Introdução
Angola, desde a
sua independência, tem sido governada por um Partido Político, quer por via
directa, quer de forma associada, mas sempre mantendo sua hegemonia política.
Por décadas tem experimentado todos os tipos de formas de governação, que nunca
trazem a prosperidade para os Angolanos, mas há sempre um denominador e
preocupação comuns: a permanência no PODER a todo o custo.
Filomeno Vieira Lopes
(Membro da Comissão Política do Bloco Democrático
e Coordenador do Gabinete Eleitoral)
Desde 1992 que o
país consentiu que o partido da situação fosse o “pivot” da transição
democrática, para superação do estado autoritário. Passados 25 anos, sendo 15
sobre o fim completo da guerra a democracia encontra-se bloqueada. As premissas
que suportavam a sua transição, como a abertura do espaço público, a liberdade
de imprensa, a liberdade de manifestação (um direito visceralmente não consentido
como provou a repressão sobre a última manifestação em 24 de Fevereiro) a
separação de poderes, a descentralização política e económica e a
despartidarização do Estado, das instituições e da sociedade, o respeito pela
Constituição e das leis ou não existem ou são meras caricaturas. Quando as
parcas liberdades são consentidas elas são submetidas a controlos e vigias do
poderoso aparelho de segurança que age de forma persecutória, a nível pessoal e
familiar e é um instrumento activo de contra informação e faz a gestão da
punição económica e de oportunidades dos “insurgentes”. É, na realidade, o
instrumento político mais preponderante.
Enquanto
condições mínimas, que dão decência à gestão do Estado, como prover água
potável, energia eléctrica, garantir rendimentos mínimos e um sistema de saúde
adequado, rendas acessíveis, saneamento básico, bilhete de identidade e gestão
simplificada de serviços públicos, não são realizadas, garantindo ao país o
estatuto de “estado delinquente” ou “estado falhado”, a corrupção grassa e
percorre todas as esferas do país e das instituições desde o tempo das guerras,
onde milhares de cidadãos deram a vida e hoje muitas das suas famílias estão
desgraçadas, passando pelos dias da fortuna das receitas petrolíferas até aos
dias de hoje. É algo sistémico, endémico, faz parte da natureza do poder e
justifica, em última instância, a razão da ausência da democracia e da
necessidade da repressão no país. É necessária e intrínseca, como afirmou o
Presidente da República por ser a forma moderna de se realizar a “acumulação
primitiva do capital”, o que implica a captura do estado por um conjunto
proeminentes de militantes do partido da situação.
A Mudança
é um Imperativo Nacional de Consenso
Por isto, a
impotência do actual poder em mexer nas bases da sua sustentação já não é uma
questão subjectiva, de voluntarismo, de liderança de JS ou de JL de enxertia de
VA ou de FH. O problema é que, excepto os exageros e os exotismos, que são
arestas no contexto, trata-se da natureza do regime, que, de outra forma, seria
posta em causa e cairia como um castelo de cartas. É um risco que o poder não
pode correr.
Isto traduz a
insustentabilidade do partido da situação em operar uma transição democrática
associada ao bem-estar dos cidadãos. Pensar o contrário apenas apanha de
surpresa os incautos nos períodos de contenda eleitoral.
Às portas das
eleições, entretanto, cresce o descontentamento popular contra o regime. Os
cidadãos de baixa renda, exactamente aqueles que mais filhos deram às guerras
angolanas, ganham crescente consciência da natureza da sua desgraça quotidiana,
desde a falta de energia ao desemprego e sem apoios de saúde. A própria classe
economicamente média, parte da qual sustentáculo da família extensa, enfrenta
não só problemas relacionados com a falta de divisas, como da desorganização
reinante e, agora, com o desemprego nas petrolíferas, na construção civil e em
outros serviços de mão-de-obra qualificada. A maioria dos empresários precisa
de estar ligada a mil liames ao poder para, como água, esgueirarem-se entre
pedras e montanhas e encontrarem o seu caminho de sobrevivência.
