quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Até 2021, o preço (petróleo) vai oscilar num intervalo entre os 50 e os 75 dólares.


O economista Alves Rocha critica a aproximação entre o Estado e a classe empresarial e diz que numa economia de mercado tal não deve acontecer. Afirma ainda que o Estado não pode contrair dívida pública para cobrir despesas de funcionamento
O professor da Uni­versidade Católica de Angola fala sobre a crise do petróleo e a falta de divisas no mercado angolano. Afirma que o Estado vai ter que diminuir bas­tante os funcionários públicos e que estes devem passar a viajar em classe económica.

ALVES  ROCHA
SEMANÁRIO ECONÓMICO

O director económico da BP, Da­le Spencer, disse que a crise pe­trolífera vai continuar por muito tempo. Como é que avalia esta situação?
No caso de Angola o que me preocupou tem a ver com duas coisas: primeiro, o preço do pe­tróleo porque, segundo o eco­nomista, até 2021, o preço vai oscilar num intervalo entre os 50 e os 75 dólares. Ora, até 2021, faltam seis anos, portanto es­ta previsão coloca o nosso país em grandes dificuldades finan­ceiras, e não apenas o Estado, porque o Estado é um elemento da economia. Entretanto, para que funcionemos precisamos de importações. Não há nenhum país do mundo que funciona sem importações de toda a na­tureza; importações de bens e serviços, alimentação e de ou­tras naturezas. Portanto, isso coloca-nos em grandes difi­culdades porque, até 2021, não vai haver hipótese de a fonte de petróleo que gera as recei­tas fiscais para a economia ser substituída por outra.
E os diamantes?
Os diamantes não têm nenhum peso relevante na economia de Angola. Os diamantes, segundo as contas do INE, pesam no PIB, na melhor das hipóteses, 1 a 2 %. Por exemplo, em termos de receitas de exportação, representam mil milhões de dólares, em termos de receitas do Estado, são 250 mi­lhões de dólares ao ano. E, quan­do a gente olha para a indústria petrolífera, os números são mul­tiplicados por 10, o que significa que com qualquer “trambolhão” na indústria petrolífera, Angola sofre com isso. Mas, para mim, neste momento, a questão já não é a crise económica e financeira porque a crise é já um dado adqui­rido, muito embora há quem diga que a crise é passageira.
Mas não é a primeira vez que An­gola entra em crise?
Esta deve ser a quarta ou a quin­ta vez, segundo os estudos que nós temos feito no CEIC e de que já publicámos alguns resultados relativos aos ciclos do preço do petróleo em Angola. Agora, o que parece é que não aprendemos com as outras crises porque não conseguimos construir alterna­tivas, não delineamos estratégias de precaução e, agora, a situação é esta.A partir do início deste ano deixou-se de falar em crescer mais para distribuir melhor -que era o grande slogan – para agora o slogan estar virado para a diversi­ficação da economia. Actualmen­te qualquer coisa que se faça está a contribuir para a diversificação da economia, só que, creio que a maior parte das pessoas não sabe o que é a diversificação. O CEIC vai publicar, em Janeiro do pró­ximo ano, um livro sobre a diver­sificação da economia angolana com cerca de 350 páginas fruto de um estudo de três anos com investigadores da Noruega.
E quais são os caminhos para a diversificação?
A diversificação exige dinheiro, que é o que neste momento não temos. A principal fonte de recei­tas não tem dinheiro para diversi­ficar a economia. A diversificação tem uma meta, uma estratégia, um modelo, é tudo isso que as pessoas não sabem como fazer para diversificar a economia.
Nós não aprendemos, porque já tivemos várias crises. Quan­do trabalhava no Ministério do Planeamento, tivemos meses em que o preço do petróleo bateu os 8 dólares, isto em Dezembro de 1998, e o governo não tinha dinheiro para pagar salários, e tínhamos, nessa altura, ainda a guerra.
O que diferencia estas crises?
A verdade é que esta crise é mais longa e mais profunda. Nas ou­tras crises, um ano depois, ou seis meses depois, o preço do pe­tróleo voltou a crescer e, como nós fizemos sempre como o “tio patinhas” – durante este tempo todo mergulhamos no petróleo, tínhamos petróleo, dinheiro, e não pensamos em mais nada – julgamos que a reconstrução da nossa economia se limitava a re­construção das infra-estruturas mas, não é nada disso e, agora, estão aí os resultados.
O que se espera para os próximos anos?
Esperam-se tempos difíceis e, co­mo aliás o conferencista disse, eu acho que agora Angola deve to­mar como modelo as petrolíferas e ajustar os seus custos. O Estado tem que tornar a sua actividade mais eficiente.
Como?
