terça-feira, 27 de outubro de 2015

Conselho Unânime ao Presidente: Liberdade, Já. Rafael Marques de Morais




Neste momento, amigos e inimigos do presidente José Eduardo dos Santos terão um mesmo conselho para lhe dar: que liberte de imediato os jovens activistas detidos.
Tanto em Angola como no resto do mundo, a libertação destes jovens é para muitos um dever humanitário, tanto mais urgente quanto a vida de Luaty Beirão se torna cada vez mais frágil.

MAKAANGOLA

Mas também para aqueles que são mais próximos do presidente - pelo menos para aqueles que têm visão política e querem de facto proteger a posição de JES – a única saída benéfica para o presidente é a libertação imediata.
Se Luaty morrer, ele não será apenas um mártir, será também o catalisador da força e do poder da juventude, que se virará contra o presidente de forma virulenta. E desta vez o mundo estará do lado certo, ao lado da liberdade de consciência e dos angolanos de bem.
Têm surgido ultimamente argumentos segundo os quais não cabe ao presidente tomar uma decisão neste caso, tendo em conta a suposta independência do sistema judicial. Esse argumento não tem substância legal, como se verá já de seguida, nem substância material, tendo em conta que a ingerência do poder presidencial em assuntos jurídicos é uma constante na vida nacional.
Aliás, este caso, como tantos outros casos de detenções ilegais, é em primeiro lugar e acima de tudo um caso político.
Desde logo, a Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República de Angola estabelece, no seu artigo 8º, 1º (sobre nomeação e mandatos), que “o Procurador-Geral da República [PGR] recebe instruções directas do Presidente da República, no âmbito da representação do Estado”.
Assim se percebe que o procurador-geral da República, quando acusou os 15 activistas de rebelião e atentado contra o presidente da República, agiu sob instruções directas de José Eduardo dos Santos.
É portanto seguro afirmar que, tal como coube ao presidente ordenar a detenção irresponsável e mirabolante dos jovens, cabe também ao presidente ordenar a sua libertação.
Quanto mais se prolonga a perseverante e intransigente greve de fome de Luaty Beirão, através da qual reivindica a sua libertação e a dos seus companheiros, mais se revela a insensibilidade humana do presidente. Um cidadão intransigente luta contra um presidente obcecado pelo poder.
Dos 15 activistas presos, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Mbanza Hamza, Nito Alves, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Luaty Beirão, contam com dezenas de actos de tortura às mãos da polícia e das forças de segurança, bem como inúmeras detenções arbitrárias. A procuradoria e os tribunais sempre agiram contra os direitos humanos, procurando apenas respeitar as “ordens superiores” dos que governam e sobretudo de quem os instrui directamente: o presidente da República.
Sabe-se, à partida, que a trama inicial de acusar os jovens de preparação de golpe de Estado, como afirmou publicamente o procurador-geral, general João Maria de Sousa, partiu do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM). O Maka Angola soube também que o chefe da Direcção Principal de Contra-Inteligência Militar, tenente-general José Afonso Peres "Filó", terá pedido demissão por ter sentido a falta de apoio do chefe do SISM, general Zé Maria, com o fracasso da operação. A detenção dos jovens expôs o presidente ao ridículo internacional.
Com humildade, no âmbito dos seus poderes legais, o presidente pode e deve ordenar directamente ao procurador-geral que retire as acusações contra os jovens e assim salvar a vida de Luaty Beirão. O presidente só tem a perder com a morte de Luaty Beirão, porque esta terá como consequência a sua morte política.
É possível que José Eduardo dos Santos decida continuar a ignorar os apelos nacionais e internacionais sobre o caso. Afinal de contas, tem o exemplo do activista político Manuel Hilberto de Carvalho Ganga, assassinado por um membro da Unidade de Segurança Presidencial (USP) e hoje praticamente esquecido, salvo entre a família e os amigos. Passados dois anos, o presidente não instruiu os órgãos judiciais para que julgassem o seu guarda, que matou o indefeso e pacifico Ganga com dois tiros. Recorde-se que o jovem morreu quando supervisionava a colagem de cartazes no Estádio dos Coqueiros. Os cartazes exigiam justiça para o caso dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule, assassinados por forças policiais e de segurança a 27 e 29 de Maio de 2012, por terem mobilizado ex-guardas presidenciais para uma manifestação de desmobilizados que reivindicavam pensões.
O presidente pode ainda pensar que o massacre do Monte Sumi, cometido pelas forças policiais e militares contra os peregrinos da Seita de Kalupeteka, a 16 de Abril passado, já está esquecido na memória dos angolanos.
O caso dos 15 é o somatório de todos os casos em que o presidente maltratou e desprezou a força e o poder da juventude. E isto o senhor presidente parece não compreender: este caso não é como outros. Este caso é o fim da linha. Se morrer, Luaty Beirão não será esquecido.
Os conselheiros do presidente têm agora de ser rápidos a inverter caminho. Usem da inteligência táctica e de algum sentido humanitário que lhes reste, e digam o que é preciso dizer ao presidente: que os jovens têm de ser libertados imediatamente.
Caso o presidente não oiça os seus conselheiros, então que se cheguem à frente os filhos. Isabel dos Santos, José Filomeno dos Santos (Zenú), Welwitchia José dos Santos (Tchizé), José Paulino dos Santos (Coréon Du): aconselhem o vosso pai a ser pai, a ser humano e a ceder, demonstrando aos cidadãos de todos os países que consegue vencer a sua própria obstinação.
Senhor presidente: liberte os jovens, junte-os todos numa casa de passagem, por mais umas semanas, para que possam recuperar, acalmar, conviver entre si e com os seus familiares. Será uma boa saída antes de regressarem às suas casas e às suas vidas, tão injustamente interrompidas pelas forças do MPLA.
Manter obstinadamente esta luta desigual com um “miúdo” igualmente obstinado como Luaty Beirão é, para além de injusto e cruel, um verdadeiro suicídio político.
O poder judicial é seu. Você decide


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Até 2021, o preço (petróleo) vai oscilar num intervalo entre os 50 e os 75 dólares.


O economista Alves Rocha critica a aproximação entre o Estado e a classe empresarial e diz que numa economia de mercado tal não deve acontecer. Afirma ainda que o Estado não pode contrair dívida pública para cobrir despesas de funcionamento
O professor da Uni­versidade Católica de Angola fala sobre a crise do petróleo e a falta de divisas no mercado angolano. Afirma que o Estado vai ter que diminuir bas­tante os funcionários públicos e que estes devem passar a viajar em classe económica.

