terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A desinflação competitiva. Alves da Rocha




A inflação voltou a ser um grave problema da economia nacional e os instrumentos clássicos disponíveis – taxa de câmbio e taxa de juro – podem ser conflituantes entre si e quanto aos objectivos de estabilidade dos preços e crescimento económico.

ALVES DA ROCHA
EXPANSÃO, 459, de 09/02/18

As margens de manobra são reduzidas, sobretudo devido ao desfavorável contexto macroeconómico geral, limitando o uso e o alcance da política orçamental como meio para incentivar o aumento do PIB (incremento de despesas reprodutivas, muito mais do que despesas produtivas, do lado da procura nominal ou redução de impostos do lado da oferta produtiva). A política cambial de desvalorização da moeda nacional tem (pelo menos até se encontrar o seu valor de equilíbrio) uma relação não amigável com a taxa de variação dos preços e não se sabe, em termos científicos e para as condições da economia nacional (desestruturada, incompetitiva, desarticulada, …) o “day after” , ou seja, conseguido o ponto de equilíbrio através de um trajecto penoso de perda sistemática do poder de compra da moeda e dos rendimentos internos, estar-se-á em condições de garantir, de facto, a estabilidade cambial? O mercado cambial interno é muito desequilibrado – praticamente um único agente ofertante, ainda por cima o Estado, sujeito sempre a influências e arranjos políticos e uma procura muito atomizada, de onde resultam comportamentos não totalmente compagináveis com as leis de mercado. Por outro lado, a economia angolana, desde pelo menos 2009 – ainda que com um ou dois episódios de crescimento do PIB acima de 4% - apresenta uma dinâmica de variação da produção na vizinhança de 2%, em termos de médias anuais. As estatísticas oficiais darem um incremento permanente, desde há muitos anos a esta parte, do volume de emprego (já referi que a economia angolana é talvez a única a criar novos postos de trabalho mesmo quando está em recessão, o que, na verdade, contraria os “dictates” da ciência económica). Apesar dessa evoluçaõ, o INE divulgou, recentemente, as suas estimativas sobre a taxa de desemprego no País, colocando-a no patamar de 20% (confirmando-se as estimativas que o CEIC anualmente apresenta no seu Relatório Económico e que, para 2016, apontavam para 21,5% da população economicamente activa). Ou seja e fechando o círculo de caracterização resumida mas essencial da economia nacional: alto desemprego, alta inflação e reduzido crescimento económico (não apenas em termos correntes, mas sobretudo em termos de produto potencial, relacionado com a capacidade de crescimento a longo prazo).
Como sair deste círculo, nas actuais condições financeiras difíceis? Para reflexão, anoto duas estratégias possíveis: a da desinflação competitiva e a do relançamento internacional (uma óptica keynesiana de economia aberta, podendo contribuir para o sucesso desta abordagem os resultados do aumento e da diversificação das exportações). A estratégia de desinflação competitiva apoia-se numa lógica teórica sólida, mas o seu alcance prático pode ser limitado perante o problema do desemprego (20% de taxa é muito e tem implicações significativas sobre a capacidade de crescimento futuro), essencialmente em virtude da lentidão dos mecanismos de ajustamento em que assenta. Que é necessário reduzir-se a inflação não há dúvida. A estratégia é que merece discussão. Michael Bruno (economista sénior do Banco Mundial, já falecido), estabeleceu, num estudo realizado com mais de 120 economias e um período de 25 anos, uma correlação entre taxas de crescimento do PIB por habitante e taxas
