Camilla Costa Da
BBC Brasil em São Paulo
Considerada nos
últimos anos uma espécie de "Eldorado" para os brasileiros,
especialmente no setor da construção civil, Angola sofre uma
"debandada" de mão de obra estrangeira desde o início de 2015,
segundo profissionais ouvidos pela BBC Brasil.
A queda no preço
internacional do petróleo, principal produto de exportação do país, provocou
duros cortes no orçamento do governo e gerou um efeito em cascata que culminou
em demissões em empresas.
A paraense
Flavia*, de 28 anos, trabalhava há mais de três anos em uma empresa brasileira
de fiscalização de obras e retornou ao Brasil no início de março, após ser
demitida. "Tivemos um quadro bem significativo de demissões na área
técnica por conta da crise. Já viemos embora uns 40 funcionários, cerca de 30%
do quadro total de expatriados", disse à BBC Brasil.
A justificativa
para os cortes, segundo Flavia, foi o acúmulo de não pagamentos por parte do
governo pelas obras que a empresa supervisionava – construção de estradas,
edifícios e casas populares. "Isso já vinha acontecendo há alguns meses,
mas às vezes uma obra pagava e cobria as outras. Mas chegou o momento que
nenhuma delas estava pagando."
Atualmente há cerca
de 9 mil brasileiros trabalhando no país, segundo estimativas da Associação de
Executivos e Empresários Brasileiros em Angola (Aebran), que reúne
representantes de cerca de 70 empresas.
Segundo o
presidente da Associação, Cleber Correia, o número de brasileiros chegou a 20
mil em 2008, no que considera "os tempos áureos" da chegada de
profissionais estrangeiros ao país. A embaixada brasileira em Luanda afirma não
ter números oficiais.
Em comunidades
de expatriados no Facebook, que chegam a reunir até 8 mil pessoas, é comum
encontrar profissionais vendendo móveis ou buscando trocar dinheiro para deixar
o país. Profissionais entrevistados pela BBC Brasil dizem ter acompanhado a
demissão de grande parte de suas equipes.
Correia, que
também é sócio de uma imobiliária, afirma que mais profissionais têm deixado o
país desde janeiro.
"Estamos
entregando casas aqui a torto e a direito, tanto de brasileiros quanto de
outros profissionais estrangeiros. Está havendo uma debandada geral",
disse à BBC Brasil.
"Havia muita
procura por guesthouses (casas transformadas em pensões), que eram
arrendadas para as empresas para abrigarem os funcionários. Hoje, no grupo de
corretores em que estou no Whatsapp, vemos um por dia dizendo que há guesthouses
disponíveis. Isso era ouro, não se encontrava antes."
Corrida pelo
dólar
Antes de ser
demitida, Flavia já enfrentava os efeitos da crise ao tentar transferir parte
do seu salário para pagar as contas de familiares no Brasil – com a queda do
preço do petróleo, diminuíram rapidamente as reservas de dólares do governo
angolano, que impôs uma série de restrições para as transferências
internacionais.
"Antes
podíamos receber em dólar, mas no meio do ano passado, o governo obrigou as
empresas a pagarem na moeda local, o kwanza. Logo que isso aconteceu, as casas
de câmbio mudavam todos os dias o limite de dinheiro que podíamos enviar ao
Brasil. Depois, passaram a não aceitar que estrangeiros mandassem, só
angolanos", conta.
"Em
dezembro, meu motorista foi umas 15 vezes à casa de câmbio e não conseguia
mandar nada. Como muitas pessoas, tive que pedir a quem estivesse indo de
férias ao Brasil que levasse dinheiro para mim, mas o dólar sumiu dos bancos.
Era mais fácil encontrá-lo no mercado negro, só que era bem mais caro."
Os obstáculos
para enviar dinheiro diretamente pelos bancos também cresceram, para evitar a evasão
de dólares do país. O tempo de envio nos bancos, que já era maior do que o das
casas de câmbio, aumentou de dias para, em alguns casos, até três meses.
Cleber Correia,
da Aebran, diz que as medidas do governo em relação ao câmbio provocaram uma
corrida aos bancos, que pode ter precipitado a saída de alguns dos
profissionais. "Quando se falou das dificuldades cambiais, em dezembro,
todo mundo foi ao banco e queria dólar para transferir. Foi um estouro de
boiada", afirma.
"Isso foi o
que realmente assustou, nos pareceu que as medidas foram um tanto abruptas. Mas
quando você olha para os níveis de reserva no país, é realmente uma situação
que exige certa rapidez."
Apesar de viver
há 11 anos no país, Correia também transfere regularmente dinheiro para familiares.
Sua solução foi adquirir um cartão de débito pré-pago, que foi enviado pelo
correio ao Brasil. "Carrego o cartão aqui em kwanza e a família pode sacar
lá, em reais".
Segundo o
economista Carlos Rosado de Carvalho, da Universidade Católica de Luanda, as
reservas de dólares angolanas baixaram cerca de 60%, o que equivale à queda no
preço do petróleo desde setembro de 2014. Isso acontece porque, em geral, mais
de 95% das exportações do país são de petróleo.
"Temos aqui
dois tipos de problema: por um lado, a dificuldade de fazer as transferências
pelo sistema bancário. Depois tem a desvalorização do kwanza. Quando isso
acontece, significa que seu salário fica mais baixo. Temos aqui muita imigração
sem família, as pessoas vêm para trabalhar. E mandar dinheiro para casa com
regularidade é fundamental", disse à BBC Brasil.