ALVES  ROCHA
SEMANÁRIO ECONÓMICO

O director económico da BP, Da­le Spencer, disse que a crise pe­trolífera vai continuar por muito tempo. Como é que avalia esta situação?
No caso de Angola o que me preocupou tem a ver com duas coisas: primeiro, o preço do pe­tróleo porque, segundo o eco­nomista, até 2021, o preço vai oscilar num intervalo entre os 50 e os 75 dólares. Ora, até 2021, faltam seis anos, portanto es­ta previsão coloca o nosso país em grandes dificuldades finan­ceiras, e não apenas o Estado, porque o Estado é um elemento da economia. Entretanto, para que funcionemos precisamos de importações. Não há nenhum país do mundo que funciona sem importações de toda a na­tureza; importações de bens e serviços, alimentação e de ou­tras naturezas. Portanto, isso coloca-nos em grandes difi­culdades porque, até 2021, não vai haver hipótese de a fonte de petróleo que gera as recei­tas fiscais para a economia ser substituída por outra.
E os diamantes?
Os diamantes não têm nenhum peso relevante na economia de Angola. Os diamantes, segundo as contas do INE, pesam no PIB, na melhor das hipóteses, 1 a 2 %. Por exemplo, em termos de receitas de exportação, representam mil milhões de dólares, em termos de receitas do Estado, são 250 mi­lhões de dólares ao ano. E, quan­do a gente olha para a indústria petrolífera, os números são mul­tiplicados por 10, o que significa que com qualquer “trambolhão” na indústria petrolífera, Angola sofre com isso. Mas, para mim, neste momento, a questão já não é a crise económica e financeira porque a crise é já um dado adqui­rido, muito embora há quem diga que a crise é passageira.
Mas não é a primeira vez que An­gola entra em crise?
Esta deve ser a quarta ou a quin­ta vez, segundo os estudos que nós temos feito no CEIC e de que já publicámos alguns resultados relativos aos ciclos do preço do petróleo em Angola. Agora, o que parece é que não aprendemos com as outras crises porque não conseguimos construir alterna­tivas, não delineamos estratégias de precaução e, agora, a situação é esta.A partir do início deste ano deixou-se de falar em crescer mais para distribuir melhor -que era o grande slogan – para agora o slogan estar virado para a diversi­ficação da economia. Actualmen­te qualquer coisa que se faça está a contribuir para a diversificação da economia, só que, creio que a maior parte das pessoas não sabe o que é a diversificação. O CEIC vai publicar, em Janeiro do pró­ximo ano, um livro sobre a diver­sificação da economia angolana com cerca de 350 páginas fruto de um estudo de três anos com investigadores da Noruega.
E quais são os caminhos para a diversificação?
A diversificação exige dinheiro, que é o que neste momento não temos. A principal fonte de recei­tas não tem dinheiro para diversi­ficar a economia. A diversificação tem uma meta, uma estratégia, um modelo, é tudo isso que as pessoas não sabem como fazer para diversificar a economia.
Nós não aprendemos, porque já tivemos várias crises. Quan­do trabalhava no Ministério do Planeamento, tivemos meses em que o preço do petróleo bateu os 8 dólares, isto em Dezembro de 1998, e o governo não tinha dinheiro para pagar salários, e tínhamos, nessa altura, ainda a guerra.
O que diferencia estas crises?
A verdade é que esta crise é mais longa e mais profunda. Nas ou­tras crises, um ano depois, ou seis meses depois, o preço do pe­tróleo voltou a crescer e, como nós fizemos sempre como o “tio patinhas” – durante este tempo todo mergulhamos no petróleo, tínhamos petróleo, dinheiro, e não pensamos em mais nada – julgamos que a reconstrução da nossa economia se limitava a re­construção das infra-estruturas mas, não é nada disso e, agora, estão aí os resultados.
O que se espera para os próximos anos?
Esperam-se tempos difíceis e, co­mo aliás o conferencista disse, eu acho que agora Angola deve to­mar como modelo as petrolíferas e ajustar os seus custos. O Estado tem que tornar a sua actividade mais eficiente.
Como?
A nossa actividade do Estado é de uma ineficiência tremenda. O Es­tado gasta duas a três vezes mais do que aquilo que gastaria se fos­se mais eficiente. Nós temos que fazer um ajustamento na nossa economia proporcional à queda do preço do petróleo e, esse ajus­tamento, vai ser no investimento privado onde estão as petrolíferas, vai ser no consumo das famílias, vai ser na actividade do Estado, vai ser no funcionamento das em­presas.
As empresas privadas em Angola vão ter que ser muito mais efi­cientes e deixar de estar perma­nentemente à espera que o Estado faça tudo. A função do Estado não é ser empresário, a função do Es­tado numa economia de mercado é criar as condições para que o empresariado funcione.
Os desafios são enormes para o Estado, para os empresários e para as famílias. As pessoas vão-se interrogar sobre como é que a maior parte das famílias, cerca de 60% da população em Angola, vive no linear da pobreza. Estas pessoas têm de viver com menos de dois dólares por dia, isto são dados oficiais. Então, se tem de haver um ajustamento, como é que isso vai ficar?
Há dados informais da presença chinesa e vietnamita na venda de dólares no mercado informal?
Sim, em tempos disseram-me is­so. O BNA é a instituição no país que deve garantir a estabilidade monetária, portanto o BNA é que tem que ir pesquisar como é que isso acontece e onde é que estas pessoas vão buscar os dólares. O BNA é o fiscalizador, é o garante da estabilidade, o BNA é que tem que nos dizer o que é que se passa.
E a desvalorização do Kwanza?
A desvalorização no mercado pa­ralelo já está nos 125% (variação homóloga Setembro 2014/Setem­bro 2015) enquanto que nos ban­cos comerciais andará à volta dos 30%. Aí o BNA é que tem que dar resposta.
Não haverá aí um maior empe­nho dos bancos comerciais?
Eu não sei se há outras maneiras para a entrada de notas no país. Mas, havendo notas aqui em An­gola como em outros países, essas notas de dólares são importadas pelos bancos comerciais de acor­do com a autorização do BNA.
O BNA acertou nesta medida, olhando para a situação actual do país?
Ela depois foi ultrapassada por­que pensou-se que liberalizando a importação de notas de dólar se poderia tentar controlar a desva­lorização do kwanza. Mas, tal não está a acontecer porque as pes­soas também têm expectativas e sabem olhar para o comporta­mento do preço do petróleo. As pessoas aqui já compreenderam que a dependência de Angola das receitas do petróleo é total. Neste momento, as pessoas têm uma informação de como isso fun­ciona e, naturalmente, vão-se aproveitando das lacunas e das falhas que existem, e que foram causadas pela falta de divisas. Mas, neste momento, há outra matéria preocupante: a situação de crise está evidente embora o governo ainda não o tenha assu­mido de forma oficial, talvez isso aconteça com a ida do Presidente à Assembleia Nacional e no seu discurso sobre o Estado da Nação mas, agora, a questão é saber o porquê, como é que a gente che­gou aqui?
A razão mais próxima é a queda do preço do petróleo, ou haverá outra razão que não sabemos?
As receitas do petróleo que en­traram em Angola de 2002 a 2014 foram de 468 mil milhões de dólares. As receitas do Esta­do foram de 300 mil milhões de dólares. Os investimentos pú­blicos foram de 93,5 mil milhões de dólares. Então, o que é que se passou para estarmos hoje nesta situação?
Pode apontar algumas medidas?
É fazer como fazem as empresas, o Estado tem que actuar como se fosse uma empresa: reduzir cus­tos, aumentar a eficiência, criar as condições para que o investi­mento privado aconteça. E tem que haver uma grande vontade política para o fazer porque, há muitos interesses por aí.
Os empresários angolanos de­pendem muito do Estado, de­pendem muito dos favores, das compras do Estado, dependem muito do dinheiro do Estado e, isso assim não é uma economia de mercado.
Acha que a situação económica do país ainda vai piorar?
Eu acho que até ao final deste ano não há sinais de que as coisas possam ser diferentes. Os com­bustíveis e derivados de petróleo vão ser objecto de uma retirada total dos subsídios e, por isso, vai-se aumentar os preços do gasóleo, do petróleo, de ilumi­nação e outros.
O Governo está a pensar criar um imposto de consumo sobre os combustíveis e os derivados do petróleo, o que vai aumentar ainda mais os preços. Tudo isto sintetizado, vamos ter uma taxa de inflação até ao final do ano muito elevada.
Qual é a previsão da taxa de in­flação até ao final do ano?
A projecção do CEIC tinha sido de 12%, mas já revimos estas projecções e entendemos que os piores meses para a inflação es­tão para vir – estes meses são os de Novembro e Dezembro – e, portanto, a taxa de inflação pode chegar aos 15%, ou seja, com to­da esta situação, Angola vai vol­tar aos tempos da inflação a dois dígitos e enquanto esta situação não se alterar, porque só até 2021 é que o preço pode chegar aos 75 dólares, acho que estamos numa situação preocupante. O governo está a fazer o seu reajustamen­to orçamental, acho que o OGE para 2016 já está finalizado. A gestão da economia é uma tarefa difícil. O estado, através dos in­vestimentos públicos, pode es­timular a economia e o investi­mento público é um estimulador do investimento privado.
O Estado, para ajustar as suas despesas, tem que mexer nos investimentos públicos. O Esta­do vai ter que mexer nos salá­rios dos funcionários; o Estado não pode contrair dívida pública para cobrir despesas de funcio­namento.
A dívida pública não seria um caminho para aliviar a crise?
A dívida pública deve ser con­traída para que a economia crie condições para crescer e não para cobrir despesas de fun­cionamento. A dívida pública deve ser contraída para cobrir o investimento público porque é este que cria as condições pa­ra que o país cresça no futuro. Portanto, o Estado vai ter que ajustar os salários, o Estado está a fazer agora um trabalho de recadastramento dos funcio­nários por via biométrica por­que o FMI veio, mais uma vez, dizer que afinal continuam a existir trabalhadores fantasma – eu, de facto, nunca mais ti­nha ouvido falar disso porque foi há cerca de dez anos que o MAPTESS veio a público dizer que já tinha dado como ter­minado o processo de reclas­sificação e dava a sensação de que as fichas ficaram limpas. Os últimos dados que temos no Relatório Económico, e que são dados oficiais que foram retira­dos do INE, é que o Estado tem 420 mil funcionários. O Estado vai ter que diminuir bastante os funcionários públicos e, os funcionários vão ter que viajar em classe económica.
Será que isso vai acontecer?
Deveria acontecer.
Quando defende o reajusta­mento salarial refere-se a uma redução dos salários da função pública?
Os salários podem ser reduzi­dos de duas maneiras: de uma maneira nominal, que é o Es­tado por exemplo dizer que vai reduzir 10% nos salários ou, po­dem ser diminuídas do ponto de vista real, e para isso, o Estado não precisa fazer nada, basta não ser possível ao Estado controlar a taxa de inflação. Se a taxa de inflação continuar, os salários vão cada vez valer menos, com o mesmo salário vai-se com­prar em menores quantidades de produtos e de serviços e, isso, é uma maneira do Estado con­trolar os salários. Outra forma de contornar a crise, por exemplo, é o Estado, que criou imensos pa­trimónios empresariais, vender as empresas que criou, os pro­jectos porque, no fundo, ainda ninguém viu resultados disso e foi muito o dinheiro que se in­vestiu.
O Economista investigador
Quando se fala de economia em Angola, Manuel José Aves da Rocha dispensa apresentação. Natural da província de Malanje, é economista de formação, com pós-graduações em França nos domínios de modelos económicos e práticas económicas restritivas.
Na lista de vários cargos que ocupou, destaques para o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimentos onde colaborou em diversos trabalhos, também colaborou com a Organização Internacional do Trabalho e a CNUCED. Foi consultor técnico principal de diferentes organismos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) durante 10 anos e entre 2001 e 2008 trabalhou com a Comissão Europeia em Angola.
Actualmente, é director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) onde tem diferentes trabalhos de investigação sobre a realidade económica e social de Angola, e também de África, sendo que é autor de vários livros com destaques a Introdução à Economia Internacional e Integração Regional ; Economia e Sociedade em Angola ; As Desigualdades e Assimetrias Regionais em Angola ; Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana ; Angola: Estabilização, Reformas e Desenvolvimento; Por Onde Vai a Economia Angolana? ; Finanças Públicas; Os Limites do Crescimento Económico; Os Grandes Desafios da Economia Angolana até 2017 ; As Transformações Económicas Estruturais da África Subsariana; Salários, Distribuição do Rendimento e Crescimento Equitativo.
É membro da Academia de Ciências de Lisboa (Académico Correspondente), da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Senado da Universidade Católica de Angola, da Ordem dos Economistas Portugueses, da Canadian Association of African Studies (desde 1998), do Centro de Estudos Africanos do ISCTE (Portugal) .
É Professor Titular da Universidade Católica de Angola, onde é regente e lecciona as disciplinas de Finanças Públicas e Teoria da Integração Económica na Faculdade de Economia e Gestão. Entre 2001 e 2005 regeu a disciplina de Economia Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola. Exerceu funções de docência universitária na Faculdade de Economia da Universidade de Angola entre 1972 e 1977 e na Faculdade de Economia da Universidade de Évora (Portugal) entre 1979 e 1989