Há pois um
consenso, cada vez mais alargado, sobre a mudança como imperativo nacional. E a
Mudança não tem que ser uma palavra mágica. Tem, com efeito, um significado
preciso e simples: Constituição de um ESTADO DE DIREITO, onde a separação de
poderes é clara, as oportunidades são iguais para todos e onde seja possível
combater a pobreza, promover o desenvolvimento, cuidar da saúde e da educação,
ter um saneamento básico decente e cada pessoa sentir-se como um cidadão. Eis
pois o grande desafio que se coloca à Nação Angolana nos próximos 5 anos para
abrir então condições para fazer florescer projectos mais audazes
posteriormente de confronto entre as várias visões partidárias. Por ora, a
imagem que se sente é que o país está num colete-de-forças do qual se pretende
libertar.
Os agentes
da Mudança e as eleições
Uma vez que o
partido dominante não oferece condições de prosseguir a transição democrática,
resta a oposição essa tarefa, conjugado com os sectores da sociedade civil, que
politicamente em consciência se afastam das ilusões dimanadas pelo poder
secular e se coloca como veículo dessa transformação. É evidente que as lutas
nos mais variados campos, contra o esbulho de terras e destruição de habitação,
contra os despedimentos sem justa causa, por melhoria nas condições dos
professores e para transporte e melhores condições para os estudantes, por
eleições sem mácula protagonizada pelos revús, por estacionamento adequado e
actualização de tarifas clamada pelos taxistas, contra os arbítrios, não se
encontram com suficiente grau de articulação entre si, nem são ainda um caudal
de resistência unido, por insuficiente consciência politica, pouco ajudada
pelos partidos políticos da oposição.
Muitos cidadãos
depositam nas próximas eleições a possibilidade da Mudança, apesar da
relutância no Registo também estar relacionada com a crença de que a fraude é
um elemento de legitimação do poder. Mas a grande maioria desses eleitores só
acredita na mudança se os partidos da oposição se unirem, em Coligação das
forças credíveis. E aqui se encontra o busílis da questão. Há razões de
fundo que justificam mas há constrangimentos naturais de ordem legal, emocional
e política, que só são ultrapassáveis com uma indomável visão, vontade e
“expertise” políticas dos agentes envolvidos, um enorme amor pela Nação e um
grande desprendimento pessoal.
É evidente que os
eleitores veem sobretudo o facto de que para quebrar a margem de manobra do
partido da situação, só a unidade pode contribuir para uma alternativa de
poder.
Contudo, há
outros elementos que podem ser estudados e solidificam essa percepção dos
eleitores.
Aspectos
positivos e constrangimentos duma Coligação
A Democratização
do país, distinguindo-se naturalmente do mero Multipartidarismo
Parlamentar, é um processo de abertura efectiva, de compromissos de forças
diferentes e dessas com a sociedade, baseadas na soberania desta. Uma das
razões que vem justificando regimes musculados no país é que a hegemonia dum só
partido acaba por não criar compromissos com ninguém. Um poder de compromisso
inter-partidário tem maior capacidade de pressão para abrir a sociedade e
permitir a democratização do país. Pode criar igualmente um sistema de autovigilância
interna, permitindo que tendências não democráticas que possam surgir sejam
mais facilmente combatidas, numa espécie de “chek and balance” mútuo.
Um outro aspecto
positivo será a capacidade de conciliação e reconciliação nacional. O
espectro das forças de oposição, no poder, abre caminho para uma conciliação
nacional, entendida como a reformatação do projecto nacional por todas as
entidades vivas, debate nunca feito pelo partido da situação, como também
integrar milhões de seres, hoje marginalizados e com mágoas (incluindo
emigrantes) devido a posições políticas contrárias, no processo duma verdadeira
cidadania. Abre igualmente caminho para uma discussão ampla sobre os casos
particulares de Cabinda e das Lundas, cujas forças vivas poderiam, desde já, contribuir
para a mudança nessas eleições.
É líquido que tal
situação pressupõe já a pedra de toque das democracias: a restauração das
liberdades, o que dá aos novos opositores garantia de se manifestarem pelas
mais diversas formas e transformar a sociedade numa força motriz do processo
político.
De resto, as valências
para uma governação transformadora exigem múltiplas componentes, desde a
capacidade de mobilização no terreno, a formulação duma proposta política que
supere o descontentamento, as abordagens participativas, qualidades que só se
encontram no conjunto dos partidas e na sociedade civil.
