto de
Andrade, professor de Economia da Universidade Católica de Luanda e líder do
Bloco Democrático, para quem a forma como “as elites políticas” de Lisboa se
relacionam com o poder em Luanda passou a linha da cumplicidade para o campo da
“subserviência”.
O
académico e político da oposição diz que as declarações do ministro dos
Negócios Estrangeiros português Rui Machete à Rádio Nacional de Angola (RNA) dão "uma
má imagem" de Portugal em Angola. Algo que vem na sequência de
comportamentos anteriores e que, ao contrário do que podem pensar os políticos
portugueses, "não ajuda a fomentar as relações entre os dois países".
A
cumplicidade entre Portugal e Angola pode trazer “um maior fluxo” de comércio e
investimentos, mas “só no curto prazo”, considerou o analista ao PÚBLICO. “Se
olhar para o futuro, Portugal vai perder muito. As autoridades angolanas não
respeitam quem se põe de joelhos. É uma forma muito negativa de
relacionamento.”
Sinal
disso é a forma violenta e depreciativa como o Jornal de Angola reage
a notícias que comprometem o poder de Luanda. Não é um fenómeno novo, mas
acentuou-se com as notícias sobre as investigações da Procuradoria-Geral
da República (PGR) portuguesa a figuras próximas do Presidente José Eduardo dos
Santos. Aconteceu no passado e agora, recentemente, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros Rui Machete falou à RNA.
Questionado
sobre as investigações na PGR portuguesa, Rui Machete sugeriu que podia
tratar-se de “um mal-entendido”. “Tanto quanto sei, não há nada
substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa
estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas
burocráticas e, naturalmente, informar as autoridades de Angola pedindo,
diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão
evitar”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.
Esta
posição “é muito má para a imagem de Portugal”, considera Justino Pinto de
Andrade, na posição. “As pessoas pensam que ficando de joelhos fomentam as
relações entre os dois países”, acrescenta o professor universitário. "É o
contrário."
Ataques e
desmentidos
Em Novembro do ano passado, o diário angolano repudiava a "deslealdade" de Portugal numa “campanha contra Angola […] do poder ao mais alto nível” e previa que as relações entre os dois países fossem prejudicadas. Era uma reacção à primeira de duas notícias do semanário Expresso sobre a abertura, pela PGR em Lisboa, de um inquérito-crime por fraude fiscal e branqueamento de capitais contra três altas figuras do Estado angolano do círculo mais próximo do Presidente José Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-director-geral da empresa petrolífera nacional Sonangol; o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República; e o general Leopoldino Nascimento “Dino”, consultor do ministro de Estado e ex-chefe de Comunicações da Presidência da República.
Em Novembro do ano passado, o diário angolano repudiava a "deslealdade" de Portugal numa “campanha contra Angola […] do poder ao mais alto nível” e previa que as relações entre os dois países fossem prejudicadas. Era uma reacção à primeira de duas notícias do semanário Expresso sobre a abertura, pela PGR em Lisboa, de um inquérito-crime por fraude fiscal e branqueamento de capitais contra três altas figuras do Estado angolano do círculo mais próximo do Presidente José Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-director-geral da empresa petrolífera nacional Sonangol; o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República; e o general Leopoldino Nascimento “Dino”, consultor do ministro de Estado e ex-chefe de Comunicações da Presidência da República.
No início
de Fevereiro, durante uma visita a Angola, e também questionado sobre a
abertura de inquéritos judiciais em Portugal de altas figuras do poder
angolano, o então ministro Paulo Portas invocava "o respeito pela soberania"
de um e de outro Estado para dizer: "Esse tipo de temas, quando
são angolanos, devem tratar-se em Angola, quando são portugueses, devem
tratar-se em Portugal."
A segunda
notícia referia, já no fim de Fevereiro deste ano, a abertura de uma
investigação ao procurador-geral da República de Angola, João Maria de
Sousa, por suspeitas de fraude e branqueamento de capitais na alegada
transferência para uma conta do Santander Totta em Portugal de 70 mil euros de
uma empresa off-shore, que o próprio desmentiu em comunicado da PGR
angolana.