Ele manda em tudo. Marcolino Moco


Ex-PM diz que regime angolano "está encurralado" e "inventa crimes"

O ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considerou que o "regime angolano está encurralado" e "inventa crimes" que não estão tipificados na legislação em relação aos 15 ativistas que estão detidos, acusados de preparem um atentado contra o Presidente.
Em entrevista à agência Lusa, Marcolino Moco referiu que a detenção dos ativistas é "já um efeito de um regime que se proclamou democrático desde 1992 e cuja democracia devia ser consolidada após o fim da guerra civil, mas cujo caminho que foi seguido foi exatamente o contrário".

SAPO.PT

"Começou por se imprimir na ordem constitucional histórica uma ideia de pessoalização do regime e desde essa altura que eu chamei a atenção que esse tipo de regime iria conduzir a situações como esta", que mostra como "o regime está encurralado e inventa crimes que não estão tipificados na legislação angolana", disse.
Em setembro, o Ministério Público angolano acusou formalmente 15 ativistas de atos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano.
O caso tem motivado críticas de organizações internacionais, sobretudo desde a greve de fome do luso-angolano Luaty Beirão, há 26 dias.
Luaty Beirão é um dos rostos mais visíveis da contestação ao regime angolano. É filho de João Beirão, já falecido, que foi fundador e primeiro presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA), entre outras funções públicas, descrito por várias fontes como tendo sido sempre muito próximo do Presidente angolano.
Segundo Marcolino Moco, que foi também o primeiro secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre 1996 e 2000, estes jovens "estão a tentar exercer os direitos que estão consagrados na Constituição de 2010" e a quem "se prometeu tudo isso".
A Constituição "dá-lhe a ele [Presidente] muitos poderes -- ele manda na justiça, manda nas Forças Armadas, manda na polícia, manda em tudo - mas a Constituição consagra direitos, garantias e liberdades [...] e os jovens acham que devem exercer esses direitos", disse.
Para o ex-primeiro-ministro (1992-1996), a "indisposição" invocada na quinta-feira pelo Presidente para não comparecer, pela primeira vez desde que está no poder, no parlamento para o discurso do Estado da Nação, "é apenas uma forma de evitar olhar para os olhos das pessoas numa situação que artificialmente ele criou".
"Por um lado, aparentemente é um problema, mas para ele é mais uma forma de justificar a sua permanência" no poder, disse.
O ex-governante defendeu que "é preciso desbloquear o sistema, com José Eduardo dos Santos ou sem ele".
"O grande problema é que o sistema pretende afastar setores importantes da direção do país e grave ainda é que não há pudor nenhum em utilizar as riquezas do país para uma família e pouco mais perante a miséria terrível que se vive em Angola", referiu.
Considerando que os jovens que têm promovido manifestações contra o Governo de Eduardo dos Santos são "pessoas que deviam começar a assumir as responsabilidades do país", Marcolino Moco lamentou que o Presidente, "que tem 73 anos e está há 36 no poder", prefira "fazer este bloqueio à juventude", em vez de "participar numa solução".
Referindo que sempre evitou usar o termo ditadura para se referiu ao seu país, Marcolino Moco não hesitou hoje em recorrer a ele.
"Quando se está a deixar morrer um jovem na cadeia, que nome dar ao nosso sistema", questionou.
VM // PJA
Lusa/Fim