A existência duma
Coligação das oposições conduziria desde logo maior entusiasmo pelas
eleições, tornando o processo mais participativo. Para além da suspeita da fraude,
a abstenção na oposição dever-se-á ao certo a ausência de forças coligadas. Até
porque a Unidade de forças concentra votos, torna o voto útil e permite
obter mais deputados. Nas eleições precedentes se a UNITA se juntasse à CASA-CE
a oposição teria certamente dois deputados em Luanda. Separados, tiveram apenas
um, pois os votos que não elegeram o deputado da segunda formação reforçaram o
número de deputados do Partido da situação. Estes dois factores podem
igualmente ser elencados como positivos no caso de uma Coligação. E este, é sem
dúvida, o grande desafio para forças políticas, sobretudo, como o Bloco
Democrático-BD, a CASA-CE e a UNITA.
Há, entretanto,
vários constrangimentos. Desde logo nossa Lei Eleitoral é irracional e
não flexível nesse domínio. Trata uma Coligação Eleitoral como se fosse um
partido político, retirando a estes a personalidade parlamentar. Os partidos
integrantes da CASA-CE não aparecem como tal no Parlamento, como acontece em
Portugal ou em outra democracia. Nossa Lei eleitoral de 1992 permitia que os
deputados e grupos parlamentares eleitos por uma Coligação agissem pelos
respectivos partidos. A Coligação era mero expediente de potenciação eleitoral.
Devido ao facto de, naquele ano, tal ter ocorrido com a Frente para a Democracia
(FpD) o Presidente da República, que tem um ódio peculiar pelas lideranças
desse partido, percursora do BD, baixou ordens para que o mesmo não entrasse
com sua sigla para o Parlamento, havendo exigido que figurasse a sigla AD
Coligação pela qual o Partido tinha concorrido e obtido o Deputado. Mais tarde,
mandou adaptar a Lei a esta circunstância. Este aspecto retrai os partidos para
uma Coligação em que, ademais, seus símbolos, bandeiras e nomes, já afirmados
no mercado político, não podem aparecer, como sucede em qualquer país do mundo.
Acresce o facto
de na situação actual o país ter já uma Coligação Eleitoral que se teria que
desfazer para, enquanto partidos, os seus participantes integrarem uma nova
coligação, ou, em contrapartida, todos os partidos entrarem para essa
Coligação.
Há questões
emocionais que precisam de ser geridas. Militantes há que lutaram por uma
perspectiva de poder absoluto e que agora suspeitam ser esta a oportunidade. Em
outros casos, as bases inter-partidárias ainda afectadas com o passado e com
uma propaganda atroz contra a oposiçao não conseguem entender as novas
tendências e puxar o processo para a frente. Há membros de certos partidos da
oposição que adoptaram outras formações políticas e isto não ajuda o ambiente
de “novas unidades”. Há partidos com maior capacidade eleitoral que outros.
Politicamente, quase todos os partidos pretendem fazer valer junto do
eleitorado o seu peso específico, e há um entusiasmo latente nos partidos da
oposição, apesar de saberem que nas actuais condições em que a democracia não
impera, tal é praticamente impossível, pois eleições livres e justas pressupõem
ambiente, instituições e espirito democrático prevalecentes. E só uma grande
força pode ultrapassar as debilidades sistémicas e o golpe permanente.
Caso os partidos
encontrem uma formulação que contrarie os constrangimentos duma Coligação
precisariam de Acordar num programa comum, nos mecanismos de manutenção
de suas dinâmicas de preservação como partido, bem como no método para o
exercício da política.
Há, na realidade,
muitos aspectos resultantes quer da prática parlamentar da oposição, quer da
actividade dos partidos e mesmo de consensos esparsos da sociedade civil que
poderiam constar numa agenda: A decisão dum Estado de Direito com separação efectiva
de poderes, a alteração da Constituição retirando o poder de Decreto ao
Presidente da República e outras questões pertinentes, a luta contra a
corrupção e a criação de sistema de integridade na função pública, sector
empresarial do estado e na sociedade, o combate contra a pobreza, as dotações
orçamentais mínimas para a saúde, a educação e o apoio ao rendimento mínimo, a
descentralização e o poder autárquico e uma política de Paz para a região que
minimize o orçamento militar.