A nossa actividade do Estado é de uma ineficiência tremenda. O Es­tado gasta duas a três vezes mais do que aquilo que gastaria se fos­se mais eficiente. Nós temos que fazer um ajustamento na nossa economia proporcional à queda do preço do petróleo e, esse ajus­tamento, vai ser no investimento privado onde estão as petrolíferas, vai ser no consumo das famílias, vai ser na actividade do Estado, vai ser no funcionamento das em­presas.
As empresas privadas em Angola vão ter que ser muito mais efi­cientes e deixar de estar perma­nentemente à espera que o Estado faça tudo. A função do Estado não é ser empresário, a função do Es­tado numa economia de mercado é criar as condições para que o empresariado funcione.
Os desafios são enormes para o Estado, para os empresários e para as famílias. As pessoas vão-se interrogar sobre como é que a maior parte das famílias, cerca de 60% da população em Angola, vive no linear da pobreza. Estas pessoas têm de viver com menos de dois dólares por dia, isto são dados oficiais. Então, se tem de haver um ajustamento, como é que isso vai ficar?
Há dados informais da presença chinesa e vietnamita na venda de dólares no mercado informal?
Sim, em tempos disseram-me is­so. O BNA é a instituição no país que deve garantir a estabilidade monetária, portanto o BNA é que tem que ir pesquisar como é que isso acontece e onde é que estas pessoas vão buscar os dólares. O BNA é o fiscalizador, é o garante da estabilidade, o BNA é que tem que nos dizer o que é que se passa.
E a desvalorização do Kwanza?
A desvalorização no mercado pa­ralelo já está nos 125% (variação homóloga Setembro 2014/Setem­bro 2015) enquanto que nos ban­cos comerciais andará à volta dos 30%. Aí o BNA é que tem que dar resposta.
Não haverá aí um maior empe­nho dos bancos comerciais?
Eu não sei se há outras maneiras para a entrada de notas no país. Mas, havendo notas aqui em An­gola como em outros países, essas notas de dólares são importadas pelos bancos comerciais de acor­do com a autorização do BNA.
O BNA acertou nesta medida, olhando para a situação actual do país?
Ela depois foi ultrapassada por­que pensou-se que liberalizando a importação de notas de dólar se poderia tentar controlar a desva­lorização do kwanza. Mas, tal não está a acontecer porque as pes­soas também têm expectativas e sabem olhar para o comporta­mento do preço do petróleo. As pessoas aqui já compreenderam que a dependência de Angola das receitas do petróleo é total. Neste momento, as pessoas têm uma informação de como isso fun­ciona e, naturalmente, vão-se aproveitando das lacunas e das falhas que existem, e que foram causadas pela falta de divisas. Mas, neste momento, há outra matéria preocupante: a situação de crise está evidente embora o governo ainda não o tenha assu­mido de forma oficial, talvez isso aconteça com a ida do Presidente à Assembleia Nacional e no seu discurso sobre o Estado da Nação mas, agora, a questão é saber o porquê, como é que a gente che­gou aqui?
A razão mais próxima é a queda do preço do petróleo, ou haverá outra razão que não sabemos?
As receitas do petróleo que en­traram em Angola de 2002 a 2014 foram de 468 mil milhões de dólares. As receitas do Esta­do foram de 300 mil milhões de dólares. Os investimentos pú­blicos foram de 93,5 mil milhões de dólares. Então, o que é que se passou para estarmos hoje nesta situação?
Pode apontar algumas medidas?
É fazer como fazem as empresas, o Estado tem que actuar como se fosse uma empresa: reduzir cus­tos, aumentar a eficiência, criar as condições para que o investi­mento privado aconteça. E tem que haver uma grande vontade política para o fazer porque, há muitos interesses por aí.
Os empresários angolanos de­pendem muito do Estado, de­pendem muito dos favores, das compras do Estado, dependem muito do dinheiro do Estado e, isso assim não é uma economia de mercado.
Acha que a situação económica do país ainda vai piorar?
Eu acho que até ao final deste ano não há sinais de que as coisas possam ser diferentes. Os com­bustíveis e derivados de petróleo vão ser objecto de uma retirada total dos subsídios e, por isso, vai-se aumentar os preços do gasóleo, do petróleo, de ilumi­nação e outros.
O Governo está a pensar criar um imposto de consumo sobre os combustíveis e os derivados do petróleo, o que vai aumentar ainda mais os preços. Tudo isto sintetizado, vamos ter uma taxa de inflação até ao final do ano muito elevada.
Qual é a previsão da taxa de in­flação até ao final do ano?
