segunda-feira, 10 de abril de 2017

João Lourenço e o sonho dos malandros. Nelson Pestana ‘Bonavena’



João Lourenço viajou para Moçambique e foi recebido pela Frelimo com "honras de Estado" porque, segundo Eliseu Machava, o secretário-geral daquele partido no poder na "varanda do Índico", como diria o poeta moçambicano Eduardo White, "o candidato que o Mpla indica é também o candidato da Frelimo".
Até aí, tudo bem. Cada um é livre de fazer as escolhas que bem entende e, inclusive, de se implicar em eleições nos países estrangeiros porque pensa que os seus interesses de grupo estão ligados a esse desiderato. Essa camaradagem, que passou da ideologia para o puro interesse, já vem de longe.

NOVO JORNAL

Samora Machel viajou várias vezes para Luanda e Agostinho Neto retribuiu com visitas a Maputo. José Eduardo dos Santos e Joaquim Chissano não foram grandes amigos, mas mantiveram-se os laços de "camaradagem" e cumplicidade, pelo menos em alguns aspectos.
JES não apreciava muito a autonomia de iniciativa de Joaquim Chissano quando este (como Mandela) procurava, por sua conta e risco, ouvir a outra parte do conflito armado angolano sem passar por ele, sem o seu agrément prévio.
A chegada de Armando Guebuza ao poder trouxe relações com JES mais quentes, mais fraternas, mais cúmplices, talvez porque ambos tivessem uma narrativa semelhante sobre as suas escandalosas riquezas pessoais: igualmente onírica; um dizia-se rico porque tinha criado patos e o outro porque a sua filha tinha vendido ovos.
Por isso, João Lourenço ir a Maputo apresentar-se aos seus "camaradas da Frelimo" e com eles concertar estratégias, tácticas, acções ou o que for, para se apoiarem mutuamente, está perfeitamente no sentido das coisas. O que não é legítimo (e até é ilegal) é ir na condição de Ministro da Defesa, à custa do erário público, para uma actividade privada.
O que não está no sentido da história - e creio que ninguém esperava - é que o indivíduo fosse lá dizer: "A nossa força está na nossa unidade! Se nós não formos unidos, os malandros vão-nos vencer. Porque os malandros são unidos. Quer os de dentro, quer os de fora, eles são unidos. São unidos e não dormem, andam todos os dias a pensar na forma como derrubar a Frelimo, como derrubar o MPLA" (sic).
Este discurso desbragado talvez se deva ao seu sentimento de impunidade permanente. Talvez tenha pensado que falando lá fora, no interior dos muros da sede da Frelimo, em Maputo, aqui não se iria saber? Mas o mundo é global e estamos na era da comunicação. Tudo se sabe e rápido, provocando um efeito de bola de neve nas redes sociais, onde se entende que JL define a sua cruzada política como a luta contra os "malandros", "quer os de dentro, quer os de fora", para a preservação do castelo de poder.
Mas, afinal, o que é ser malandro? O dicionário que consultei regista "malandro" como sinónimo de "vadio, preguiçoso, velhaco, patife, mandrião, gatuno, desavergonhado, biltre" (sic). A nova comunicação acrescentaria à citação desta entrada do dicionário: "risos"!
Se "malandros" quer dizer "gatunos", "desavergonhados", entre outros sinónimos, este tiro de JL é uma bala de ricochete. A quem melhor serve esta carapuça? É claro que "malandros", na boca de JL, não são os "patriotas" da "acumulação primitiva", mas todos angolanos (e moçambicanos) que não fazem parte do grupo hegemónico de poder; são as pessoas que nas oposições políticas, nos movimentos cívicos, nos sindicatos, nas igrejas ou em outras instituições não se mostram dóceis às derivas do poder, à rapina do país, à repressão, à perseguição e à exclusão dos cidadãos do espaço público, das políticas (mais acções que políticas) do partido no poder.
"Malandro" aqui é o denominador comum entre "bandido" e "fantoche", que eram as duas expressões utilizadas pelos regimes autoritários de um país e de outro para estigmatizar os seus adversários (inimigos) políticos.
Esta expressão é uma forma de desqualificar as oposições e todas as pessoas que não gravitam à volta do seu poder. Todas as ditaduras tratam as oposições desta maneira.
(Pode ler este artigo de opinião na íntegra na edição 477 do Novo Jornal, também disponível por assinatura digital, que pode pagar no Multicaixa)