Réplica do presidente da Unita ao discurso do presidente da República


Réplica do presidente da Unita ao discurso do presidente da República


sobre o estado da nação. 19 de Outubro de 2015


Angolanas e angolanos
Cumpre-nos apresentar, no exercício do direito democrático de oposição, a nossa réplica política ao conteúdo da mensagem que o Senhor Presidente da República dirigiu à Nação na passada semana.
Em primeiro lugar, gostaria de desejar ao senhor Presidente da República votos de melhoras no seu estado de saúde.
Em segundo lugar, importa registar que o nosso país atravessa o pior momento da sua história de 13 anos de paz. As famílias estão em crise, a economia está em crise, as empresas estão em crise; a identidade nacional está em crise; a educação está em crise; a saúde está em crise; a justiça está em crise; a moral pública está em crise; o lixo está em crise, até a corrupção está em crise, porque muitos poderosos estrangeiros que fazem negócios corruptos com Angola estão a ser presos nos seus países.
Povo angolano:
O Senhor Presidente da República caracterizou o Parlamento como “a Casa da Democracia, local onde decorrem os principais debates sobre os assuntos mais candentes da vida nacional...”
Muitos Deputados ouviram incrédulos tal afirmação, porque sabem que o Parlamento não actua como um órgão efectivo de soberania. Temos um Parlamento asfixiado, impedido de exercer com eficácia as competências de controlo e fiscalização dos actos do Poder Executivo do Estado.
Os principais debates sobre os assuntos mais candentes da vida nacional não ocorrem no Parlamento entre os representantes da cidadania. Ocorrem num círculo muito restrito de pessoas, todas elas de um só Partido, aliados por interesses obscuros que colidem com os superiores interesses do povo soberano de Angola.
O Senhor Presidente sublinhou o cerne da sua mensagem quando afirmou que : “a situação política do nosso país é estável” e que “na generalidade, tem havido o cumprimento dos preceitos constitucionais e da Lei pelas instituições, pela sociedade e pelos cidadãos.”
Nós perguntamos:
Como podemos falar de estabilidade política quando na verdade o país tem presos políticos e o governo agride, prende e mata as pessoas
apenas por pensarem diferente? Como podemos falar de estabilidade política quando o governo leva a cabo permanentemente agressões politicamente motivadas contra o seu próprio povo?
A mensagem do Senhor Presidente afirmou ainda que “as entidades competentes têm tomado as providências necessárias para se evitarem ou repararem todos os actos que significam abusos do poder, violação dos direitos humanos ou do ordenamento jurídico estabelecido”.
Os angolanos ouviram incrédulos tais afirmações, proferidas no mesmo ano em que o Estado orquestrou o massacre de cidadãos no Monte Sumi, Província do Huambo e as organizações internacionais dos direitos humanos consideraram que "no último ano tem vindo a ocorrer uma escalada repressiva sem precedentes" em Angola e que as prisões dos activistas José Marcos Mavungo, condenado em Cabinda, Rafael Marques, condenado a pena suspensa em Luanda, e dos 16 jovens, "foram infundadas e totalmente arbitrárias.
“Essa situação não é compatível com o Estado de Direito e Democrático de Angola, nem com os pactos internacionais que o Estado angolano ratificou", afirmaram.
Os actos que significam abusos do poder ou violação do ordenamento jurídico estabelecido”, como referiu o Senhor Presidente da República não podem obviamente excluir os seguintes:
O enriquecimento de dia para noite dos principais dirigentes do país, quase todos de origem camponesa pobre e o seu silêncio cúmplice em face das violações endémicas dos direitos humanos;
A utilização pelo Estado de garantias soberanas e de fundos públicos para resgatar o crédito mal parado em bancos privados, que foram contraídos por entidades privadas, para enriquecimento privado e ilícito de um pequeno grupo de indivíduos, todos eles ligados ao poder político;
As desigualdades gritantes entre a grande maioria de cidadãos que é pobre, não tem água potável para beber, não tem um sistema de educação decente, morre de doenças evitáveis; e a minoria que se tornou milionária por desviar os fundos públicos que deveriam ser utilizados na saúde e na educação dos mais desfavorecidos.
A utilização, pelo Executivo, do sistema judicial para silenciar e intimidar os cidadãos, através de prisões, acusações ou sentenças por encomenda, executando ordens superiores.
Todos estes actos configuram abuso do poder e violação do ordenamento jurídico estabelecido.
De facto, o sistema revela-se impotente para assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e reprimir as violações da legalidade democrática.. Ou seja, o sistema não consegue pôr na cadeia aqueles que desviam os recursos públicos para enriquecimento ilícito, vivem do peculato e dirigem os esquema de corrupção. Não consegue!
No seu lugar, estão na cadeia jovens corajosos que denunciam as falhas do sistema e o confrontam no exercício do direito à liberdade de expressão, de reunião ou de manifestação, nos termos da Constituição e da lei.
Este quadro de abuso do poder e de violação permanente do ordenamento jurídico estabelecido é que caracteriza o estado da Nação.
Caros compatriotas:
Relativamente às eleições autárquicas previstas na Constituição desde 2010, o Senhor Presidente da República não mostrou interesse em convocá-las. Voltou a demonstrar a sua dificuldade em conviver com o poder autónomo dos cidadãos quando reafirmou a sua vontade de agendar as eleições autárquicas para um indefinido “tempo oportuno.”
Estamos de acordo com o Senhor Presidente quando afirma, e eu cito, “Não vale a pena procurarmos atalhos para chegar ao poder político, violando a Constituição e a Lei”.
Infelizmente é isto o que têm feito os serviços da Casa Militar do Presidente da República em cada ciclo eleitoral.
O Tribunal Supremo tem em mãos, há mais dois anos, evidências irrefutáveis de que os resultados eleitorais em Angola são preordenados e que os processos eleitorais fraudulentos, organizados e dirigidos pelos serviços do Senhor Presidente da República, não são mais que “atalhos” para se chegar ao poder político, violando a Constituição e a Lei”, como referiu o Senhor Presidente da República.
Os atalhos para 2017 incluem certamente a nova Lei do registo eleitoral, que atribui competências eleitorais ao seu proponente, o Titular do Poder Executivo, numa clara violação dos princípios da reserva da Constituição, da administração eleitoral independente e da supremacia da Constituição e legalidade, consagrados nos artigos 117º, 107º e 6º da Constituição.
Será esta a desordem e o caos referidos pelo Senhor Presidente da República? Se for, registe-se que não foram instalados em Angola pela oposição legítima, eleita pelos cidadãos, nem pelos activistas que estão presos sem culpa formada, nem por alegadas “entidades estrangeiras”, mas apenas pelos actuais detentores do poder.
Isto significa, prezados compatriotas, que à semelhança de outros regimes africanos, o regime angolano também pretende continuar a utilizar meios ilegítimos, manobras legislativas e outras formas não previstas nem conformes com a Constituição para manter-se no poder que ocupa nos últimos 36 anos.
Prezados Compatriotas:
Ao apreciar o estado da economia e das finanças públicas apresentado na mensagem do Senhor Presidente da República, é importante ter sempre presente que o Governo não produz nada. O Governo não é dono dos recursos de Angola. O petróleo é nosso; os diamantes são nossos. O dinheiro no BNA é nosso. As divisas são nossas! O Governo não tem nada que é dele. O Governo é um simples administrador dos recursos de todos. E a arte e privilégio de governar inclui o dever de usar os recursos públicos nunca para benefício pessoal dos governantes ou das suas famílias, mas para o benefício público. E disso deve o Governo prestar contas ao povo representado na Assembleia Nacional pelos seus deputados.