de inflação que o levou a concluir que para intervalos até 10% o incremento dos preços não prejudicava a dinâmica de variação do produto. A estratégia de desinflação da economia nacional que está a ser aplicada pelas autoridades governamentais parece assentar no rigor monetário e orçamental e na aplicação de uma política cambial de ajustamento progressivo do preço das divisas. Uma política monetária e orçamental restritiva provoca uma travagem da procura interna e uma forte subida do desemprego (a taxa de 20% anunciada pelo INE pode ainda não ser uma consequência directa da política de rigor monetário e orçamental, mas reflectir mais a existência de um desemprego estrutural que o funcionamento dos mecanismos de mercado, o fraco crescimento económico e as políticas de incentivo do investimento não têm conseguido superar). A travagem da procura interna está a induzir um ajustamento para baixo das importações ampliado pela desvalorização cambial, o que, em condições de controlo da inflação, pode consequencializar um incremento da competitividade de alguns produtos nacionais (oficialmente o termo usado é o de substituição competitiva das importações), convergindo-se na possibilidade de reabsorção de uma parte do défice externo. Porém, o controlo da inflação pode ficar afectado pelo processo de ajustamento cambial, atendendo à forte correlação entre as duas variáveis e não ser suficiente para conferir maior competitividade à produção nacional (o efeito desvalorização sobre as importações depende igualmente das respectivas elasticidades-preço dos diferentes ou de alguns produtos da pauta aduaneira). A questão central é a de se saber até onde deverá ir o processo de desvalorização cambial (será que o padrão de referência deve ser apenas a taxa de câmbio do mercado informal, ou, pelo contrário, deve ser estimada uma taxa de câmbio de equilíbrio baseada em outros critérios?) e o que fazer ao longo deste processo em termos de controlo dos preços, redução do desemprego e crescimento do PIB. Creio que já se percebeu que a actual política de restritividade monetária – com os efeitos sumariamente descritos – insere-se nas teses clássicas e monetaristas do “stop and go”. Ou seja, já se terá percebido que o País vai ter de lidar com um período de contracção do crescimento económico (incremento do desemprego, redução do poder de compra dos rendimentos e inflação a dois dígitos), não se compreendendo como o Governo aponta para 4,9% a taxa de crescimento do PIB em 2018 (as instituições internacionais preveem um valor menor, em redor de 1,6%). Um dos pressupostos desta estratégia é que o rigor monetário e orçamental conduzirá a uma nova situação de equilíbrio, com menos inflação, mais desemprego, maior equilíbrio externo e menos crescimento económico, sendo incerto que tal encadeamento possa ocorrer, de facto, na economia angolana. Como se parte, agora, para o “go”? A redução do défice externo e o recuo da inflação (em relação à dos nossos parceiros internacionais) contribuirão para a estabilidade da taxa de câmbio (maior competitividade externa) e a subida do desemprego provocará uma baixa dos salários reais (entretanto atenuada se for possível o controlo da inflação), duas situações facilitadoras de mais investimento, mais produção e eventualmente mais exportações. Ao aceitar-se, momentaneamente,
um nível elevado de desemprego, pode provocar-se uma baixa dos salários que melhore a competitividade da economia e a lucratividade das empresas, factores que no ciclo seguinte vão facilitar o relançamento da produção e do emprego (tanto mais rapidamente quanto o efeito competitividade dominar o efeito lucratividade). Será que é esta a estratégia do Governo? Que em alguns aspectos
existem semelhanças, isso é verdade, havendo a preocupação de se criarem condições para o incremento do investimento (nova Lei do Investimento Privado). No entanto, devo chamar a atenção para algumas limitações deste modelo de desinflação competitiva: a criação de desemprego é mais rápida do que o abaixamento dos salários reais (os empresários renitem em fazê-lo nomeadamente em relação aos melhores trabalhadores), a baixa de salários pode não reduzir o desemprego (havendo condições aumenta-se a produtividade) e sobreposição do efeito lucratividade sobre o da competitividade (os empresários, face a uma descida dos salários, aumentam os seus lucros mantendo os preços).
Alves da Rocha escreve quinzenalmente

Imagem: Sérgio Piçarra. Expansão, 459, 09/02/18

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Orçamento Geral do Estado 2018 não aborda como deveria a desigualdade. Alves da Rocha