sábado, 8 de abril de 2017

O novo ciclo político: viragem para onde ao serviço de quem? ALVES DA ROCHA



A nova situação política do país, de transicção pós-José Eduardo dos Santos, pode ser sintetizada através dos binómios seguintes: fim de ciclo, começo de quê/começo de quê, viragem para onde/viragem para onde, ao serviço de quem.

ALVES DA ROCHA
EXPANSÃO

O ano de 2016 marca o início do fim do ciclo político de um Presidente da República que esteve no poder durante mais de 36 anos e que, no momento da retirada, deixa o país no meio de uma encruzilhada crítica, do ponto de vista financeiro, económico e sobretudo social. O PIB por habitante em 2016, de pouco mais de USD 3500 (menos de USD 10 por dia), retrata bem alguns dos insucessos/atrasos económicos registados (dos quais os mais importantes são do domínio das reformas estruturais de mercado) e que tiveram consequências sociais indeléveis sobre as condições de vida da grande maioria da população. O seu ciclo político chega ao fim, mas não o do regime por si fundado, com o apoio persistente do seu partido. Ou seja, começa um novo ciclo político com um novo Presidente da República, mas não um novo regime, mais democrático, mais amigo da população e dos pobres, mais desenvolvimentista, mais aberto a propostas de outros modelos de gestão económica e social que tenham como ponto forte a inclusividade das políticas.
Assim, o "começo de quê" ainda não está suficientemente esclarecido pelo candidato oficial do MPLA às eleições de Agosto de 2017. As notas, pensamentos e reflexões que vai passando nos seus discursos de apresentação pelo país fora - talvez, em termos de adesão popular, uma evidente desvantagem comparativa face ao Presidente cessante, muito mais conhecido e credor de uma atitude reverencial dos militantes e simpatizantes do partido - não expressam, nem uma viragem estrutural e estruturada face ao pensamento oficial do MPLA, nem, também, a direcção dessa viragem, ainda que envergonhada e disfarçada de jargões e ideias feitas. Talvez seja exigir demasiado a um candidato que não congrega a totalidade, ou mesmo a significativa maioria, de apoio das estruturas partidárias, sendo ainda evidentes os sinais de desconforto para os grupos indefectíveis de José Eduardo dos Santos e cujo afastamento da governação do país pode colocar em perigo os seus interesses económicos e financeiros. E a viragem para onde não está definida, aguardando, talvez, pelo Programa Eleitoral do MPLA. Mas, o candidato e cabeça de lista tem de transmitir ao seu partido as suas ideias revolucionárias em matéria social e económica, para que sejam levadas em consideração no seu programa eleitoral de cuja aplicação dependerá a sua governação política. Se há intenção de viragem - as dúvidas são muitas, pelo menos nos primeiros anos da sua direcção, tantos são os interesses, contraditórios e mesmo antagónicos, a gerir no interior do partido - então tem de se dizer quais serão os modelos económicos e sociais a levar a efeito durante o novo ciclo político, caracterizando-os de uma forma minuciosa e projectando-os temporalmente (para apenas a legislatura que se inicia em 2017 ou para um período mais longo?).
Insistir no chamado modelo de economia social de mercado, sem o caracterizar com a minúcia científica e política necessária, é absolutamente dispensável, pois só dizê-lo por dizer não vale de nada, porquanto a sociedade civil angolana está mais inteligente, mais intelectualmente viva e crítica, mais atenta e adquiriu uma perspicácia que não pode ser ignorada ou mesmo menosprezada (basta seguir as intervenções dos telespectadores ou ouvintes nos programas abertos de intervenção crítica).