É nesse contexto de prestação de contas que a Constituição manda o Senhor Presidente da República, enquanto Administrador do dinheiro público, dirigir uma mensagem à Nação para explicar o estado real da economia e das finanças do país.
Em síntese, o Administrador do nosso dinheiro afirmou que, “a quebra do preço do petróleo, para além da redução substancial da despesa pública, implica também redução das receitas de exportação, o que faz diminuir a oferta de cambiais para os agentes económicos e tem um impacto directo no crescimento do PIB, gerando efeitos em toda a economia, em consequência das relações entre os diversos sectores”.
Disse ainda que, e eu cito, “nos últimos anos têm surgido alguns desafios, como a redução da acumulação de divisas que teve vários efeitos quase imediatos, quer na subida generalizada de preços, incluindo o preço da moeda nacional face ao dólar norte-americano, quer também no rendimento disponível da grande generalidade da população que sofreu uma quebra apreciável”.
Os peritos afirmam que estas palavras não informam com lisura, transparência e verdade a real causa da crise actual, porque há muito dinheiro do petróleo que foi guardado quando o preço do petróleo estava em alta e o Administrador desse dinheiro guardado não está a dizer onde está este nosso dinheiro.
Trata-se do Fundo do Diferencial do Preço do Petróleo.
Este Fundo é capitalizado com o excesso do preço de venda do petróleo relativamente ao preço de referência fiscal estabelecido no OGE. Nos últimos quatro anos, terão entrado para este Fundo cerca de $37 mil milhões de dólares.
Segundo os peritos, e com base na produção que se traduz em receitas fiscais para efeitos do OGE e nos preços realizados, foram colocados à guarda do Senhor Presidente da República $37 mil milhões de dólares, sendo $15,3 bilhões em 2011, $15,0 bilhões em 2012, $4,4 bilhões em 2013 e $ 2,3 bilhões em 2014.
Onde está esse dinheiro?
Além deste Fundo, Angola criou em 2011, através da Lei 26/10, de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento Geral do Estado para o Exercício Económico de 2011 (mantendo-se a disposição nas leis subsequentes) uma outra reserva que também ficou à guarda do Senhor Presidente da República. Chama-se Reserva Estratégica Financeira Petrolífera para Infraestruturas de Base.
Esta reserva é alimentada por uma parte da receita resultante dos direitos patrimoniais do Estado nas concessões petrolíferas. Segundo dados oficiais do Ministério das Finanças, nos últimos quatro anos, tal receita atingiu a cifra de $ 93 mil milhões de dólares, sendo:
2011 2012 2013 2014
Concessionária Sonangol
(Mil milhões USD 20.8 28.0 24.5 19.8
(Fonte: Ministério das Finanças - OGE)
Estes dois fundos somados totalizam cerca de 130 mil milhões de dólares. Este dinheiro é suficiente para o país todo viver bem durante mais de dez anos! Onde está esse nosso dinheiro?
Compatriotas:
As famílias estão a viver situações dramáticas com a falta de divisas. Os filhos que foram estudar estão a ser postos fora de casa porque não têm dinheiro pagar as rendas. Os que foram em tratamento médico estão a piorar não têm dinheiro para pagar as consultas. As empresas também não estão a receber divisas suficientes para honrar seus compromissos.
O Banco Nacional de Angola diz que vende as divisas aos bancos comerciais, mais de 300 milhões por semana. Os bancos comerciais, por sua vez, dizem que não recebem o suficiente. Quem está a dizer a verdade?
O povo não entende este jogo de empurra. Diz que os donos dos Bancos são os mesmos e o Chefe é um só. A verdade é que o dólar que no mercado oficial custa entre 135 a 140 Kwanzas, está a ser vendido nas ruas entre 223 a 230 Kwanzas, e já chegou a ser vendido a 300 Kwanzas. Onde é que vamos parar?
Há algumas perguntas que o Administrador das nossas divisas precisa de responder:
As Kinguilas dizem que existe uma rede de cambistas e especuladores que tem acesso aos leilões do BNA e tem poderes para não alimentar o mercado oficial e colocar as divisas nas ruas. Esta rede tem como principais agentes cambistas senegaleses, malianos, beninenses e congoleses, porque seus chefes não querem riscos e por isso evitam os angolanos. Estes cambistas estrangeiros, por sua vez, empregam a maior parte das kinguilas, que, por sinal, operam mesmo nas portas dos principais Bancos comerciais ante o olhar impávido da autoridade cambial.
O que diz o Senhor Presidente? Há algo de verdade nisso? Quem emite os vistos de residência desses cambistas? Quem retira as notas novas do sistema bancário para abastecer o mercado paralelo?
Para onde vão os milhões de kwanzas gerados pelas redes grossistas dos libaneses, brasileiros e portugueses e pelas redes retalhistas dos mamadous?
Quem controla a integridade das transações das casas de câmbio? Este E quão eficaz é este controlo? Haverá de facto empresas não financeiras que têm acesso directo ou indirecto ao leilão de divisas efetuado pelo BNA?
Tem de haver alguma relação entre a falta de divisas para as famílias e as empresas e o abastecimento do mercado negro com divisas retiradas do circuito oficial.
Muitos cidadãos atentos acreditam que há uma relação directa entre o desaparecimento dos dinheiros das reservas, a escassez de divisas nos Bancos e abastecimento regular do mercado paralelo de divisas. Acreditam que os chefes das redes são os mesmos e que o Administrador do nosso dinheiro deve saber alguma coisa!
Acreditam, no fundo, que estão a roubar demais, como diz o povo, e que o desaparecimento destes dinheiros constitui a verdadeira causa da crise financeira que o país vive e não apenas a baixa do preço do petróleo.
Este é o verdadeiro estado da Nação!
Ao mesmo tempo que os dinheiros desaparecem, durante os últimos anos, a imprensa internacional deu conta de vários ilícitos envolvendo o Executivo angolano ou seus parceiros. Por exemplo:
Angolanos ou seus agentes compraram no estrangeiro várias empresas, títulos, fábricas e outros activos por via de operações que configuram branqueamento de capitais.
Foram detidos, indiciados ou acusados de corrupção no Brasil, na Europa e na China altas personalidades que fazem ou fizeram negócios com o Presidente da República de Angola ou seus agentes.
A fuga de capitais ilicitamente exportados de Angola foi estimada em cerca de 15 mil milhões de dólares.
Foram aplicados em Portugal, por pessoas angolanas, nos últimos cinco anos, cerca de 17 mil milhões de dólares, ao passo que o investimento estrangeiro em Angola não passou de menos de 2 mil milhões.
Sabendo destas notícias, o Administrador ou gestor único dos fundos reservados, ordenou a alguns dos seus subordinados na Assembleia Nacional para questionar ao Tribunal Constitucional se era legítimo que alguém lhe perguntasse o destino desse dinheiro.
O Tribunal Constitucional, naturalmente, disse que não. Disse que, no exercício da competência de controlo e fiscalização, os deputados do povo, o dono do dinheiro, não podem fiscalizar os actos do Administrador do dinheiro do povo, colocando-o assim, praticamente, acima da Lei.
Este é o verdadeiro estado da Nação!
Importa recordar aqui, a propósito, o apelo que o Senhor Presidente fez no sentido de se “eliminar o desperdício e o supérfluo....para se tornar a despesa mais eficaz e eficiente”. Estamos de acordo com este apelo.