O Ministérios da
Economia e das Finanças de Angola não responderam aos pedidos de informação e
entrevista da BBC Brasil.
'Petrodependência'
Segundo Carlos
Rosado, o "efeito dominó" da queda mais recente do preço do barril de
petróleo – de US$ 100 em junho de 2014 a US$ 47 em março de 2015 – pode ser uma
oportunidade para que o governo busque políticas para diversificar a economia
do país.
"Angola é
uma economia muito dependente do petróleo. Entre 60% e 80% das receitas vêm
daí. Quando o preço do petróleo cai, isso tem consequências gravíssimas para o
Orçamento Geral do Estado", explica.
"Esta
petrodependência não é uma doença, é um sintoma da falta de competitividade da
economia. Isso (a crise) pode ser positivo para fazer com que as autoridades
finalmente adotem as políticas corretas para promover a diversificação da
economia.”
De acordo com
Rosado, o governo fez um corte de 25% na despesa pública em relação ao
orçamento de 2014. O investimento também diminuiu em 50%, o que explica a
decisão de parar obras públicas.
Cleber Correia
afirma que a interrupção das obras fez com que empreiteiras associadas à Aebran
reduzissem "substancialmente o seu quadro de funcionários". Entre
elas estariam Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez
"As grandes
empresas sofreram e, por tabela, as empresas satélites também. Há um impacto no
setor imobiliário porque, com a desativação dos postos de trabalho, os
funcionários voltam para seus países e entregam os imóveis. No supermercado
você também vai e não encontra mais tudo o que achava antes."
Em nota à BBC
Brasil, a Odebrecht negou que tenha realizado demissões em massa e afirmou que
"os recentes desligamentos ocorridos são pontuais e resultam do processo
cíclico, inerente ao setor da construção civil, de desmobilização e mobilização
de trabalhadores, à medida que são iniciadas ou concluídas obras".
Segundo a
empresa, 85 funcionários expatriados foram demitidos desde dezembro de 2014 e
outros 37 foram contratados.
Já a Andrade
Gutierrez afirmou em nota que seus projetos em países africanos, incluindo
Angola, "seguem cronograma e escopo definidos pelos clientes
normalmente".
Procurada pela
BBC Brasil, a Camargo Corrêa afirmou que "a informação não procede".
A Queiroz Galvão, por sua vez, afirmou que não se pronunciará sobre o assunto.
Expectativa de
volta
Dennys Sousa, administrador pernambucano
de 33 anos, trabalhava na Queiroz Galvão, em Angola, há cinco anos e foi
demitido em janeiro. "A empresa sempre colocava o dinheiro dela na frente,
para esperar o do governo. Mas chegou um momento em que o governo não conseguia
mais pagar. Vi funcionários com 15 anos de empresa serem demitidos",
disse.
Apesar de ter considerado a volta para o
Brasil "um alento" por estar novamente perto da família, Sousa diz
ter vontade de voltar a trabalhar em Angola. Assim como outros colegas
demitidos, ele diz ter dificuldades de encontrar emprego no Brasil.
"A empresa dava uma estrutura muito
boa para a gente. Tínhamos internet, TV a cabo, chuveiro quente, empregada. Me
identifiquei muito com aquele povo. Sinto até saudades."
Ele reconhece, no entanto, que os
privilégios dos funcionários estrangeiros são distantes da realidade dos
locais. "Eu morava em um bairro bom, que tinha estrutura. Mas quando se
chega à periferia, as coisas ficam muito complicadas. Faltava energia elétrica,
mas nossos condomínios tinham geradores, então não sentíamos muito. Faltava
água, mas o condomínio comprava carros-pipa."
Flavia também espera voltar para Angola.
Ela pediu que o nome da empresa em que trabalhava não fosse citado na
reportagem, porque tem esperança de ser contratada novamente quando a economia
angolana se recuperar.
"Eu não queria voltar para o
Brasil. As condições de trabalho eram muito boas, aqui jamais teremos os
salários que tínhamos lá. As dificuldades existiam, mas sabíamos que não iriam
durar para sempre porque o país precisa se desenvolver", diz.
Segundo Flavia, o mercado de trabalho
brasileiro também não tem recebido bem os ex-expatriados, especialmente os
vindos da construção civil.
"Temos um grupo no Whatsapp dos
colegas que voltaram e estávamos comentando que é muita gente voltando ao mesmo
tempo para uma mesma área, a construção civil. A procura fica muito grande e a
oferta está bem baixa."
Mas para Cleber Correira, da Aebran,
pode demorar mais do que alguns meses para que as empresas recuperem seus
quadros no país. "A gente prevê que essa dispensa de funcionários vá até
julho, porque elas demitem em etapas", diz.
"Em outros períodos de crise,
algumas empresas aguentaram ou, se dispensaram, logo contrataram novamente.
Nesse caso, eu entendo que não vai haver uma contratação tão rápida. Eu acompanhei
a demissão de funcionários dessas empreiteiras com 10 anos, até 17 anos de
Angola."
Ele acredita, no entanto, que a crise
traz oportunidades para empresários na área de agricultura e da pecuária.
"Na última crise, o governo
aprendeu a lição e mexeu onde precisava mexer. Angola é um país viável para os
brasileiros. Senão, não estávamos aqui com nossas famílias."
*Nome trocado a pedido da
entrevistada.
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