sexta-feira, 23 de março de 2018

Assim, são matumbos ou micheiros? Carlos Rosado de Carvalho





A actualidade económica nacional tem sido dominada por duas alegadas tentativas de burla envolvendo linhas de crédito internacionais para Angola.
A maior das duas linhas de crédito, no valor de 50 mil milhões USD, foi proposta pela Centennial Energy Thailand e destinava-se a financiar projectos de investidores nacionais e estrangeiros em sectores produtivos, nomeadamente agro-indústria, turismo, hotelaria, pescas e energia. Para o efeito foi assinado um memorando de entendimento com a Unidade Técnica Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP).

CARLOS ROSADO DE CARVALHO
EXPANSÃO
23/03/2018


Da segunda, no valor de 30 mil milhões USD, pouco se sabe sobre o destino que seria dado ao dinheiro. As poucas informações disponíveis apenas dizem que esta linha de crédito, também sob a forma de um fundo, foi proposta ao Banco Nacional de Angola (BNA) por um consórcio entre a Resource Conversation e a Mais Financial Services, esta última alegadamente ligada a proeminentes figuras do "anterior" regime.
Contas feitas, os dois fundos colocariam à disposição de Angola 80 mil milhões USD.
Alguns exemplos ajudam-nos a compreender a enormidade dos montantes em causa.
Em 35 anos de relações diplomáticas, a China, que tem funcionado como uma espécie de banco de Angola, emprestou-nos apenas 60 mil milhões USD, de acordo com Cui Aimin, embaixador chinês em Angola.
Em 31 de Dezembro de 2017, o Estado angolano devia ao estrangeiro 38,1 mil milhões USD, valor correspondente à dívida externa governamental, segundo revelou o Ministério das Finanças em resposta a uma pergunta do Expansão.
Em 31 de Janeiro de 2018, o total de crédito concedido pelos bancos a operar em Angola ascendia a 3,8 biliões Kz, cerca de 18,3 mil milhões USD ao câmbio desse dia,
Quando a esmola é grande o pobre desconfia, diz o ditado popular.
Não foi o caso da UTIP e do BNA. Este último terá chegado mesmo a transferir 500 milhões USD para o consórcio intermediário.
Como é que a UTIP e o BNA caíram em tamanho jajão? Aparentemente quem estava à frente da UTIP e do BNA não tinha ideia nenhuma dos montantes envolvidos nas linhas de crédito. A isto chama-se Iliteracia financeira. Ou matumbice, como se diz na gíria.
É que se não foi matumbice, quem aparou o jogo dos supostos burlões sabia perfeitamente ao que ia e estava apenas interessado em ganhar umas michas das michas que os burlões iam cobrar.

Imagem: EXPANSÃO 461, de 23/02/18


quarta-feira, 21 de março de 2018

Corrigir duas coisas que estavam mal. Carlos Rosado de Carvalho





Não sei se foi prenda de aniversário - dia 20 de Fevereiro passaram-se 9 anos desde que saiu o primeiro número do Expansão -, mas, na última semana, duas questões pelas quais o jornal se vem batendo tiveram desenvolvimentos positivos. Refiro-me à criação das Autarquias e à facilitação da entrada de estrangeiros em Angola.