Porém, o Senhor Presidente terá gasto, durante os últimos anos, mais de trinta milhões de dólares com a realização de eventos de marketing político internacional, em Luanda e no estrangeiro. Destes, importa destacar o Fórum sobre Investimentos em Infraestruturas Urbanas em África, evento que contou com a participação de mais de 350 delegados de 20 países e 70 empresas nacionais e estrangeiras.
À margem deste fórum, foram atribuídos os prémios “Presidente José Eduardo dos Santos”, que, segundo o Ministro do Urbanismo e Habitação, pretendem exprimir o “reconhecimento por todo o esforço, toda a dedicação que o presidente de Angola trouxe àquilo que é o programa nacional de urbanismo e habitação...”
Muitos arquitetos, ambientalistas e profissionais do urbanismo que participaram do evento riram-se de nós, porque não temos sequer um Plano diretor para as nossas cidades, não conseguimos gerir as toneladas de lixo que produzimos todos os dias, não temos infraestruturas básicas para o fornecimento seguro de água potável e luz, não sabemos gerir e ordenar o tráfico rodoviário, desviamos o dinheiro público reservado para as infraestruturas e queremos ter a veleidade de colocar o nome do nosso presidente em prémios que distinguem a boa gestão de cidades...
E nisto o país gastou vários milhões de dólares!
Este é o tipo de desperdício e supérfluo que precisamos eliminar para se tornar a despesa mais eficaz e eficiente, como afirmou e bem o Senhor Presidente da República.
Angolanas e angolanos:
Relativamente à implementação do Programa Municipal Integrado de Desenvolvimento Rural e de Combate à Pobreza, incluindo, nomeadamente, os Programas de Cuidados Primários de Saúde nos Municípios, de Água para Todos e de Merenda Escolar, estamos convencidos que estes programas só terão sucesso se forem organizados, implementados e fiscalizados pelos próprios munícipes, através de representantes eleitos no quadro da autonomia do poder autárquico, nos termos da Constituição.
O Estado só conseguirá cumprir o dever de assegurar o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito e de tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde em todos os bairros, aldeias e comunas do país com o concurso das autarquias locais. Sozinho não consegue. Insistir na política de retardar as autarquias constitui mais um desperdício da receita pública.
Na sua mensagem à Nação, o Senhor Presidente da República disse-nos finalmente que contraiu créditos à China, não de 25 nem de 18 mil milhões de dólares, como se dizia, mas apenas no valor de aproximadamente 6 mil milhões de dólares, “destinados ao investimento público nos domínios da educação, saúde, água, energia eléctrica e estradas, para assegurar a execução de projetos identificados em 2016 e 2017”.
Mas não nos disse quais são nem de quem são as empresas privadas, angolanas e chinesas, que beneficiarão desse dinheiro. Nem nos disse que passos já deu para garantir a competitividade desta despesa e a fiscalização da qualidade das obras envolvidas.
No mesmo dia em que o Presidente revelou o valor do empréstimo da China, a imprensa internacional noticiou que o empresário Sam Pa, responsável da China Sonangol e um dos mais importantes intermediários nos negócios entre Angola e a China, foi detido em Pequim no âmbito de uma investigação contra a corrupção.
Perguntamos:
Quem vem a seguir? Há relação com o misterioso empréstimo?
Só o tempo dirá.
O Presidente apresentou também uma “previsão do aumento da captação do investimento privado estrangeiro de aproximadamente 10 mil milhões de dólares, nos próximos dois anos” e a criação de pelo menos “300 mil postos de trabalho”.
Perguntamos:
Com as ameaças que caracterizam o ambiente de negócios em Angola, onde os investidores não conseguem expatriar os lucros e as empresas dependem dos favores e do arbítrio do poder político para ter divisas e honrar os compromissos assumidos, quem é que vai sair do seu país para vir arriscar em Angola investimentos de 10 mil milhões de dólares fora do sector petrolífero?
Os empresários nacionais, por sua vez, precisam de um novo ambiente institucional para participarem mais ousadamente do desafio da industrialização de Angola. Infelizmente o Senhor Presidente da República não falou das potencialidades agro -industriais do país nem das medidas de política que tem em vista para a reestruturação do sistema produtivo. Temos de admitir que o modelo da acumulação primitiva de capital, por via de empresas que nada produzem mas que apenas servem de veículos para adjudicação de contratos públicos e recolha de comissões ou para simples comércio de produtos importados, falhou redondamente!
Precisamos de algo muito mais sério do que a simples diversificação da economia. Precisamos de definir a matriz industrial de Angola e os fundamentos de um programa nacional de industrialização de Angola, contando em primeiro lugar, com as nossas próprias forças.
Esta é uma exigência do actual estado da Nação!
Angolanas e angolanos:
É nossa convicção que o modelo de gestão do poder político e económico perseguido pelo regime do Presidente José Eduardo dos Santos falhou. A ideia força do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013- 2017 - Estabilidade, Crescimento e Emprego – também falhou.
Não se alcança a estabilidade económica sem se alcançar primeiro a estabilidade política. E quando digo estabilidade política, não quero confundir com a estabilidade militar, porque esta há muito que já foi alcançada. A estabilidade política só é usufruída pelos povos e governos que respeitam os direitos humanos, respeitam a supremacia da Constituição e a legalidade e combatem a corrupção.
Na República de uma só pessoa não pode haver estabilidade, porque não há outros poderes para limitar o poder. O Presidente governa como quer, não presta contas a ninguém e manipula as eleições como quer. O poder assim exercido é por natureza instável.
Angolanas e angolanos:
Apesar deste quadro, estou optimista sobre o futuro de Angola,, porque é grande o potencial de Angola e do seu povo. Contamos com o saber e a energia de todos para resgatar a Pátria, estimular a criatividade e construir instituições democráticas sólidas.
Estou optimista também porque este quadro aparentemente sombrio revela sinais importantes e irreversíveis de que a Mudança está a chegar.
A UNITA está a empreender um diálogo nacional, tanto aberto como discreto, com todas as forças vivas do país, para definir as bases da gestão da mudança que Angola reclama. Estamos empenhados numa mudança pacifica e inclusiva, construída sobre valores morais, sem nenhum preconceito ou sentimento de vingança.
Mudança que incluirá a todos, empresários e trabalhadores, investidores e desempregados, ricos e pobres, os que talvez simpatizem connosco e os que não gostam de nós, todos, incluindo os nossos adversários de ontem. Mudança baseada na reconciliação, na promoção da dignidade humana e na justiça social para todos.
Vamos adoptar programas de emergência nacional para a educação, saúde, habitação, emprego e segurança social. Estes cinco problemas constituem a principal causa da pobreza em Angola e a UNITA vai considerar a pobreza UMA QUESTÃO DE SEGURANÇA NACIONAL.
Os angolanos amadureceram bastante e a UNITA também. Quando o povo nos conceder nas urnas o benefício da dúvida e nos mandatar para formar o governo da mudança, não seremos guiados por filiações políticas, raça ou qualquer outro tipo de predisposição. Teremos um governo de angolanos competentes, e não um governo de um partido político. Vamos governar com tecnocratas e não só com políticos. Vamos governar com todos e para todos.
Transmito-vos estas palavras de esperança e de confiança porque o futuro pertence-nos e juntos podemos vencer a endemia da corrupção e a crise da má governação.
Muito obrigado.

