O economista Alves Rocha critica a aproximação
entre o Estado e a classe empresarial e diz que numa economia de mercado tal
não deve acontecer. Afirma ainda que o Estado não pode contrair dívida pública
para cobrir despesas de funcionamento
O professor da Universidade Católica de Angola
fala sobre a crise do petróleo e a falta de divisas no mercado angolano. Afirma
que o Estado vai ter que diminuir bastante os funcionários públicos e que
estes devem passar a viajar em classe económica.
ALVES
ROCHA
SEMANÁRIO ECONÓMICO
O director económico da BP, Dale Spencer, disse
que a crise petrolífera vai continuar por muito tempo. Como é que avalia esta
situação?
No caso de Angola o que me preocupou tem a ver
com duas coisas: primeiro, o preço do petróleo porque, segundo o economista,
até 2021, o preço vai oscilar num intervalo entre os 50 e os 75 dólares. Ora,
até 2021, faltam seis anos, portanto esta previsão coloca o nosso país em
grandes dificuldades financeiras, e não apenas o Estado, porque o Estado é um
elemento da economia. Entretanto, para que funcionemos precisamos de
importações. Não há nenhum país do mundo que funciona sem importações de toda a
natureza; importações de bens e serviços, alimentação e de outras naturezas.
Portanto, isso coloca-nos em grandes dificuldades porque, até 2021, não vai
haver hipótese de a fonte de petróleo que gera as receitas fiscais para a
economia ser substituída por outra.
E os diamantes?
Os diamantes não têm nenhum peso relevante na
economia de Angola. Os diamantes, segundo as contas do INE, pesam no PIB, na
melhor das hipóteses, 1 a 2 %. Por exemplo, em termos de receitas de
exportação, representam mil milhões de dólares, em termos de receitas do
Estado, são 250 milhões de dólares ao ano. E, quando a gente olha para a
indústria petrolífera, os números são multiplicados por 10, o que significa
que com qualquer “trambolhão” na indústria petrolífera, Angola sofre com isso.
Mas, para mim, neste momento, a questão já não é a crise económica e financeira
porque a crise é já um dado adquirido, muito embora há quem diga que a crise é
passageira.
Mas não é a primeira vez que Angola entra em
crise?
Esta deve ser a quarta ou a quinta vez, segundo
os estudos que nós temos feito no CEIC e de que já publicámos alguns resultados
relativos aos ciclos do preço do petróleo em Angola. Agora, o que parece é que
não aprendemos com as outras crises porque não conseguimos construir alternativas,
não delineamos estratégias de precaução e, agora, a situação é esta.A partir do
início deste ano deixou-se de falar em crescer mais para distribuir melhor -que
era o grande slogan – para agora o slogan estar virado para a diversificação
da economia. Actualmente qualquer coisa que se faça está a contribuir para a
diversificação da economia, só que, creio que a maior parte das pessoas não
sabe o que é a diversificação. O CEIC vai publicar, em Janeiro do próximo ano,
um livro sobre a diversificação da economia angolana com cerca de 350 páginas
fruto de um estudo de três anos com investigadores da Noruega.
E quais são os caminhos para a diversificação?
A diversificação exige dinheiro, que é o que
neste momento não temos. A principal fonte de receitas não tem dinheiro para
diversificar a economia. A diversificação tem uma meta, uma estratégia, um
modelo, é tudo isso que as pessoas não sabem como fazer para diversificar a
economia.
Nós não aprendemos, porque já tivemos várias
crises. Quando trabalhava no Ministério do Planeamento, tivemos meses em que o
preço do petróleo bateu os 8 dólares, isto em Dezembro de 1998, e o governo não
tinha dinheiro para pagar salários, e tínhamos, nessa altura, ainda a guerra.
O que diferencia estas crises?
A verdade é que esta crise é mais longa e mais
profunda. Nas outras crises, um ano depois, ou seis meses depois, o preço do
petróleo voltou a crescer e, como nós fizemos sempre como o “tio patinhas” –
durante este tempo todo mergulhamos no petróleo, tínhamos petróleo, dinheiro, e
não pensamos em mais nada – julgamos que a reconstrução da nossa economia se
limitava a reconstrução das infra-estruturas mas, não é nada disso e, agora,
estão aí os resultados.
O que se espera para os próximos anos?
Esperam-se tempos difíceis e, como aliás o
conferencista disse, eu acho que agora Angola deve tomar como modelo as
petrolíferas e ajustar os seus custos. O Estado tem que tornar a sua actividade
mais eficiente.
Como?