CARLOS ROSADO DE CARVALHO
Editorial
EXPANSÃO 461, 23/02/18

Começando por esta última, os cidadãos de mais cinco países deixam de precisar de visto, elevando para oito os países nestas condições, enquanto cidadãos de outros 61 países vêem facilitado o processo de autorização de entrada no País. Trata-se, sem dúvida, de um desenvolvimento positivo, mas é preciso ir mais longe do que facilitar as entradas. É preciso flexibilizar, com critério, naturalmente, a autorização de residência de estrangeiros. Durante o comunismo tínhamos cooperantes. Agora temos expatriados. Do que precisamos é de imigrantes. Estrangeiros que se fixem em Angola, que vivam como os angolanos, que possam trazer as suas famílias. Se dermos estabilidade aos estrangeiros que escolhem o País para trabalhar, estou certo que eles responderão aumentando o seu contributo. Naturalmente que ao abrir as fronteiras, ainda que com critério, repito, corremos o risco de deixar entrar gente menos desejável. Mas é a vida. Quanto às autarquias, além de serem um imperativo constitucional, infelizmente sempre adiado, sem que se perceba porquê, são uma condição necessária, embora não suficiente, para o desenvolvimento do país e o combate às assimetrias regionais. A criação das autarquias mais não é do que a criação de governos locais democraticamente eleitos. Por oposição ao que acontece actualmente, em que os municípios, distritos, comunas e bairros são geridos pelos primeiros secretários do MPLA que, com algumas excepções, poucas, estão lá mais para defender os seus interesses e os do seu partido do que os das populações. Na ausência de eleições locais as populações ‘votam com os pés’, abandonam as suas origens em busca de uma vida melhor no litoral em geral e em Luanda em particular. Com as autarquias, antes de ‘votarem com os pés’, os eleitores poderão mudar os governantes locais através do voto. Significa isso que os bairros, comunas, distritos e municípios passarão a ser governados ouvindo mais as populações sobre as decisões que lhes dizem respeito. Naturalmente que as autarquias não são uma panaceia para os problemas que afectam Angola. Mas que podem ajudar lá isso podem. E muito.

Imagem: Sérgio Piçarra, EXPANSÃO 460, 16/02/18

segunda-feira, 12 de março de 2018

Corrigir duas coisas que estavam mal. Carlos Rosado de Carvalho





Não sei se foi prenda de aniversário - dia 20 de Fevereiro passaram-se 9 anos desde que saiu o primeiro número do Expansão -, mas, na última semana, duas questões pelas quais o jornal se vem batendo tiveram desenvolvimentos positivos. Refiro-me à criação das Autarquias e à facilitação da entrada de estrangeiros em Angola.

CARLOS ROSADO DE CARVALHO
Editorial
EXPANSÃO 461, 23/02/18

Começando por esta última, os cidadãos de mais cinco países deixam de precisar de visto, elevando para oito os países nestas condições, enquanto cidadãos de outros 61 países vêem facilitado o processo de autorização de entrada no País. Trata-se, sem dúvida, de um desenvolvimento positivo, mas é preciso ir mais longe do que facilitar as entradas. É preciso flexibilizar, com critério, naturalmente, a autorização de residência de estrangeiros. Durante o comunismo tínhamos cooperantes. Agora temos expatriados. Do que precisamos é de imigrantes. Estrangeiros que se fixem em Angola, que vivam como os angolanos, que possam trazer as suas famílias. Se dermos estabilidade aos estrangeiros que escolhem o País para trabalhar, estou certo que eles responderão aumentando o seu contributo. Naturalmente que ao abrir as fronteiras, ainda que com critério, repito, corremos o risco de deixar entrar gente menos desejável. Mas é a vida. Quanto às autarquias, além de serem um imperativo constitucional, infelizmente sempre adiado, sem que se perceba porquê, são uma condição necessária, embora não suficiente, para o desenvolvimento do país e o combate às assimetrias regionais. A criação das autarquias mais não é do que a criação de governos locais democraticamente eleitos. Por oposição ao que acontece actualmente, em que os municípios, distritos, comunas e bairros são geridos pelos primeiros secretários do MPLA que, com algumas excepções, poucas, estão lá mais para defender os seus interesses e os do seu partido do que os das populações. Na ausência de eleições locais as populações ‘votam com os pés’, abandonam as suas origens em busca de uma vida melhor no litoral em geral e em Luanda em particular. Com as autarquias, antes de ‘votarem com os pés’, os eleitores poderão mudar os governantes locais através do voto. Significa isso que os bairros, comunas, distritos e municípios passarão a ser governados ouvindo mais as populações sobre as decisões que lhes dizem respeito. Naturalmente que as autarquias não são uma panaceia para os problemas que afectam Angola. Mas que podem ajudar lá isso podem. E muito.