O Jornal de Angola voltava
então a criticar as instituições portuguesas e a duvidar da boa
vontade de Portugal nas relações bilaterais e concentrava na figura do
então ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas o ataque, mas
deixava a porta aberta a um entendimento: "Hoje, Paulo Portas é um grande
amigo de Angola e está a ser lançado para liderar a direita portuguesa em caso
de as coisas correrem mal à actual coligação, o que mostra que é possível,
afinal de contas, um entendimento com Portugal."
Na mesma
semana, Paulo Portas manifestava disponibilidade para fazer aquilo que fosse
preciso “dentro das regras e da lei” para as proteger as relações entre os
dois países e considerava que o sistema judicial português não era
"o lugar adequado para dirimir questões internas de outros Estados”,
enquanto o Jornal de Angola defendia
o fim dos investimentos angolanos em Portugal, num violento
editorial, desta vez sem a habitual assinatura do director José Ribeiro.
"Esses
editoriais são um ataque a Portugal e são desrespeitosos”, considera Pinto de
Andrade ao PÚBLICO. E esclarece: o Jornal de Angola “é uma espécie de
jornal oficial do MPLA [Movimento Popular para a Libertação de Angola]”, no
poder. É oficialmente um jornal público, financiado por fundos públicos,
mas que “não se porta como tal”, acentua. Antes, funciona “como uma correia de
transmissão do MPLA que o usa a seu bel-prazer”.
Os
editoriais, que regularmente se insurgem contra Portugal, reflectem “a voz do
MPLA oficial”, ou seja, do sector do MPLA "que manda”. O Jornal de
Angola manifesta assim “aquilo que é a vontade do presidente do partido e
Presidente da República”, José Eduardo dos Santos. E conclui: formalmente, como
órgão público, responde perante o Ministério da Comunicação Social, mas informalmente
e na realidade “responde perante o sector da Informação do MPLA”.
Novos
alvos
Este fim-de-semana, o alvo do jornal angolano foi a PGR portuguesa, Joana Marques Vidal que, na sexta-feira, reagiu às declarações de Machete à RNA. Numa nota à comunicação social, sublinhava que em Portugal “vigora o princípio da separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial, estando constitucionalmente consagrada a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, designadamente no que respeita ao exercício da acção penal”.
Este fim-de-semana, o alvo do jornal angolano foi a PGR portuguesa, Joana Marques Vidal que, na sexta-feira, reagiu às declarações de Machete à RNA. Numa nota à comunicação social, sublinhava que em Portugal “vigora o princípio da separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial, estando constitucionalmente consagrada a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, designadamente no que respeita ao exercício da acção penal”.
A
procuradora-geral da República confirmava ainda estarem pendentes no Departamento
Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) “vários processos em que são
intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos quer na
qualidade de queixosos”. Na mesma nota, adiantava que os
inquéritos se encontram em segredo de justiça, “pelo que o respectivo conteúdo
só é acessível aos intervenientes processuais a quem a lei confere tal
direito”.
Num
editorial intitulado Criminosos portugueses contra as suas próprias vítimas,
o Jornal de Angola respondia
no domingo que Rui Machete apenas pediu “diplomaticamente desculpa (e
não desculpas diplomáticas) pelas patifarias cometidas pelo Ministério Público
e órgãos de comunicação social contra o vice-presidente angolano, Manuel
Vicente, e o procurador-geral da República, João Maria de Sousa”. E
acrescentava: “Ao alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro
figuras públicas angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da
República, Joana Vidal, puseram-se fora da lei.”
As
investigações abertas em Portugal são referentes a suspeitas de actos
em território português, nota Justino Pinto de
Andrade. A “promiscuidade entre a Justiça e a política” em Angola
impede “o apuramento” das suspeitas de “actos ilícitos que envolvem entidades
angolanas”, realça. “Se os actos ilícitos que envolvem as entidades angolanas
em território português fossem investigados, nós em Angola teríamos melhor forma
de pressionar os políticos corruptos”.
Imagem: Rui Machete recebeu
o homólogo angolano George Chicoti, em visita a Portugal no início de Setembro Daniel Rocha
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