Um modelo de economia social de mercado - modelo muitas vezes repetido pelo Presidente cessante em diversas intervenções públicas, durante o seu mandato - tem elementos económicos e sociais que se devem conjugar, através de políticas públicas diferentes, mas eficientes e eficazes, no sentido do progresso social da maioria esmagadora da população. A expressão "crescer mais, para distribuir melhor" do Programa Eleitoral do MPLA de 2012, pode ter sido uma boa aproximação desta necessária e importante conjugação entre os elementos económicos e sociais de um sistema de economia de mercado. Mas em Angola falhou completamente: o país nem cresceu mais (pelo contrário, em 2015 e 2016, segundo as Contas Nacionais, registou-se não apenas uma assinalável quebra dos ritmos de crescimento do PIB, como se deu conta de episódios de recessão económica), nem se distribuiu melhor. Os coeficientes medidores da pobreza e da distribuição primária do rendimento nacional têm vindo a piorar, sendo preocupante como 60% da população pode viver com menos de USD 2 por dia, com uma taxa de inflação superior a 40% em 2016 (Angola continua a ocupar as piores posições em todos os rankings internacionais sobre a desigualdade económica e social). Ainda não nos envergonhamos com este facto, tal é a ansiedade de, mesmo em crise financeira e económica, se acrescerem os pecúlios monetários e os activos imobiliários e empresariais de uma muito pequena porção da população. A desproporção de rendimentos, e especialmente de riqueza, é abissal em Angola. O valor do Índice de Ginni, os valores do Índice de Desenvolvimento Humano, o formato da Curva de Lorenz, o poverty headcount ratio e os valores do IBEP 2008/2009 expressam-no com meridiana clareza.
O modelo de difusão social do crescimento económico que tem sido aplicado revelou-se errado (a renda petrolífera serviu para que fosse criada uma faixa muito reduzida de população excepcionalmente rica, usando-se a Sonangol e o OGE como instrumentos privilegiados) e insuficiente. Melhorar a distribuição do rendimento nacional apenas pela via do emprego - cuja criação nem sempre atingiu as metas estabelecidas pelo Governo, estando ainda na memória de toda a gente a promessa de 1.300.000 novos postos de trabalho entre 2008 e 2012 - é claramente escasso, como o comprovam as abordagens teóricas sobre o emprego e as inúmeras evidências empíricas reveladas por estudos e pesquisas independentes.
Dir-se-á que a abrupta e continuada queda do preço do petróleo é a razão essencial explicativa da actual crise. Mas não é verdade. O abaixamento do preço do barril de petróleo só veio pôr a nu as falhas de gestão económica num país que foi capaz de gerar cerca de USD 580 mil milhões de receitas de exportação do petróleo, entre 2002 e 2016. Como já o escrevi repetidamente, a mais importante prioridade definida pelo MPLA foi a da acumulação primitiva de capital e a criação de uma burguesia nacional capaz de disputar o poder financeiro às empresas estrangeiras existentes e "fazer banga" (pedindo-se desculpa por uma expressão em nada científica) nas praças estrangeiras comprando activos mobiliários e imobiliários e deixando o país sem USD 29 mil milhões colocados no exterior a título de transferências de capitais* . Para além de se não terem feito as reformas estruturais fundamentais, os próprios angolanos não têm confiança em si, nem no seu país. Estará a futura nova liderança política interessada e capaz de mudar radicalmente este status quo?
Admitindo que esta viragem pode acontecer, a dúvida seguinte é "ao serviço de quem"? Os resultados do intenso crescimento económico ocorrido entre 2002 e 2008 foram distribuídos de uma forma muito desigual e o IBEP 2008/2009 revelou que 60% do PIB (ou do rendimento nacional) foram captados por menos de 20% da população. A inaceitável e inexplicável crise dos hospitais ocorrida no final de 2015 e em 2016 é prova cabal de que o domínio social da economia angolana tem sido um filho pródigo do crescimento económico, não colhendo a justificação oficial de que o Orçamento de Estado tem conferido verbas crescentes para o seu funcionamento e gestão. Ainda que possa ser verdade em termos puramente aritméticos, a questão fundamental é a da sua eficiência. A questão colateral é a da corrupção que grassa todos os serviços sociais do país (uma corrupção vertical - do topo à base - e horizontal, não escapando nenhum serviço público, central ou provincial). Que margem política o futuro Presidente da República terá para mexer e atrapalhar os poderosos interesses aqui instalados a favor de correligionários seus?
No entanto, as mudanças são sempre de saudar e apoiar. Mas para isso é necessário que a nova liderança do país se abra a novas ideias, formatos e modelos e, acima de tudo, que não considere o pensamento do seu partido como a verdade absoluta.