A desigualdade é uma das grandes preocupações mundiais, tal tem sido a velocidade com que se agrava e aprofunda, deixando enormes faixas da população mundial em situação de pobreza, miséria e exclusão social. Existe um relevante grupo de economistas que se tem dedicado ao estudo da desigualdade no mundo e à identificação dos factores que mais relevantemente podem estar na sua origem. São identificadas (enumero sem comentários adicionais, que deverão aparecer nos próximos estudos do CEIC sobre esta importante matéria):

ALVES DA ROCHA
EXPANSÃO 457, 26/01/18

globalização, evolução tecnológica, crescimento dos serviços financeiros, alteração das normas salariais (atenção ao conteúdo da mais recente Lei do Trabalho em Angola), papel reduzido dos sindicatos e fraqueza das políticas de redistribuição fiscal dos governos (um mal de que a nossa política orçamental padece). Dentre os autores que mais recentemente se têm dedicado a esta tema destaco Thomas Piketty (o Capital no século XXI), Joseph Stiglitz (The Price of Inequality), Antony Atikinson (Desigualdade – O que Fazer), Fundo Monetário Internacional (Fiscal Policy and Income Distribution).
As desigualdades são tremendas em Angola (1) – pessoalmente não acredito que a mesma se expresse por um índice de Gini de 0,55 ou por um coeficiente de concentração de 20%-60%, ou seja,1/5 da população deter quase 2/3 do rendimento nacional, aguardando com enorme expectativa os resultados do novo inquérito às receitas e despesas familiares e formulando votos para que algumas das trapalhadas que ocorreram com o censo populacional se não repitam nesta grande pesquisa estatística – não sendo crível e possível atenuá-las no período de uma legislatura. Se mais razões não houvesse, os novos ciclos políticos e de governação são eles próprios geradores de distorções e desigualdades, porque a sobrevivência política de quem detém o poder de governar e decidir passa pela criação de grupos de apoio a todos os níveis, exigentes em distribuição de benesses e de privilégios. O balanço comparativo com os ciclos anteriores pode ser positivo (maior consideração pelos problemas sociais da população) ou negativo (cobertura das pretensões individuais e individualistas dos novos protagonistas). Sinceramente hesito em, a esta distância tão curta, pronunciar-me a favor de um balanço positivo da governação de João Lourenço neste item. A governação de José Eduardo dos Santos foi geradora de enormes desigualdades entre os cidadãos decorrentes de políticas sociais desequilibradas. Acrescendo-se a concentração de benefícios e de distribuição de rendimentos e riqueza na sua família parental e política. Na verdade, as riquezas concentraram-se nos grupos restritos próximos do Presidente e do exercício da função presidencial. Via de regra, espera-se que a governação seguinte melhore (muitas coisas, claro, mas neste item particular da desigualdade) os canais de redistribuição do rendimento, do acesso à riqueza e de criação de activos facilitadores da saída de uma parte da população da sua condição de pobreza, destacando-se a educação, a saúde e o acesso ao crédito (muito dificultado no País por razões estritamente económicas, umas, mas igualmente por burocracias e traficância de influências, só assim se explicando algumas fortunas constituídas na base do não reembolso de empréstimos solicitados ao sistema bancário angolano). O processo de transição política em curso ainda não está, do meu ponto de vista, completamente caracterizado. Para além do afã das demissões – outra hesitação da minha parte e relativamente a este aspecto leva-me a questionar se as cessações compulsivas de funções de quadros e responsáveis do aparelho do