A projecção do CEIC tinha sido de 12%, mas já revimos estas projecções e entendemos que os piores meses para a inflação es­tão para vir – estes meses são os de Novembro e Dezembro – e, portanto, a taxa de inflação pode chegar aos 15%, ou seja, com to­da esta situação, Angola vai vol­tar aos tempos da inflação a dois dígitos e enquanto esta situação não se alterar, porque só até 2021 é que o preço pode chegar aos 75 dólares, acho que estamos numa situação preocupante. O governo está a fazer o seu reajustamen­to orçamental, acho que o OGE para 2016 já está finalizado. A gestão da economia é uma tarefa difícil. O estado, através dos in­vestimentos públicos, pode es­timular a economia e o investi­mento público é um estimulador do investimento privado.
O Estado, para ajustar as suas despesas, tem que mexer nos investimentos públicos. O Esta­do vai ter que mexer nos salá­rios dos funcionários; o Estado não pode contrair dívida pública para cobrir despesas de funcio­namento.
A dívida pública não seria um caminho para aliviar a crise?
A dívida pública deve ser con­traída para que a economia crie condições para crescer e não para cobrir despesas de fun­cionamento. A dívida pública deve ser contraída para cobrir o investimento público porque é este que cria as condições pa­ra que o país cresça no futuro. Portanto, o Estado vai ter que ajustar os salários, o Estado está a fazer agora um trabalho de recadastramento dos funcio­nários por via biométrica por­que o FMI veio, mais uma vez, dizer que afinal continuam a existir trabalhadores fantasma – eu, de facto, nunca mais ti­nha ouvido falar disso porque foi há cerca de dez anos que o MAPTESS veio a público dizer que já tinha dado como ter­minado o processo de reclas­sificação e dava a sensação de que as fichas ficaram limpas. Os últimos dados que temos no Relatório Económico, e que são dados oficiais que foram retira­dos do INE, é que o Estado tem 420 mil funcionários. O Estado vai ter que diminuir bastante os funcionários públicos e, os funcionários vão ter que viajar em classe económica.
Será que isso vai acontecer?
Deveria acontecer.
Quando defende o reajusta­mento salarial refere-se a uma redução dos salários da função pública?
Os salários podem ser reduzi­dos de duas maneiras: de uma maneira nominal, que é o Es­tado por exemplo dizer que vai reduzir 10% nos salários ou, po­dem ser diminuídas do ponto de vista real, e para isso, o Estado não precisa fazer nada, basta não ser possível ao Estado controlar a taxa de inflação. Se a taxa de inflação continuar, os salários vão cada vez valer menos, com o mesmo salário vai-se com­prar em menores quantidades de produtos e de serviços e, isso, é uma maneira do Estado con­trolar os salários. Outra forma de contornar a crise, por exemplo, é o Estado, que criou imensos pa­trimónios empresariais, vender as empresas que criou, os pro­jectos porque, no fundo, ainda ninguém viu resultados disso e foi muito o dinheiro que se in­vestiu.
O Economista investigador
Quando se fala de economia em Angola, Manuel José Aves da Rocha dispensa apresentação. Natural da província de Malanje, é economista de formação, com pós-graduações em França nos domínios de modelos económicos e práticas económicas restritivas.
Na lista de vários cargos que ocupou, destaques para o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimentos onde colaborou em diversos trabalhos, também colaborou com a Organização Internacional do Trabalho e a CNUCED. Foi consultor técnico principal de diferentes organismos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) durante 10 anos e entre 2001 e 2008 trabalhou com a Comissão Europeia em Angola.
Actualmente, é director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) onde tem diferentes trabalhos de investigação sobre a realidade económica e social de Angola, e também de África, sendo que é autor de vários livros com destaques a Introdução à Economia Internacional e Integração Regional ; Economia e Sociedade em Angola ; As Desigualdades e Assimetrias Regionais em Angola ; Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana ; Angola: Estabilização, Reformas e Desenvolvimento; Por Onde Vai a Economia Angolana? ; Finanças Públicas; Os Limites do Crescimento Económico; Os Grandes Desafios da Economia Angolana até 2017 ; As Transformações Económicas Estruturais da África Subsariana; Salários, Distribuição do Rendimento e Crescimento Equitativo.
É membro da Academia de Ciências de Lisboa (Académico Correspondente), da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Senado da Universidade Católica de Angola, da Ordem dos Economistas Portugueses, da Canadian Association of African Studies (desde 1998), do Centro de Estudos Africanos do ISCTE (Portugal) .
É Professor Titular da Universidade Católica de Angola, onde é regente e lecciona as disciplinas de Finanças Públicas e Teoria da Integração Económica na Faculdade de Economia e Gestão. Entre 2001 e 2005 regeu a disciplina de Economia Internacional na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola. Exerceu funções de docência universitária na Faculdade de Economia da Universidade de Angola entre 1972 e 1977 e na Faculdade de Economia da Universidade de Évora (Portugal) entre 1979 e 1989


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