BPC vai cortar 1.200 postos de trabalho e encerrar 124 balcões até ao final de 2018



Novos gestores do BPC vão actuar com o Plano de Capitalização e Reestruturação que possui medidas operacionais que visam efectuar cortes de trabalhadores e balcões do maior banco do País.
As Medidas Operacionais do Plano de Capitalização e Reestruturação do Banco de Poupança e Crédito (BPC) pressupõem o corte de 1.200 postos de trabalho no maior banco público até ao final de 2018, bem como o encerramento de 124 agências bancárias em todo o País, adiantou ao Expansão fonte ligada ao processo.

Maurício Vieira Dias
EXPANSÃO

O banco actualmente tem 5.200 funcionários e vai ver diminuída em 24% o seu número de colaboradores. Durante este período, a nova liderança do BPC tem a missão de encerrar cerca de um quarto das 400 agências bancárias em toda a extensão do território nacional, de acordo com o Plano de Capitalização e Reestruturação desenvolvido pela empresa de consultoria KPMG, segundo explicou a fonte.
Quanto aos critérios a serem adoptados para se atingir as referidas metas, esses serão de várias ordens e de acordo com o estabelecido no plano a ser executado pela nova equipa do banco. A instituição bancária, que conta com mais de 2,2 milhões de clientes, viu os seus resultados líquidos descerem quase 7% de 2014 para 2015, para 8.289 milhões Kz.
Os accionistas do BPC exoneraram, sexta-feira passada, o Conselho de Administração e a Comissão Executiva do maior banco estatal, liderado, na altura, por Cristina Van-Dúnem e Zinho Baptista.
Para ocupar ambas as vagas foi nomeado o bancário Ricardo Viegas D"Abreu, antigo vice-governador do BNA.
Os accionistas do BPC aprovaram, igualmente, "o aumento do capital social do banco público no valor de 90 mil milhões Kz, a realizar por todos os accionistas na proporção da sua participação", indica um comunicado de imprensa.
Na nova equipa, que vai dirigir os destinos do banco estatal durante o quadriénio 2017 a 2021, permanecem o economista Pedro Pitta Groz e Carlos Rodrigues como administradores executivos, ao passo que para não executivos permanecem Alcides Safeca e Djamila de Almeida.
Quanto às caras novas para executivos, encontram-se Marilia Poças, Adilson Catala, Luís Fernandes e Óscar Rodrigues. Ao passo que os não executivos são Júlio Ângelo Correia e Nayole Cohen dos Santos.


sexta-feira, 7 de abril de 2017

O Grande Desafio: Mudar o Regime. Filomeno Vieira Lopes



Introdução
Angola, desde a sua independência, tem sido governada por um Partido Político, quer por via directa, quer de forma associada, mas sempre mantendo sua hegemonia política. Por décadas tem experimentado todos os tipos de formas de governação, que nunca trazem a prosperidade para os Angolanos, mas há sempre um denominador e preocupação comuns: a permanência no PODER a todo o custo.