Estado (na sua acepção lata) nomeados pela Administração política anterior, tiveram como fundamento político essencial o desmantelamento dos lóbis constituídos e que eu esperava fossem mais poderosos (2) – ainda não se vislumbram sinais significativos de mudanças (para além das próprias demissões, não se tendo a certeza de que os substituintes sejam, política e tecnicamente, melhores que os substituídos). O Orçamento Geral do Estado (OGE), apesar do seu carácter de documento fundamental de política económica e financeira, não nos apresenta a “cartilha” fundamental através da qual se possa perceber o tempo e o modo do ataque à desigualdade no País. Ter-se-á de aguardar pelo Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2018-2022 (gostaria de ser esclarecido se a sua elaboração foi ou não entregue a uma empresa estrangeira de consultoria). A desigualdade prevalecente em Angola é económica e social. E esta última é profunda e, mais grave, estrutural. O rompimento do seu círculo vicioso demanda por tempo. É tipicamente um círculo clássico dos países subdesenvolvidos e tão bem caracterizado, em tempos passados, por economistas como Raymond Barre, René Dumont, François Perroux, Mário Murteira, mais recentemente Simon Kuznets (3) e mesmo Anthony Atkinson ( já citado anteriormente). Trata-se, afinal, de uma reprodução alargada das condições de pobreza: em cada ciclo económico a pobreza não apenas se renova, mas amplia-se. Evidentemente que,
para que o kick off aconteça, tem de se estudar muito bem por onde começar, isto é, quais as políticas com maiores índices de eficácia e eficiência. A educação é uma delas, mas os seus efeitos positivos só aparecem a longo prazo, embora a médio termo se possam elencar alguns benefícios a favor do combate à pobreza
e atenuação da desigualdade. A melhoria da saúde pode desencadear efeitos a curto prazo sobre a produtividade do trabalho ao diminuir a incidência do absentismo e recuperar energias. Qualquer um destes sectores em Angola sofre de corrupção, desvio de fundos, desorganização, falta de qualidade dos serviços
prestados, sendo discutível afectarem-se crescentemente maiores volumes de despesas orçamentais enquanto se não reorganizarem os ministérios e respectivos departamentos e se não estripar a corrupção. Para mim, e sempre o afirmei, mais importante do que aumentar as verbas a si destinadas é melhorar a eficiência e eficácia na sua utilização. Tem-se depois a desigualdade económica, expressa pela diferença de rendimentos (trabalho qualificado/trabalho não qualificado, trabalho agrícola/trabalho industrial e no sector dos serviços, trabalho manual/trabalho intelectual), de acesso ao crédito bancário (ainda prevalecem situações em que o bilhete de identidade do MPLA abre e facilita as portas para a obtenção de empréstimos), de obtenção de facilidades de criação de negócios, etc. Daí que seja fundamental a despartidarização do Estado e das mentalidades. O MPLA tem de tomar a liderança deste processo porque é o responsável último pela criação de uma mentalidade partidária nas instituições públicas e privadas (desde o partido único e a organização administrativa da economia e da sociedade).
(1) Cálculos ligeiros e rápidos, baseados em metodologia clássicas, apontam, no caso angolano, para um incremento na taxa de crescimento da procura de 3% e do PIB de 4,5%, se 60% dos menos pobres transferissem 5% do seu rendimento para os mais pobres.
(2) É o velho problema das fidelidades e oportunismos políticos. Afinal os grandes defensores de José Eduardo dos Santos, das suas políticas e lideranças, são hoje os seus detractores principais, tendo abandonado o barco aos primeiros rompimentos do seu casco.

