sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A nação “cor-de-rosa” de dirigentes distraídos é um insulto à nossa dignidade. Editorial


Maputo (Canalmoz) - Nesta altura do ano em que os abastados trocam presentes de Natal e de Ano Novo, os moçambicanos são brindados por discursos ilusórios e até certo ponto insultuosos à sua dignidade, baseados em números forjados em gabinetes da capital, sem se ter em conta a realidade do País na sua real extensão e amplitude.
Dois altos dirigentes do Estado vieram a público, no início desta semana, apresentar relatórios “cor-de-rosa” de um Moçambique ideal, mas que na verdade não existe.
Na segunda-feira já se tinha antecipado o governador do Banco Central, Ernesto Gove, no balanço do ano económico 2011 e previsão do ano 2012, ao apresentar números que desenham um país próspero, que na verdade só pode ser equiparado ao bairro da Sommerschield e certos condomínios de Maputo. Veio com números que ignoram os milhões de moçambicanos que só trabalham para comer, porque a palavra poupar, para eles, não existe. Isto quando se fala dos sortudos que ainda vão tendo trabalho. Se falarmos dos desempregados, a conversa ainda é mais atentatória à dignidade de milhões…
Na terça-feira foi a vez do chefe de Estado ir ao Parlamento falar de uma nação que objectivamente não existe.
A nação de que foi falar o presidente da República no Parlamento, esta terça-feira, é simplesmente uma nação imaginária. É uma nação construída por assessores que só dizem aquilo que o chefe quer ouvir e descrita por um chefe que tem pavor de assumir as fraquezas e recusa-se a admitir os erros cometidos pelo seu Governo, erros esses que estão a deixar milhões de moçambicanos na penúria.
Em todo seu discurso de 40 páginas no Parlamento, o chefe de Estado não conseguiu mencionar sequer uma coisa errada que acontece neste País. Será isto possível?
As mulheres grávidas que morrem nas zonas rurais por falta de salas de parto e assistência médica elementar, as crianças que aos 12 anos abandonam a escola nos distritos em busca de emprego doméstico nos centros urbanos, as raparigas que se prostituem para ganhar a vida nos centros urbanos, em que nação vivem?
O chefe de Estado não precisava de sair da capital para ver a outra nação moçambicana que não coube no seu discurso. Aqui mesmo na cintura da cidade de cimento, nos bairros de Maxaquene, Chamanculo, Mafalala, Mikhadjuine, só para mencionar alguns, são milhares as famílias moçambicanas que vivem em casas arrendadas, onde pais, filhos, noras e avós partilham o mesmo compartimento para dormir. A Imprensa cansou-se de reportar tais casos. Esta miséria, no entanto, na lógica do discurso “cor-de-rosa” do presidente Armando Guebuza, não afecta os moçambicanos. Isso é coisa que não existe. É coisa que não acontece nesta nação. É coisa que só Guebuza e seus assessores não vêem…
As milhares de famílias que passam fome nas províncias de Manica, Zambézia, Gaza e vêem seus filhos internados em hospitais por subnutrição, não merecem a consideração do mais alto dirigente da nação. Estes não fizeram parte do discurso à nação. Para Guebuza, esses não são desta nação.
Não passa muito tempo que a Imprensa reportou casos de fome crónica no distrito de Chigubo, na província de Gaza, onde as pessoas se alimentam de raízes e frutos silvestres. Mas também estes não entram na nação que Guebuza inventou.
E os milhares de jovens, sem emprego, sem esperança, que pululam pelas grandes cidades, também não são da nação de Guebuza?
É extrema hipocrisia um chefe de Estado que se preze ir ao Parlamento, à tal “Casa do Povo”, prestar um informe à nação em que só diz o que lhe convém.
Guebuza esquece-se que o povo de hoje já não se deixa adormecer e já não embarca em retóricas falaciosas de quem quer o poder para ir tratando dos seus negócios.
O presidente da República não consegue ler a realidade com os seus próprios olhos? Não sabe que o seu discurso “cor-de-rosa” é um insulto à inteligência de qualquer ser humano?
Como quer o senhor Guebuza fazer os moçambicanos acreditar que a sua vida está melhor, quando na realidade continuam a viver uma pobreza humilhante e revoltante?
Não é com discursos falsos que se irá fazer os milhares de desempregados sentirem-se com emprego.
Não é com discursos mentirosos que se mata a fome de milhões de esfomeados. Eles não vão seguramente sentir-se saciados com as palavras elogiosas de quem se atreve a fazer comentários sobre o seu próprio desempenho e do seu elenco e julgar tudo um mar de rosas.
Os milhões de moçambicanos que sofrem nos hospitais públicos à espera de médicos que não existem, sentir-se-ão curados porque não fazem parte da nação de que o chefe de Estado esteve a falar na última terça-feira na “Casa do Povo” da 24 de Julho em Maputo?
Mais uma vez, a ida de Guebuza ao Parlamento resumiu-se num exercício insultuoso para aqueles que dia-a-dia trabalham pela sua dignidade e pelo futuro dos seus filhos.
Aparecer alguém bem nutrido para dizer, em directo, pelas rádios e televisões que nesta nação está tudo bem, no mínimo é um exercício blasfémico para um povo sugado até à última gota de sangue pelos seus actuais dirigentes.
Mas seja como for, um Natal e festas do Dia da Família o mais possível felizes para todos os moçambicanos que lutam pela sua dignidade! (Redacção/ Canalmoz)
Imagem: Porquinhos Cor de Rosa. Para entender esta charge, você precisa ler o texto ...
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