Filomeno Vieira Lopes
(Membro da Comissão Política do Bloco Democrático e Coordenador do Gabinete Eleitoral)

Desde 1992 que o país consentiu que o partido da situação fosse o “pivot” da transição democrática, para superação do estado autoritário. Passados 25 anos, sendo 15 sobre o fim completo da guerra a democracia encontra-se bloqueada. As premissas que suportavam a sua transição, como a abertura do espaço público, a liberdade de imprensa, a liberdade de manifestação (um direito visceralmente não consentido como provou a repressão sobre a última manifestação em 24 de Fevereiro) a separação de poderes, a descentralização política e económica e a despartidarização do Estado, das instituições e da sociedade, o respeito pela Constituição e das leis ou não existem ou são meras caricaturas. Quando as parcas liberdades são consentidas elas são submetidas a controlos e vigias do poderoso aparelho de segurança que age de forma persecutória, a nível pessoal e familiar e é um instrumento activo de contra informação e faz a gestão da punição económica e de oportunidades dos “insurgentes”. É, na realidade, o instrumento político mais preponderante.
Enquanto condições mínimas, que dão decência à gestão do Estado, como prover água potável, energia eléctrica, garantir rendimentos mínimos e um sistema de saúde adequado, rendas acessíveis, saneamento básico, bilhete de identidade e gestão simplificada de serviços públicos, não são realizadas, garantindo ao país o estatuto de “estado delinquente” ou “estado falhado”, a corrupção grassa e percorre todas as esferas do país e das instituições desde o tempo das guerras, onde milhares de cidadãos deram a vida e hoje muitas das suas famílias estão desgraçadas, passando pelos dias da fortuna das receitas petrolíferas até aos dias de hoje. É algo sistémico, endémico, faz parte da natureza do poder e justifica, em última instância, a razão da ausência da democracia e da necessidade da repressão no país. É necessária e intrínseca, como afirmou o Presidente da República por ser a forma moderna de se realizar a “acumulação primitiva do capital”, o que implica a captura do estado por um conjunto proeminentes de militantes do partido da situação.
A Mudança é um Imperativo Nacional de Consenso
Por isto, a impotência do actual poder em mexer nas bases da sua sustentação já não é uma questão subjectiva, de voluntarismo, de liderança de JS ou de JL de enxertia de VA ou de FH. O problema é que, excepto os exageros e os exotismos, que são arestas no contexto, trata-se da natureza do regime, que, de outra forma, seria posta em causa e cairia como um castelo de cartas. É um risco que o poder não pode correr.
Isto traduz a insustentabilidade do partido da situação em operar uma transição democrática associada ao bem-estar dos cidadãos. Pensar o contrário apenas apanha de surpresa os incautos nos períodos de contenda eleitoral.
Às portas das eleições, entretanto, cresce o descontentamento popular contra o regime. Os cidadãos de baixa renda, exactamente aqueles que mais filhos deram às guerras angolanas, ganham crescente consciência da natureza da sua desgraça quotidiana, desde a falta de energia ao desemprego e sem apoios de saúde. A própria classe economicamente média, parte da qual sustentáculo da família extensa, enfrenta não só problemas relacionados com a falta de divisas, como da desorganização reinante e, agora, com o desemprego nas petrolíferas, na construção civil e em outros serviços de mão-de-obra qualificada. A maioria dos empresários precisa de estar ligada a mil liames ao poder para, como água, esgueirarem-se entre pedras e montanhas e encontrarem o seu caminho de sobrevivência.
Há pois um consenso, cada vez mais alargado, sobre a mudança como imperativo nacional. E a Mudança não tem que ser uma palavra mágica. Tem, com efeito, um significado preciso e simples: Constituição de um ESTADO DE DIREITO, onde a separação de poderes é clara, as oportunidades são iguais para todos e onde seja possível combater a pobreza, promover o desenvolvimento, cuidar da saúde e da educação, ter um saneamento básico decente e cada pessoa sentir-se como um cidadão. Eis pois o grande desafio que se coloca à Nação Angolana nos próximos 5 anos para abrir então condições para fazer florescer projectos mais audazes posteriormente de confronto entre as várias visões partidárias. Por ora, a imagem que se sente é que o país está num colete-de-forças do qual se pretende libertar.