(3) É conhecida a curva de Kuznets (o célebre U invertido) que relaciona a desigualdade com o crescimento económico (medido através das taxas reais de variação do PIB por habitante) , concluindo-se que nas suas primeiras etapas a desigualdade aumenta, sendo necessário um valor significativo do rendimento médio para que a sua distribuição se faça mais equitativamente (em Angola e em 2017 o PIB por habitante foi de apenas USD 3500). Lembro que há uma diferença entre distribuição e redistribuição do rendimento nacional, sendo possível, com medidas fiscais (impostos e subsídios) actuar sobre esta mais rapidamente. Alves da Rocha escreve quinzenalmente.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Alguns receios para 2018. Alves da Rocha



Claro que Angola não entra bem em 2018. E não vale a pena continuar a pensar-se que a deterioração da sua situação global começou em 2014 e teve como causa mais relevante a queda do preço do barril do petróleo. O País sofre de problemas estruturais que vão exigir tempo, audácia, inteligência, trabalho, dedicação, astúcia e .... dinheiro (muito dinheiro), indisponível de momento.

15/01/2018
EXPANSÃO

E não serão necessários muitos documentos de política económica - desde que o novo presidente da República tomou posse já se podem contar pelo menos três, com o Orçamento Geral do Estado (OGE), estando na forja um quarto, o Plano de Médio Prazo 2018-2022 e um quinto, a Revisão da Estratégia de Longo Prazo. Muito documento desta natureza confunde os agentes económicos, torna complexa a manobra de coordenação e pode diminuir o impacto da implementação das diferentes medidas.
Normalmente, é mais difícil garantir a coerência e a consistência dos objectivos e dos instrumentos de política quando existem vários documentos, como é já o nosso caso. E estas características das políticas são essenciais para garantir a eficiência e a eficácia dos gastos do Estado e dos investimentos privados.
De acordo com as últimas estatísticas do INE sobre o comércio externo, o peso das exportações petrolíferas nas exportações totais baixou de 95% para menos de 75%, com as consequências normais sobre as receitas em divisas e sem que isso, na verdade, corresponda a sinais seguros e estruturantes de diversificação das exportações angolanas. Os diamantes continuam a ser o segundo produto de exportação.
Muito provavelmente, o novo regime cambial em vigor (corresponde a um sistema de desvalorização deslizante inteiramente a cargo do mercado) - que consequencializou já uma desvalorização de 8% face ao euro - não será suficiente para incentivar os investimentos privados destinados a produzir produtos de exportação. A conquista dos mercados externos exige um binómio preço/qualidade ainda bastante difícil de garantir nas actuais condições de exercício da actividade económica no país.
Por isso mesmo é que os especialistas nestas matérias de diversificação têm afirmado que se trata de um processo, para significar exactamente que o ambiente de negócios tem de ser corrigido e melhorado.
E um dos aspectos que tem inquinado a envolvente do investimento privado é a corrupção, cujo combate foi eleito como uma das grandes batalhas do Presidente João Lourenço. Embora ainda não se tenham aplicado novas e convincentes medidas tendentes a debelar este flagelo social e económico - a despeito de em todas as circunstâncias do seu aparecimento público o tema ser recorrente - é excelente que o mais alto magistrado da Nação insista neste aspecto, para pelo menos à partida desincentivar a ocorrência de práticas de desvio e roubo de dinheiros públicos da parte dos novos agentes públicos por si nomeados para fazerem parte do seu elenco governativo.
Como o próprio Presidente reconheceu, este combate exige coragem política e capacidade de aplicação das medidas que vierem a ser definidas como essenciais para se atacar este fenómeno. Haverá espaço político para isso? Qual o verdadeiro peso político de João Lourenço para levar a cabo este combate de uma maneira exitosa?
Sabe-se que os principais agentes e beneficiários da corrupção, desvio de fundos públicos, contracção de empréstimos bancários sem o respectivo reembolso e retorno (que possibilitasse que o conhecido multiplicador de crédito actuasse e beneficiasse mais empreendedores), utilização abusiva de bens públicos, traficância de interesses, etc., são do MPLA, que - é bom lembrar - exerce o poder de uma forma ininterrupta há 42 anos. Como envolvê-los nesta luta anti-corrupção?