As outras
alternativas: Acordo de Incidência Parlamentar antes e depois das Eleições
Se os partidos da
oposição referidos não se coligarem que alternativas restam, mobilizadoras do
eleitorado e na conquista democrática?
É a segunda
questão. Os partidos podem fazer um Acordo de Incidência Parlamentar, antes
das Eleições na base das questões atrás referidas. Isto permite assegurar
algum entusiasmo no eleitorado no sentido de que votando no partido de sua
preferência haverá uma possibilidade previsível de articulação politica no Parlamento.
Os partidos poderão em caso de maioria parlamentar governar o país se um dos
partidos vencer as eleições e, consequentemente, o Executivo, ou terem uma
politica de resistência no Parlamento se tiveram a maioria mas não o Executivo.
Este é o aspecto benéfico. O risco contudo, é que pode não se chegar lá porque
não estando o voto concentrado, muitos deputados que poderiam pertencer à
oposição serão do partido no poder e não há garantia de travar a abstenção do
lado da oposição.
No caso destas
duas modalidades (Coligação e Acordo pré-eleitoral) não poderem ser acordadas
os partidos apostarão no seu peso específico no poder, via assembleia nacional,
e podem fazer um acordo político pós-eleições. Esse modelo anunciado já
pelo presidente da UNITA e provavelmente da preferência da CASA-CE e de outros
políticos é, no contexto, o menos favorável a contribuir para a mudança. Se
ocorre que um Partido ganhe, utilizará a mesma modalidade do partido da
situação: convidar os outros com estatuto de menoridade, ou ter o apoio dos
outros partidos para poder governar. Uma situação normal numa democracia
estabelecida, mas difícil de se realizar com êxito em contextos com
instituições fracas e onde a política intermedeia o acesso à riqueza.
Este é também um
contexto em que o eleitorado vota não numa plataforma de unidade, mas nos
projectos dos partidos políticos, onde cada um tentará maximizar as suas
promessas, quando no país real só forças conjugadas estarão capazes de
transforma-lo, uma tarefa ingente se avaliarmos com realismo o estado da Nação.
Os partidos da
oposição estão mais apostados, embora sem unânimes internos, nessa última
articulação. Isto é indubitável que favorece a manobra do partido da situação
empenhado em mostrar que tem uma plataforma ampla e pede de joelhos ao
eleitorado que lhe dê mais uma oportunidade de prosseguir a sua acumulação
primitiva depredadora, a opressão sobre o povo e a repressão sobre os sectores
frontais à sua política.
A
Perspectiva Minimalista de Unidade
Resta como único
processo de Unidade o controlo das eleições pela Verdade Eleitoral. É lógico
que os partidos da oposição credível sabem que, serão prejudicados pela
actuação fraudulenta do partido da situação, se unam nessa batalha com todas as
suas forças para evitar que as eleições se transformem num espetáculo ridículo,
promotor de pseudodemocracia. Os sinais devem ser dados desde já e em
associação com todos os cidadãos que já perceberam que as eleições são o
momento da sua soberania e os partidos políticos, seus meros intermediários.
Dizer que as eleições estão ganhas pelo partido da situação por fraude é atirar
a toalha ao tapete. É nestas circunstâncias que faz sentido afirmar que a
democracia conquista-se. Só com o empenho de todos no controlo de todas as
fases eleitorais e evitando na prática os golpes já habituais é que haverá a
certeza que o voto colocado na urna para um determinado partido seja contado
para o mesmo.
Nesse sentido, é
preciso que os partidos da oposição saibam organizar o povo para não consentir
manobras, o que significa que é preciso ter a força suficiente para não deixar
que o processo avance sempre que se verifiquem situações que ponham em causa a
sua seriedade e transparência.
Conclusão:
O Grande Desafio
Se os partidos da
oposição forem capazes de conjugar a luta pela Verdade Eleitoral à capacidade
política de olhar para frente no interesse nacional estaremos em condições de
evitar a reprodução do regime que precisa de ser desalojado para permitir a
desejada transição democrática e o desenvolvimento social. É uma tarefa
ingente, mas para grandes obras, só opções corajosas, determinadas e decididas.
Filomeno
Vieira Lopes
(Membro da
Comissão Política do Bloco Democrático e Coordenador do Gabinete Eleitoral)
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