Os agentes da Mudança e as eleições
Uma vez que o partido dominante não oferece condições de prosseguir a transição democrática, resta a oposição essa tarefa, conjugado com os sectores da sociedade civil, que politicamente em consciência se afastam das ilusões dimanadas pelo poder secular e se coloca como veículo dessa transformação. É evidente que as lutas nos mais variados campos, contra o esbulho de terras e destruição de habitação, contra os despedimentos sem justa causa, por melhoria nas condições dos professores e para transporte e melhores condições para os estudantes, por eleições sem mácula protagonizada pelos revús, por estacionamento adequado e actualização de tarifas clamada pelos taxistas, contra os arbítrios, não se encontram com suficiente grau de articulação entre si, nem são ainda um caudal de resistência unido, por insuficiente consciência politica, pouco ajudada pelos partidos políticos da oposição.
Muitos cidadãos depositam nas próximas eleições a possibilidade da Mudança, apesar da relutância no Registo também estar relacionada com a crença de que a fraude é um elemento de legitimação do poder. Mas a grande maioria desses eleitores só acredita na mudança se os partidos da oposição se unirem, em Coligação das forças credíveis. E aqui se encontra o busílis da questão. Há razões de fundo que justificam mas há constrangimentos naturais de ordem legal, emocional e política, que só são ultrapassáveis com uma indomável visão, vontade e “expertise” políticas dos agentes envolvidos, um enorme amor pela Nação e um grande desprendimento pessoal.
É evidente que os eleitores veem sobretudo o facto de que para quebrar a margem de manobra do partido da situação, só a unidade pode contribuir para uma alternativa de poder.
Contudo, há outros elementos que podem ser estudados e solidificam essa percepção dos eleitores.
Aspectos positivos e constrangimentos duma Coligação
A Democratização do país, distinguindo-se naturalmente do mero Multipartidarismo Parlamentar, é um processo de abertura efectiva, de compromissos de forças diferentes e dessas com a sociedade, baseadas na soberania desta. Uma das razões que vem justificando regimes musculados no país é que a hegemonia dum só partido acaba por não criar compromissos com ninguém. Um poder de compromisso inter-partidário tem maior capacidade de pressão para abrir a sociedade e permitir a democratização do país. Pode criar igualmente um sistema de autovigilância interna, permitindo que tendências não democráticas que possam surgir sejam mais facilmente combatidas, numa espécie de “chek and balance” mútuo.
Um outro aspecto positivo será a capacidade de conciliação e reconciliação nacional. O espectro das forças de oposição, no poder, abre caminho para uma conciliação nacional, entendida como a reformatação do projecto nacional por todas as entidades vivas, debate nunca feito pelo partido da situação, como também integrar milhões de seres, hoje marginalizados e com mágoas (incluindo emigrantes) devido a posições políticas contrárias, no processo duma verdadeira cidadania. Abre igualmente caminho para uma discussão ampla sobre os casos particulares de Cabinda e das Lundas, cujas forças vivas poderiam, desde já, contribuir para a mudança nessas eleições.
É líquido que tal situação pressupõe já a pedra de toque das democracias: a restauração das liberdades, o que dá aos novos opositores garantia de se manifestarem pelas mais diversas formas e transformar a sociedade numa força motriz do processo político.
De resto, as valências para uma governação transformadora exigem múltiplas componentes, desde a capacidade de mobilização no terreno, a formulação duma proposta política que supere o descontentamento, as abordagens participativas, qualidades que só se encontram no conjunto dos partidas e na sociedade civil.