Muitas fortunas que não emigraram para o exterior foram constituídas na base de     empréstimos bancários não reembolsados, junto dos bancos comerciais do Estado e cuja situação financeira caótica tem sido o Estado a colmatar com dinheiro dos contribuintes. Os malandros não são apenas quem, de um modo fraudulento, mas sempre com a conivência de altos responsáveis do regime, colocou dinheiro fora do país à custa do erário público. Também o são os que acabaram por criar património por vias ínvias, desonestas e fraudulentas no país.
Tudo tem de ter um começo e o trajecto seguido pelo Presidente João Lourenço tem de ser encomiado e apoiado (eu ando nesta luta há muitos anos e que me valeu o despedimento do Ministério do Planeamento devido a uma entrevista concedida ao Folha de São Paulo do Brasil, na qual denunciava a corrupção que grassava na Administração Pública).
Mas a corrupção não é o único obstáculo à criação de um ambiente de investimentos privados desinquinado e despoluído, indispensável para o crescimento e o desenvolvimento. A burocracia - via de regra associada à corrupção - é outro dos males a ser ferozmente combatido. Neste sentido, as mais recentes iniciativas do Governo - aumento para 50 milhões de dólares o montante de investimento privado sujeito à autorização do Presidente da República no quadro da Lei do Investimento Privado, aglutinação de alguns órgãos do Estado relacionados com o investimento privado (mais do que fusão de instituições dever-se-iam reduzir/eliminar procedimentos, formar/consciencializar os funcionários públicos), revisão da Lei do Fomento Florestal. Quanto mais reduzida se apresentar a cadeia de procedimentos, menores serão os custos administrativos, menor o espaço para a chamada corrupção de baixa intensidade e maior atractividade sobre as iniciativas privadas.
Compreende-se que se está a entrar numa nova era de governação - não de regime político, nem de autoritarismo do Estado/Partido - e, como se costuma dizer, elementos mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Mas as mudanças podem ser feitas sem crispação entre os mais destacados agentes. Para mim, existe, sim senhor, crispação entre o Presidente da República e o Presidente do MPLA, não valendo a pena tentar-se tapar o sol com a peneira, pois o nível de compreensão e de leitura política da grande maioria da população é hoje muito diferente de há 10 ou 20 anos atrás.
A despeito do Presidente João Lourenço referir, em alguns dos seus pronunciamentos, que outros contratos entre o Estado e empresas privados têm de ser revistos, porque danosos para o erário público, o que é facto é que o processo se iniciou pela denúncia dos contratos envolvendo familiares directos do ex-Presidente a República, José Eduardo dos Santos. A serenidade dos ambientes políticos, a sua estabilidade e transparência, são igualmente elementos/características dos bons ambientes de negócios, tão fundamentais para a expressão da liberdade económica e liberdade de iniciativa privada. Eu receio que no decurso de 2018 o ambiente político se venha a deteriorar no interior do MPLA, presunção baseada no princípio da física segundo o qual "a toda a acção, corresponde sempre uma reacção".
A economia mundial está a atravessar um bom momento e seria danoso para Angola não se aproveitarem as oportunidades de crescimento (que envolve sempre incremento de importações) de países como os Estados Unidos, União Europeia, Brasil, Índia, Vietname, China e outros novos mercados de enormes potencialidades e que estão ávidos de novos acordos comerciais. A China é já um parceiro tradicional de Angola, embora os receios de um relacionamento aberto se avolumem um pouco por toda a África, dadas as apetências "imperialistas" deste gigante económico.
Cinco tentáculos parece caracterizarem o novo posicionamento deste país no mundo (depois de último Congresso do seu Partido Comunista): energias renováveis (este país acaba de construir o maior painel flutuante de energia solar do planeta e prepara-se pôr em prática um ambicioso plano de energias alternativas tendente a diminuir a poluição e reduzir a sua dependência energética dos fósseis, compra da América Latina e da África (resguardo de terras aráveis para garantir a sua segurança alimentar e o fornecimento de matérias-primas à manufactura), guardião do livre comércio (posição assumida na última cimeira mundial e perante a renúncia de assumir este papel da parte dos Estados Unidos), futebol (erguer-se como potência futebolística dentro de 50 anos) e grandes investimentos em rotas marítimas e terrestres (a nova rota da seda ou também chamada de economia circular).
Alves da Rocha escreve quinzenalmente