Orfandade económica mundial. Carlos Rosado de Carvalho



O Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de divulgar as perspectivas económicas mundiais de Outono e as notícias não são boas.
A economia mundial vai crescer menos 0,2 pontos percentuais (pp) do que o previsto este ano e no próximo, desacelerando para 3,3% e 3,6% respectivamente.

EXPANSÃO

A 'culpa' dos cortes no crescimento económico mundial não morre solteira. O crescimento global reduziu-se no primeiro semestre de 2015, reflectindo uma maior desaceleração das economias emergentes e uma retoma mais fraca nas economias avançadas, justificam os técnicos da instituição de Washington. As economias avançadas, que representam 42,9% do PIB mundial, deverão crescer 2% este ano e 2,2% no próximo, menos 0,1 pp e 0,2 pp, respectivamente, do que estava previsto.
Nas economias emergentes, que valem 57,1% da economia global, o corte é de 0,2 pp nos dois anos, para 4%, em 2015, e 4,6%, em 2016. O sincronismo entre os dois blocos coloca- -nos numa espécie de orfandade económica mundial. Em meia dúzia de anos os BRICS, acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, passaram de bestiais a bestas. Na sequência da crise financeira de 2008, foram apresentados como os salvadores da economia mundial, face à letargia em que se encontravam as principais economias.
A crise teve epicentro nos EUA, mas rapidamente atravessou o Atlântico, contagiando a Europa, e chegou ao Pacífico, nomeadamente ao Japão. Volvidos pouco mais de seis anos, com algumas feridas da crise de 2008 ainda por sarar, os mesmos BRICS são apontados como os principais culpados da degradação da situação económica mundial.
Em termos de dinâmica de crescimento, só a Índia, a segunda economia mais pequena do quinteto, se salva. O crescimento indiano vai estabilizar face ao ano passado nos 7,3% e acelerar 0,2 pp para 7,5% no próximo.
A China, vai desacelerar de um crescimento de 7,3% no ano passado para 6,8% este ano e 6,3% no próximo. A África do Sul vai diminuir a passada em 0,1 pp por cada ano, passando de uma taxa de 1,5% em 2014, para 1,4%, em 2015, e 1,3%, em 2016. As duas primeiras letras do acrónimo, Brasil e Rússia, registarão recessões este ano e no próximo. A economia russa deverá recuar 3,8% em 2015 e 0,6% em 2016. Já a brasileira, deverá contrair 3% e 1%, respectivamente. Apesar do (ainda?) apreciável crescimento que vai registar este ano - praticamente o dobro da média das previsões para Angola, que se mantiveram nos 3,5% este ano e no próximo -, é na China que todos os olhos estão postos.
A desaceleração da segunda maior economia do mundo não só constitui surpresa como era esperada e até desejada. A economia chinesa está em transição para um novo padrão, com crescimento mais lento mas também mais saudável e sustentável, resume FMI no comunicado de imprensa datado de 14 de Agosto que anuncia a conclusão das consultas com o governo de Pequim no âmbito do artigo IV dos estatutos da organização.
"Desde a crise financeira internacional, o crescimento baseou-se num mix insustentável de crédito e investimento, o que conduziu ao aumento do endividamento governamental e empresarial, à pressão acrescida sobre o sistema financeiro e à redução da eficiência do investimento", reforça o Fundo.
"Transitar para um modelo menos arriscado e mais sustentável requer reverter as tendências recentes. Mas fazê-lo vai reduzir a procura e inevitavelmente o crescimento no curto prazo", alerta o FMI, acrescentando que "gerir o abrandamento é o principal desafio". A agência de rating Fitch aponta para um "longo período" de menor crescimento "bem abaixo" dos referidos 7%.
"A enorme dívida acumulada após a crise financeira de 2008 e o sobreinvestimento no imobiliário residencial têm de ser enfrentados, o que exercerá algum travão na economia durante vários anos", justificam os analistas da agência. O travão chinês está a contagiar as economias africanas, que foram mesmo as que registaram maiores cortes nas projecções de crescimento para este ano e no próximo: 0,6 pp para 3,8% e 0,8 pp para 4,3%, respectivamente.
É em Angola que os cortes no crescimento foram maiores. Em Abril, o FMI previa que a economia nacional crescesse 5,5% em 2015 e 5,9%, em 2016 e agora aponta para 3,5% nos dois anos, menos 2 p.p. e 2,4 p.p., respectivamente. É neste quadro difícil que o Governo está a ultimar a proposta de OGE para 2016. Esperemos o melhor, mas preparemo-nos para o pior.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Enquanto o Luaty Beirão vai sucumbindo. Justino Pinto de Andrade



há quem se mostre inquieto e solidário neste momento bastante difícil da sua vida. Eu sou um deles.
Vou recordar aqui como me relacionei com o Luaty Beirão. Conheci-o pessoalmente por intermédio do meu filho, Manuel Pinto de Andrade, o Nelito.

JUSTINO PINTO DE ANDRADE

O Nelito acompanhou emocionado a longa marcha do Luaty, à pé, da Europa até Angola, depois de ter terminado a sua segunda Licenciatura, creio que em Londres. Para assinalar este êxito e homenagear o país que é seu, o Luaty decidiu partir à pé, com apenas uma mochila e uma nota de 100 dólares no bolso, com o objectivo maior de conhecer o nosso continente e, sobretudo, as suas gentes.
Nessa sua longa e arriscada epopeia, ele foi sobrevivendo por meio de ajudas e da prestação de pequenos serviços nas comunidades por onde ia passando. Durante longos e penosos dias, o Luaty Beirão atravessou imensos países, até que, finalmente, chegou a Luanda.
Nessa altura, o Nelito apresentou-me o amigo e eu convidei-o a vir à Universidade relatar aos meus estudantes a sua caminhada. Pretendi, com isso, mostrar um dos lados bons da juventude: a entrega a causas e o amor à nossa terra e ao nosso continente. Eu quis dizer aos meus alunos que um jovem sem causas é um jovem envelhecido prematuramente...
Infelizmente, no nosso país, há quem valorize mais a vulgaridade e a bajulação, e olhe para o Luaty como um inimigo ou como um ser estranho... Eu olho para o Luaty Beirão como um laranja boa inserida num pomar que outros, infelizmente, preferem ver apodrecido...
Nós, pais, irmãos, compatriotas, não podemos ficar indiferentes ao que se passa com o Luaty... Vamos fazer o possível para salvar o Luaty Beirão!