A existência duma Coligação das oposições conduziria desde logo maior entusiasmo pelas eleições, tornando o processo mais participativo. Para além da suspeita da fraude, a abstenção na oposição dever-se-á ao certo a ausência de forças coligadas. Até porque a Unidade de forças concentra votos, torna o voto útil e permite obter mais deputados. Nas eleições precedentes se a UNITA se juntasse à CASA-CE a oposição teria certamente dois deputados em Luanda. Separados, tiveram apenas um, pois os votos que não elegeram o deputado da segunda formação reforçaram o número de deputados do Partido da situação. Estes dois factores podem igualmente ser elencados como positivos no caso de uma Coligação. E este, é sem dúvida, o grande desafio para forças políticas, sobretudo, como o Bloco Democrático-BD, a CASA-CE e a UNITA.
Há, entretanto, vários constrangimentos. Desde logo nossa Lei Eleitoral é irracional e não flexível nesse domínio. Trata uma Coligação Eleitoral como se fosse um partido político, retirando a estes a personalidade parlamentar. Os partidos integrantes da CASA-CE não aparecem como tal no Parlamento, como acontece em Portugal ou em outra democracia. Nossa Lei eleitoral de 1992 permitia que os deputados e grupos parlamentares eleitos por uma Coligação agissem pelos respectivos partidos. A Coligação era mero expediente de potenciação eleitoral. Devido ao facto de, naquele ano, tal ter ocorrido com a Frente para a Democracia (FpD) o Presidente da República, que tem um ódio peculiar pelas lideranças desse partido, percursora do BD, baixou ordens para que o mesmo não entrasse com sua sigla para o Parlamento, havendo exigido que figurasse a sigla AD Coligação pela qual o Partido tinha concorrido e obtido o Deputado. Mais tarde, mandou adaptar a Lei a esta circunstância. Este aspecto retrai os partidos para uma Coligação em que, ademais, seus símbolos, bandeiras e nomes, já afirmados no mercado político, não podem aparecer, como sucede em qualquer país do mundo.
Acresce o facto de na situação actual o país ter já uma Coligação Eleitoral que se teria que desfazer para, enquanto partidos, os seus participantes integrarem uma nova coligação, ou, em contrapartida, todos os partidos entrarem para essa Coligação.
questões emocionais que precisam de ser geridas. Militantes há que lutaram por uma perspectiva de poder absoluto e que agora suspeitam ser esta a oportunidade. Em outros casos, as bases inter-partidárias ainda afectadas com o passado e com uma propaganda atroz contra a oposiçao não conseguem entender as novas tendências e puxar o processo para a frente. Há membros de certos partidos da oposição que adoptaram outras formações políticas e isto não ajuda o ambiente de “novas unidades”. Há partidos com maior capacidade eleitoral que outros.
Politicamente, quase todos os partidos pretendem fazer valer junto do eleitorado o seu peso específico, e há um entusiasmo latente nos partidos da oposição, apesar de saberem que nas actuais condições em que a democracia não impera, tal é praticamente impossível, pois eleições livres e justas pressupõem ambiente, instituições e espirito democrático prevalecentes. E só uma grande força pode ultrapassar as debilidades sistémicas e o golpe permanente.
Caso os partidos encontrem uma formulação que contrarie os constrangimentos duma Coligação precisariam de Acordar num programa comum, nos mecanismos de manutenção de suas dinâmicas de preservação como partido, bem como no método para o exercício da política.
Há, na realidade, muitos aspectos resultantes quer da prática parlamentar da oposição, quer da actividade dos partidos e mesmo de consensos esparsos da sociedade civil que poderiam constar numa agenda: A decisão dum Estado de Direito com separação efectiva de poderes, a alteração da Constituição retirando o poder de Decreto ao Presidente da República e outras questões pertinentes, a luta contra a corrupção e a criação de sistema de integridade na função pública, sector empresarial do estado e na sociedade, o combate contra a pobreza, as dotações orçamentais mínimas para a saúde, a educação e o apoio ao rendimento mínimo, a descentralização e o poder autárquico e uma política de Paz para a região que minimize o orçamento militar.
As outras alternativas: Acordo de Incidência Parlamentar antes e depois das Eleições