Imagem: Sérgio Piçarra, EXPANSÃO 460, 16/02/18

sábado, 10 de março de 2018

AS PREVISÕES ECONÓMICAS. Alves da Rocha no Expansão.




A maior parte dos economistas tem uma queda pelas previsões económicas. Faz parte do seu ADN tentar perscrutar o futuro, para antecipar políticas e delinear estratégias. Hoje existe uma panóplia de instrumentos de previsão (e de projecção dos agregados económicos, se bem que exista uma diferença entre projectar e prever), desde os mais sofisticados, aos mais simples e directos. Uma característica comum a todos eles é que as previsões geralmente falham.

Alves da Rocha
LABORATÓRIO ECONÓMICO
EXPANSÃO 461, 23/02/18

O Fundo Monetário Internacional – que dispõe de um modelo complexo para apresentar as suas estimativas sobre o comportamento dos diferentes agregados
macroeconómicos dos vários países que integram esta organização internacional – modifica todos os meses as suas estimativas. É que, ainda que complexos, estes instrumentos não são completos, isto é, não conseguem abarcar as totalidades económicas – de cada economia e da economia-mundo – multifacetadas e sujeitas a alguns comportamentos imprevisíveis, veiculados pelos agentes económicos, que supostamente devem agir no respeito pelo postulado da racionalidade, mas que, por vezes, agem mais segundo atitudes de irracionalidade. As posições neoliberais sustentam muito a actuação racional dos agentes como o fundamento das escolhas e decisões de investimento privado, generalizando existir uma racionalidade da irracionalidade. Ou seja, ainda que nos pareça que determinados comportamentos dos agentes económicos sejam irracionais (a especulação e o açambarcamento podem ser duas delas e, muitas vezes, em Angola as entidades oficiais acusam os vendedores de responsáveis por uma parte da subida do índice geral dos preços, porque são especuladores), o que parece ser facto é que se aproveitam falhas de mercado ocasionadas por intervenções administrativas do Estado sobre os mecanismos de funcionamento dos mercados. Porém, os instrumentos de previsão não lidam bem com os procedimentos especulativos, porque saem de um determinado padrão de comportamento das variáveis económicas objecto de tratamentos estatístico-econométrico. E como tal – as previsões são feitas usando séries estatísticas longas que apresentem um padrão regular de comportamento da variável económica objecto de análise – a tarefa da predição torna-se mais arriscada e pode ser descredibilizada, sobretudo se as inconsistências e erros forem recorrentes, ou seja, repetidos em cada ciclo de previsão. Mas, apesar desta falibilidade, as previsões continuam a ser utilizadas.
Para os economistas e econometristas, os exercícios de previsão são também oportunidades de debate com base nas hipóteses assumidas. A estatuição de hipóteses é uma fase muito importante dos exercícios de previsão económica, dela dependendo a qualidade dos resultados finais das previsões: hipóteses descontextualizadas da realidade conduzem a resultados pouco fiáveis e mesmo rejeitáveis. Logo, a qualidade das políticas económicas sai desvalorizada. Os modelos são os instrumentos de previsão mais usados, havendo-os para praticamente todas as circunstâncias. Uma das classificações agrupa-os em modelos de previsão e modelos de decisão, sendo a diferença estabelecida na forma como são utilizadas as variáveis-instrumento e as variáveis-objectivo. Nos
modelos de previsão as incógnitas são as variáveis-objectivo (cujo valor se pretende que o modelo determine) e nos modelos de decisão, as variáveis-instrumento são as incógnitas, portanto a serem determinadas pelo modelo. São bem conhecidos os processos de construção dos modelos, sendo a recolha de informação e a escolha das variáveis e o estabelecimento de relações teóricas de relação entre variáveis-instrumento e variáveis--objectivo duas das mais importantes. A qualidade da informação, conforme referi antes, é uma matéria crucial, tanto nos seus aspectos quantitativos (séries estatísticas longas), quanto