Imagem: autor desconhecido


EX-PRIMEIRO-MINISTRO MOCO ACUSA


Para Marco­lino Moco, ex-primeiro­-ministro e antigo secre­tário-geral do MPLA, a situação política em Angola está hoje para alguns pior do que no tempo colonial.
Em entrevista ao semanário Sol, que F8, com a devida vênia retoma, Marcolino Moco refere que o que hoje se assiste no país é “uma re­pressão que muitos elemen­tos da minha geração não chegaram a conhecer na era colonial, com a forja de tipos de crime absolutamente ine­xistentes”.
Muito crítico para com o presidente José Eduardos Santos, o ex-secretário-geral do MPLA diz que hoje “os partidos políticos só são to­lerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e internacional”.
“A ideia de democratização que tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção pertenci, até 1998, hoje já não existe. “Se bem o ouvi, o Eng. José Eduardo dos Santos acaba de anun­ciar o fim formal da veleida­de de alguém poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: ‘Quem quiser que crie o seu partido lá fora e concorra’. Falta acrescentar, entretanto, que só ele é o se­nhor absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da com­pra do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível má­quina securitária e do poder judicial”, afirma.
Para Marcolino Moco, “a principal função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recur­sos nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da socieda­de), nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garan­tam a permanência indefini­da no poder”. Fazendo com que o que existe actualmen­te em Angola seja uma lógi­ca do “safe-se quem puder e seja o que Deus quiser”.
Segundo o ex-secretário-ge­ral do MPLA, o facto de as redes sociais terem tido “um papel tão crucial na mudan­ça das mentalidades em An­gola nos últimos tempos”, faz com que estejamos a as­sistir à “norte-coreanização das redes sociais no país”. E Moco lembra o verso de Agostinho Neto quando pede moderação aos seus colegas de partido: “Nin­guém impedirá a chuva”.
Repressão do actual regime
é maior que na era colonial
A terminar o doutoramento em Portugal, o antigo pri­meiro-ministro e secretário­-geral do MPLA Marcolino Moco adia para «melhores tempos» o regresso à polí­actua­lidade, não vê razões para a detenção dos 15 jovens por tentativa de golpe de Estado.
P - Os partidos políticos preparam os respectivos congressos e voltam à bai­la temas como democracia, alternâncias e limitação de mandatos. Quer comen­tar?
MM - A existência de parti­dos e o seu carácter demo­crático dependem da natu­reza dos regimes políticos em que estão inseridos. No caso de Angola é público e notório que os partidos po­líticos só são tolerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e internacional. Especialmen­te a hipocrisia dos Estados ocidentais, que não estavam preparados para encarar abertamente o que tem sido a transformação de um re­gime marxista-leninista de partido único, para uma si­tuação de regime pessoal, na figura do Eng. José Eduardo dos Santos. Isto sendo que a principal função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recur­sos nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da socieda­de), nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garan­tam a permanência indefini­da no poder.
P - Pensa que isso se tem reflectido na acção da opo­sição?
MM - É natural que isso se reflicta na estrutura e práti­ca de partidos da oposição, que são ‘obrigados’ a seguir­-lhe as pegadas. Por outro lado, dentro deste mesmo quadro, o próprio regime, na base do princípio ‘dividir para melhor reinar’, lança ‘desconfianças’, com funda­mento ou não, entre grupos que poderiam disputar cor­dialmente a direcção tempo­rária dos partidos políticos da oposição, sem destruir a sua coesão política.
P- Quais as grandes ideias para impulsionar o país?
MM - Devolver material­mente a soberania ao povo e democratizar o MPLA, como aconteceu com o PAICV, em Cabo Verde, ou com o MLST, em São Tomé e Príncipe ou, menos acen­tuadamente, com a FRELI­MO em Moçambique. Isso contribuiria para a democra­tização do Estado angolano e reflectir-se-ia em todas as organizações sociais, entre as quais os partidos políti­cos da oposição. De resto, a própria doutrina e práxis ocidentais (já que nós, como africanos, não fomos ainda capazes de elaborar a nossa própria doutrina sobre este e outros assuntos – só sabe­mos imitar, e mal, na maioria das vezes) não prescrevem a alternância da liderança e a limitação de mandatos como uma prática obrigató­ria dentro dos partidos polí­ticos.
P- Esta é a ideia de demo­cratização que tem?
MM - É essa a ideia de de­mocratização que tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção per­tenci, até 1998. De lá para cá, sobretudo a partir de 2002, quando se esperava que o processo fosse mais fácil, escolheu-se o caminho mais complicado. Se bem o ouvi, o Eng. José Eduardo dos Santos acaba de anunciar o fim formal da veleidade de alguém poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: «Quem quiser que crie o seu partido lá fora e concorra». Falta acrescen­tar, entretanto, que só ele é o senhor absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da com­pra do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível má­quina securitária e do poder judicial.
P - Como está a analisar a detenção de jovens acusa­dos de tentativa de golpe de Estado e a não permis­são de manifestações de protesto?
MM - O sistema acima descrito tende a impedir a participação de todas as fai­xas populacionais que não sigam a linha escolhida pe­los donos do poder. E, para conseguir reproduzir-se no futuro, impede sobretudo os jovens mais esclarecidos de exercerem os respectivos direitos, claramente prescri­tos na Constituição ‘carapa­ça’ que funciona ao lado da verdadeira Constituição, a protectora dos seus interes­ses, como uma minoria no poder. Daí que assistamos a uma repressão que muitos elementos da minha gera­ção não chegaram a conhe­cer na era colonial, com a forja de tipos de crime abso­lutamente inexistentes.
P - Há quem esteja apreen­sivo com o discurso dos políticos, tendo recente­mente a TPA recorrido aos arquivos para lembrar o que o actual presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Raúl Danda, dis­se em relação a Savimbi quando era dissidente des­se partido. Há razões para isso nesta altura, quando estamos em contextos di­ferentes?
MM- É outra forma de man­ter o status quo, baralhando sem limites nem vergonha. Infelizmente a opinião públi­ca, impulsionada por alguns opinion makers, classe na qual me incluo, tende a es­quecer que não se trata de decisões de jornalistas da TPA, da RNA e de outros órgãos de comunicação social, até privados, que re­correm a esses mecanismos, gravíssimos num país onde se pretende consolidar a re­conciliação nacional. Tudo encaixa no regime que te­mos, do ‘safe-se quem puder e seja o que Deus quiser’. São argumentos de quem não tem argumentos, mandados ser ditos até pelas próprias vítimas do sistema, mesmo quando alguns deles são de­putados de uma Assembleia Nacional a que se rouba o di­reito de legislar sobre certas matérias ou de fiscalizar o Executivo, situação que de­pois ‘obriga’ os partidos da oposição a irem rebuscar os recuados tempos do comu­nismo, do 27 de Maio, etc. Os quais também não vêm a propósito, a partir do mo­mento em que aceitamos um ‘regime democrático’ e uma ‘reconciliação nacional’. Faz dó.
P- Quando pensa em voltar à política activa?
MM - A política activa, den­tro ou fora do MPLA, está adiada para melhores tem­pos, se é que ainda me res­ta algum tempo para furar tantas muralhas. Advocacia, docência, conferências ‘pa­cíficas’ e consultoria, sim. São e serão o meu modo de sobrevivência material e de combate cívico-político.
P- O que pensa das redes sociais, das quais volta e meia
faz uso?
MM - As redes sociais, pelo que parece, têm tido um pa­pel tão crucial na mudança das mentalidades em An­gola nos últimos tempos, que também começam a incomodar as autoridades, as quais têm o controlo quase absoluto dos meios convencionais de comuni­cação social, dentro e fora do país. Diz-se (e quando essas coisas começam a vir assim à tona em Angola, não se está muito longe da ver­dade) que já está em marcha a ‘norte-coreanização’ das redes sociais no país. Pen­so que vale sempre a pena pedir moderação aos que se acham donos exclusivos e eternos do poder em An­gola, e recordar-lhes o verso do poeta: ‘ninguém impedirá a chuva’.
P- Como vai o seu doutora­mento?
MM - O processo de douto­ramento, cujo texto se en­contra na fase de correcção dos aspectos de forma, foi das experiências mais enri­quecedoras, entre tantas que tenho tido a sorte de somar, na vida. Ajudou-me a olhar com muita profundidade para os fenómenos africanos da actualidade. Disse acima que somos muito pobres em elaborar pensamentos que se adequem às nossas complexas realidades, va­zio aproveitado pelo opor­tunismo político. É nessa contribuição que pretendo investir, mesmo sabendo que os resultados nunca são imediatos. Mas hoje sei, mais do que nunca, que é o imediatismo que não faz a África descolar, e já agora, até o próprio Ocidente que, com tantas mudanças na or­dem espiritual e material do mundo, não consegue sair do já desadaptado modelo das Luzes, depois da ‘morte’ do marxismo.

*felix.abias@sol.co.ao

Sem reduzir os custos Angola vai ficar sem indústria do petróleo



O director da maior petrolífera estrangeira em Angola, a Total, vai solicitar uma reunião ao Governo para avisar que, se os custos de investimento não descerem significativamente, o país arrisca-se a ficar sem indústria do petróleo.

http://m.economico.sapo.pt
Sem reduzir os custos Angola vai ficar sem indústria do petróleo
"Se não houver uma significativa redução dos custos, tudo vai parar", disse o director-geral da Total em Angola, Jean-Michel Lavergne, em declarações à agência financeira Bloomberg, nas quais explicou que caso as condições não melhorem, a indústria petrolífera angolana "vai desaparecer", partindo do princípio que o preço do barril de petróleo se mantém nos 60 dólares.
Em causa estão as várias medidas que o Governo angolano tem tomado nos últimos anos, que fizeram os custos de produção aumentar em 500 milhões de dólares por ano, disse Lavergne durante um fórum empresarial em Luanda, no qual anunciou que está pedida uma reunião com o Governo angolano para dar conta destas preocupações causadas pelos custos da regulação.
Em Junho, Angola ultrapassou pela primeira vez a Nigéria enquanto maior produtora subsariana, tendo bombeado 1,77 milhões de barris por ano, contra 1,9 milhões da Nigéria, embora no total do ano passado a média de produção tenha sido de 1,66 milhões, comparado com os 1,9 milhões da Nigéria.
A Total é a maior produtora de petróleo em Angola, com cerca de 700 mil barris por dia, o que representa mais de 40% da produção do país.
Os poços de petróleo em águas profundas na costa de Angola têm um desenvolvimento muito caro, e a indústria precisa de preços entre 60 a 80 dólares por barril "para a operação fazer sentido", disse Lavergne.
O preço do barril de petróleo 'Brent' está nos 50 dólares por barril, menos de metade do pico do ano passado, e as previsões apontam para um ligeiro acréscimo de preço no próximo ano.
As novas normas sobre as emissões o desperdício, aliadas aos preços baratos, significam que algumas companhias estão a pensar em sair do país, que se tornou o mais recente membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 2007, disse o director da câmara de comércio Estados Unidos - Angola, Pedro Godinho.
"Há muitas petrolíferas que estão a ponderar sair do país se o cenário mundial não mudar", disse o responsável durante o evento em que participou também o director da Total em Angola, concluindo que a solução para a quebra nas receitas fiscais e consequentes dificuldades orçamentais "não é matar a galinha que põe os ovos de ouro".