Se os partidos da oposição referidos não se coligarem que alternativas restam, mobilizadoras do eleitorado e na conquista democrática?
É a segunda questão. Os partidos podem fazer um Acordo de Incidência Parlamentar, antes das Eleições na base das questões atrás referidas. Isto permite assegurar algum entusiasmo no eleitorado no sentido de que votando no partido de sua preferência haverá uma possibilidade previsível de articulação politica no Parlamento. Os partidos poderão em caso de maioria parlamentar governar o país se um dos partidos vencer as eleições e, consequentemente, o Executivo, ou terem uma politica de resistência no Parlamento se tiveram a maioria mas não o Executivo. Este é o aspecto benéfico. O risco contudo, é que pode não se chegar lá porque não estando o voto concentrado, muitos deputados que poderiam pertencer à oposição serão do partido no poder e não há garantia de travar a abstenção do lado da oposição.
No caso destas duas modalidades (Coligação e Acordo pré-eleitoral) não poderem ser acordadas os partidos apostarão no seu peso específico no poder, via assembleia nacional, e podem fazer um acordo político pós-eleições. Esse modelo anunciado já pelo presidente da UNITA e provavelmente da preferência da CASA-CE e de outros políticos é, no contexto, o menos favorável a contribuir para a mudança. Se ocorre que um Partido ganhe, utilizará a mesma modalidade do partido da situação: convidar os outros com estatuto de menoridade, ou ter o apoio dos outros partidos para poder governar. Uma situação normal numa democracia estabelecida, mas difícil de se realizar com êxito em contextos com instituições fracas e onde a política intermedeia o acesso à riqueza.
Este é também um contexto em que o eleitorado vota não numa plataforma de unidade, mas nos projectos dos partidos políticos, onde cada um tentará maximizar as suas promessas, quando no país real só forças conjugadas estarão capazes de transforma-lo, uma tarefa ingente se avaliarmos com realismo o estado da Nação.
Os partidos da oposição estão mais apostados, embora sem unânimes internos, nessa última articulação. Isto é indubitável que favorece a manobra do partido da situação empenhado em mostrar que tem uma plataforma ampla e pede de joelhos ao eleitorado que lhe dê mais uma oportunidade de prosseguir a sua acumulação primitiva depredadora, a opressão sobre o povo e a repressão sobre os sectores frontais à sua política.
A Perspectiva Minimalista de Unidade
Resta como único processo de Unidade o controlo das eleições pela Verdade Eleitoral. É lógico que os partidos da oposição credível sabem que, serão prejudicados pela actuação fraudulenta do partido da situação, se unam nessa batalha com todas as suas forças para evitar que as eleições se transformem num espetáculo ridículo, promotor de pseudodemocracia. Os sinais devem ser dados desde já e em associação com todos os cidadãos que já perceberam que as eleições são o momento da sua soberania e os partidos políticos, seus meros intermediários. Dizer que as eleições estão ganhas pelo partido da situação por fraude é atirar a toalha ao tapete. É nestas circunstâncias que faz sentido afirmar que a democracia conquista-se. Só com o empenho de todos no controlo de todas as fases eleitorais e evitando na prática os golpes já habituais é que haverá a certeza que o voto colocado na urna para um determinado partido seja contado para o mesmo.
Nesse sentido, é preciso que os partidos da oposição saibam organizar o povo para não consentir manobras, o que significa que é preciso ter a força suficiente para não deixar que o processo avance sempre que se verifiquem situações que ponham em causa a sua seriedade e transparência.
Conclusão: O Grande Desafio
Se os partidos da oposição forem capazes de conjugar a luta pela Verdade Eleitoral à capacidade política de olhar para frente no interesse nacional estaremos em condições de evitar a reprodução do regime que precisa de ser desalojado para permitir a desejada transição democrática e o desenvolvimento social. É uma tarefa ingente, mas para grandes obras, só opções corajosas, determinadas e decididas.
Filomeno Vieira Lopes
(Membro da Comissão Política do Bloco Democrático e Coordenador do Gabinete Eleitoral)