A nossa actividade do Estado é de uma
ineficiência tremenda. O Estado gasta duas a três vezes mais do que aquilo que
gastaria se fosse mais eficiente. Nós temos que fazer um ajustamento na nossa
economia proporcional à queda do preço do petróleo e, esse ajustamento, vai
ser no investimento privado onde estão as petrolíferas, vai ser no consumo das
famílias, vai ser na actividade do Estado, vai ser no funcionamento das empresas.
As empresas privadas em Angola vão ter que ser
muito mais eficientes e deixar de estar permanentemente à espera que o Estado
faça tudo. A função do Estado não é ser empresário, a função do Estado numa
economia de mercado é criar as condições para que o empresariado funcione.
Os desafios são enormes para o Estado, para os
empresários e para as famílias. As pessoas vão-se interrogar sobre como é que a
maior parte das famílias, cerca de 60% da população em Angola, vive no linear
da pobreza. Estas pessoas têm de viver com menos de dois dólares por dia, isto
são dados oficiais. Então, se tem de haver um ajustamento, como é que isso vai
ficar?
Há dados informais da presença chinesa e
vietnamita na venda de dólares no mercado informal?
Sim, em tempos disseram-me isso. O BNA é a
instituição no país que deve garantir a estabilidade monetária, portanto o BNA
é que tem que ir pesquisar como é que isso acontece e onde é que estas pessoas
vão buscar os dólares. O BNA é o fiscalizador, é o garante da estabilidade, o
BNA é que tem que nos dizer o que é que se passa.
E a desvalorização do Kwanza?
A desvalorização no mercado paralelo já está
nos 125% (variação homóloga Setembro 2014/Setembro 2015) enquanto que nos bancos
comerciais andará à volta dos 30%. Aí o BNA é que tem que dar resposta.
Não haverá aí um maior empenho dos bancos
comerciais?
Eu não sei se há outras maneiras para a entrada
de notas no país. Mas, havendo notas aqui em Angola como em outros países,
essas notas de dólares são importadas pelos bancos comerciais de acordo com a
autorização do BNA.
O BNA acertou nesta medida, olhando para a
situação actual do país?
Ela depois foi ultrapassada porque pensou-se
que liberalizando a importação de notas de dólar se poderia tentar controlar a
desvalorização do kwanza. Mas, tal não está a acontecer porque as pessoas
também têm expectativas e sabem olhar para o comportamento do preço do
petróleo. As pessoas aqui já compreenderam que a dependência de Angola das
receitas do petróleo é total. Neste momento, as pessoas têm uma informação de
como isso funciona e, naturalmente, vão-se aproveitando das lacunas e das
falhas que existem, e que foram causadas pela falta de divisas. Mas, neste
momento, há outra matéria preocupante: a situação de crise está evidente embora
o governo ainda não o tenha assumido de forma oficial, talvez isso aconteça
com a ida do Presidente à Assembleia Nacional e no seu discurso sobre o Estado
da Nação mas, agora, a questão é saber o porquê, como é que a gente chegou
aqui?
A razão mais próxima é a queda do preço do
petróleo, ou haverá outra razão que não sabemos?
As receitas do petróleo que entraram em Angola
de 2002 a 2014 foram de 468 mil milhões de dólares. As receitas do Estado
foram de 300 mil milhões de dólares. Os investimentos públicos foram de 93,5
mil milhões de dólares. Então, o que é que se passou para estarmos hoje nesta
situação?
Pode apontar algumas medidas?
É fazer como fazem as empresas, o Estado tem que
actuar como se fosse uma empresa: reduzir custos, aumentar a eficiência, criar
as condições para que o investimento privado aconteça. E tem que haver uma
grande vontade política para o fazer porque, há muitos interesses por aí.
Os empresários angolanos dependem muito do
Estado, dependem muito dos favores, das compras do Estado, dependem muito do
dinheiro do Estado e, isso assim não é uma economia de mercado.
Acha que a situação económica do país ainda vai
piorar?
Eu acho que até ao final deste ano não há sinais
de que as coisas possam ser diferentes. Os combustíveis e derivados de
petróleo vão ser objecto de uma retirada total dos subsídios e, por isso,
vai-se aumentar os preços do gasóleo, do petróleo, de iluminação e outros.
O Governo está a pensar criar um imposto de
consumo sobre os combustíveis e os derivados do petróleo, o que vai aumentar
ainda mais os preços. Tudo isto sintetizado, vamos ter uma taxa de inflação até
ao final do ano muito elevada.
Qual é a previsão da taxa de inflação até ao
final do ano?