qualitativos (consistência dessa informação que deve ser verificada e acautelada logo nas primeiras etapas do processo da sua elaboração). Normalmente, os modelos exigem a constituição de equipas multidisciplinares, competentes, com sensibilidade para os assuntos económico-sociais e apaixonadas por esta técnica
de programação económica. E claro que os modelos têm um custo financeiro. A Universidade Católica de Angola finalizou, em Outubro do ano passado, a construção do seu modelo macroeconómico, com o apoio de um competentíssimo grupo de macroeconomistas e econometristas do prestigiado centro de estudos norueguês Christien Michelsen Institute. Está a ser usado para diferentes estudos de previsão e de impacto das políticas económicas. É um
modelo complexo e o seu custo pode ser estimado, depois de 3 anos de trabalho (sobretudo devido às dificuldades de recolha de informação e de validação da sua fiabilidade), em cerca de 200 mil USD. Foi justamente esta questão dos custos que me levou a escrever este artigo sobre os modelos económicos, pois fiquei perplexo com o montante que o Fundo Soberano de Angola gastou pela construção do seu modelo. Nada mais, nada menos de 11,6 milhões USD. Isso mesmo, quase 12 milhões USD. Este modelo do Fundo Soberano tem de ser infalível, necessariamente, nas suas previsões económicas. O que é óptimo para o Governo, pois assim, a escolha, calibragem e quantificação dos objectivos e instrumentos sai no ponto. A empresa contratada pelo Fundo Soberano, como não podia deixar de ser, é estrangeira, a QG Investments, Ltd e, segundo informações que o Expansão me facultou, “é especializada em estudos de pesquisa e conta com uma equipa de analistas econométricos constituída, em 2013. Pelo Professor Kevin Urama, um ex-quadro das Nações Unidas e do Banco Mundial, que desempenha a função de conselheiro sénior do Presidente do Banco de Desenvolvimento Africano desde 2016”. Por outro lado, “O modelo em questão já está em funcionamento e as tarefas previstas no âmbito do contrato foram concluídas um mês antes do prazo estipulado. O modelo geral detém três níveis que consistem em submodelos de forma reduzida, submodelos estruturais e submodelos estocásticos de equilíbrio geral dinâmico. Este trabalho permitirá ao FSDEA fazer análises macroeconómicas e do impacto de políticas económicas, análise de cenários, gestão de risco económico e previsão de desempenho de portfólio e de decisões de investimento. O modelo econométrico foi desenvolvido sob coordenação de uma comissão multissectorial nomeada pelo Ministro do Planeamento e Desenvolvimento Territorial. A referida comissão foi composta por quadros seniores do Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, do Ministério das Finanças, do Banco Nacional de Angola, do Instituto Nacional de Estatística e de várias empresas públicas, cuja missão foi de recolher os dados estatísticos oficiais históricos e periódicos dos indicadores económicos e de desempenho de sectores específicos, para garantir a fiabilidade das informações necessárias para os cálculos do modelo”. Portanto, as instituições do Estado, as referidas, mais algumas outras e as empresas públicas passam a dispor de um modelo de previsão económica que custou 11,6 milhões USD, havendo agora a garantia total de que o Executivo falará apenas de uma voz só, do acero das previsões e da correcção das políticas económicas definidas. A taxa de crescimento prevista para 2018, de 4,9%, foi este modelo que a forneceu? É que FMI, Banco Mundial, The Economist, OCDE, etc. (provavelmente usando modelos muito mais baratos), estimam-na em 1,6%. E então? Vai ser difícil para mim, enquanto cidadão que paga impostos, à custa dos quais o Fundo Soberano pagou 11,6 milhões USD pelo modelo, aceitar mais erros na escolha e definição das políticas
económicas nacionais.
Alves da Rocha escreve quinzenalmente
Imagem: Sérgio Piçarra Novo Jornal online 09/02/18