A projecção do CEIC tinha sido de 12%, mas já
revimos estas projecções e entendemos que os piores meses para a inflação estão
para vir – estes meses são os de Novembro e Dezembro – e, portanto, a taxa de
inflação pode chegar aos 15%, ou seja, com toda esta situação, Angola vai voltar
aos tempos da inflação a dois dígitos e enquanto esta situação não se alterar,
porque só até 2021 é que o preço pode chegar aos 75 dólares, acho que estamos
numa situação preocupante. O governo está a fazer o seu reajustamento
orçamental, acho que o OGE para 2016 já está finalizado. A gestão da economia é
uma tarefa difícil. O estado, através dos investimentos públicos, pode estimular
a economia e o investimento público é um estimulador do investimento privado.
O Estado, para ajustar as suas despesas, tem que
mexer nos investimentos públicos. O Estado vai ter que mexer nos salários dos
funcionários; o Estado não pode contrair dívida pública para cobrir despesas de
funcionamento.
A dívida pública não seria um caminho para
aliviar a crise?
A dívida pública deve ser contraída para que a
economia crie condições para crescer e não para cobrir despesas de funcionamento.
A dívida pública deve ser contraída para cobrir o investimento público porque é
este que cria as condições para que o país cresça no futuro. Portanto, o
Estado vai ter que ajustar os salários, o Estado está a fazer agora um trabalho
de recadastramento dos funcionários por via biométrica porque o FMI veio,
mais uma vez, dizer que afinal continuam a existir trabalhadores fantasma – eu,
de facto, nunca mais tinha ouvido falar disso porque foi há cerca de dez anos
que o MAPTESS veio a público dizer que já tinha dado como terminado o processo
de reclassificação e dava a sensação de que as fichas ficaram limpas. Os
últimos dados que temos no Relatório Económico, e que são dados oficiais que
foram retirados do INE, é que o Estado tem 420 mil funcionários. O Estado vai
ter que diminuir bastante os funcionários públicos e, os funcionários vão ter
que viajar em classe económica.
Será que isso vai acontecer?
Deveria acontecer.
Quando defende o reajustamento salarial
refere-se a uma redução dos salários da função pública?
Os salários podem ser reduzidos de duas maneiras:
de uma maneira nominal, que é o Estado por exemplo dizer que vai reduzir 10%
nos salários ou, podem ser diminuídas do ponto de vista real, e para isso, o
Estado não precisa fazer nada, basta não ser possível ao Estado controlar a
taxa de inflação. Se a taxa de inflação continuar, os salários vão cada vez
valer menos, com o mesmo salário vai-se comprar em menores quantidades de
produtos e de serviços e, isso, é uma maneira do Estado controlar os salários.
Outra forma de contornar a crise, por exemplo, é o Estado, que criou imensos patrimónios
empresariais, vender as empresas que criou, os projectos porque, no fundo,
ainda ninguém viu resultados disso e foi muito o dinheiro que se investiu.
O Economista investigador
Quando se fala de economia em Angola, Manuel
José Aves da Rocha dispensa apresentação. Natural da província de Malanje, é
economista de formação, com pós-graduações em França nos domínios de modelos
económicos e práticas económicas restritivas.
Na lista de vários cargos que ocupou, destaques
para o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimentos onde colaborou em
diversos trabalhos, também colaborou com a Organização Internacional do
Trabalho e a CNUCED. Foi consultor técnico principal de diferentes organismos
do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) durante 10 anos e
entre 2001 e 2008 trabalhou com a Comissão Europeia em Angola.
Actualmente, é director do Centro de Estudos e
Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) onde tem
diferentes trabalhos de investigação sobre a realidade económica e social de
Angola, e também de África, sendo que é autor de vários livros com destaques a
Introdução à Economia Internacional e Integração Regional ; Economia e
Sociedade em Angola ; As Desigualdades e Assimetrias Regionais em Angola ;
Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana ; Angola: Estabilização,
Reformas e Desenvolvimento; Por Onde Vai a Economia Angolana? ; Finanças
Públicas; Os Limites do Crescimento Económico; Os Grandes Desafios da Economia
Angolana até 2017 ; As Transformações Económicas Estruturais da África
Subsariana; Salários, Distribuição do Rendimento e Crescimento Equitativo.
É membro da Academia de Ciências de Lisboa
(Académico Correspondente), da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Senado da
Universidade Católica de Angola, da Ordem dos Economistas Portugueses, da
Canadian Association of African Studies (desde 1998), do Centro de Estudos
Africanos do ISCTE (Portugal) .
É Professor Titular da Universidade Católica de
Angola, onde é regente e lecciona as disciplinas de Finanças Públicas e Teoria
da Integração Económica na Faculdade de Economia e Gestão. Entre 2001 e 2005
regeu a disciplina de Economia Internacional na Faculdade de Direito da
Universidade Católica de Angola. Exerceu funções de docência universitária na
Faculdade de Economia da Universidade de Angola entre 1972 e 1977 e na
Faculdade de Economia da Universidade de Évora (Portugal) entre 1979 e 1989
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