Para Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro e
antigo secretário-geral do MPLA, a situação política em Angola está hoje para
alguns pior do que no tempo colonial.
Em entrevista ao semanário Sol, que F8, com a
devida vênia retoma, Marcolino Moco refere que o que hoje se assiste no país é
“uma repressão que muitos elementos da minha geração não chegaram a conhecer
na era colonial, com a forja de tipos de crime absolutamente inexistentes”.
Muito crítico para com o presidente José
Eduardos Santos, o ex-secretário-geral do MPLA diz que hoje “os partidos
políticos só são tolerados por uma questão de satisfazer a opinião pública
interna e internacional”.
“A ideia de democratização que tínhamos, alguns
de nós, dentro do MPLA a cuja direcção pertenci, até 1998″, hoje já não existe. “Se bem o ouvi, o Eng. José
Eduardo dos Santos acaba de anunciar o fim formal da veleidade de alguém
poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: ‘Quem quiser que crie o seu
partido lá fora e
concorra’. Falta acrescentar, entretanto, que só ele é o senhor absoluto das
finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da compra do silêncio
das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível máquina
securitária e do poder judicial”, afirma.
Para Marcolino Moco, “a principal função do
‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recursos nacionais (que
deve ser acompanhada por uma total desmoralização da sociedade), nas mãos da
minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garantam a permanência
indefinida no poder”. Fazendo com que o que existe actualmente em Angola seja
uma lógica do “safe-se quem puder e seja o que Deus quiser”.
Segundo o ex-secretário-geral do MPLA, o facto
de as redes sociais terem tido “um papel tão crucial na mudança das
mentalidades em Angola nos últimos tempos”, faz com que estejamos a assistir
à “norte-coreanização das redes sociais no país”. E Moco lembra o verso de
Agostinho Neto quando pede moderação aos seus colegas de partido: “Ninguém
impedirá a chuva”.
Repressão do actual regime
é maior que na era colonial
A terminar o doutoramento em Portugal, o antigo
primeiro-ministro e secretário-geral do MPLA Marcolino Moco adia para
«melhores tempos» o regresso à políactualidade, não vê razões para a detenção
dos 15 jovens por tentativa de golpe de Estado.
P - Os partidos políticos preparam os
respectivos congressos e voltam à baila temas como democracia, alternâncias e
limitação de mandatos. Quer comentar?
MM - A existência de partidos e o seu carácter
democrático dependem da natureza dos regimes políticos em que estão
inseridos. No caso de Angola é público e notório que os partidos políticos só
são tolerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e
internacional. Especialmente a hipocrisia dos Estados ocidentais, que não
estavam preparados para encarar abertamente o que tem sido a transformação de
um regime marxista-leninista de partido único, para uma situação de regime
pessoal, na figura do Eng. José Eduardo dos Santos. Isto sendo que a principal
função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recursos
nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da sociedade),
nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garantam
a permanência indefinida no poder.
P - Pensa que isso se tem reflectido na acção da
oposição?
MM - É natural que isso se reflicta na estrutura
e prática de partidos da oposição, que são ‘obrigados’ a seguir-lhe as
pegadas. Por outro lado, dentro deste mesmo quadro, o próprio regime, na base
do princípio ‘dividir para melhor reinar’, lança ‘desconfianças’, com fundamento
ou não, entre grupos que poderiam disputar cordialmente a direcção temporária
dos partidos políticos da oposição, sem destruir a sua coesão política.
P- Quais as grandes ideias para impulsionar o
país?
MM - Devolver materialmente a soberania ao povo
e democratizar o MPLA, como aconteceu com o PAICV, em Cabo Verde, ou com o
MLST, em São Tomé e Príncipe ou, menos acentuadamente, com a FRELIMO em
Moçambique. Isso contribuiria para a democratização do Estado angolano e
reflectir-se-ia em todas as organizações sociais, entre as quais os partidos
políticos da oposição. De resto, a própria doutrina e práxis ocidentais (já
que nós, como africanos, não fomos ainda capazes de elaborar a nossa própria
doutrina sobre este e outros assuntos – só sabemos imitar, e mal, na maioria
das vezes) não prescrevem a alternância da liderança e a limitação de mandatos
como uma prática obrigatória dentro dos partidos políticos.
P- Esta é a ideia de democratização que tem?
MM - É essa a ideia de democratização que
tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção pertenci, até 1998. De
lá para cá, sobretudo a partir de 2002, quando se esperava que o processo fosse
mais fácil, escolheu-se o caminho mais complicado. Se bem o ouvi, o Eng. José
Eduardo dos Santos acaba de anunciar o fim formal da veleidade de alguém poder
disputar com ele a direcção dentro do MPLA: «Quem quiser que crie o seu partido
lá fora e concorra». Falta acrescentar, entretanto, que só ele é o senhor
absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da compra
do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível
máquina securitária e do poder judicial.
P - Como está a analisar a detenção de jovens
acusados de tentativa de golpe de Estado e a não permissão de manifestações
de protesto?
MM - O sistema acima descrito tende a impedir a
participação de todas as faixas populacionais que não sigam a linha escolhida
pelos donos do poder. E, para conseguir reproduzir-se no futuro, impede
sobretudo os jovens mais esclarecidos de exercerem os respectivos direitos,
claramente prescritos na Constituição ‘carapaça’ que funciona ao lado da
verdadeira Constituição, a protectora dos seus interesses, como uma minoria no
poder. Daí que assistamos a uma repressão que muitos elementos da minha geração
não chegaram a conhecer na era colonial, com a forja de tipos de crime absolutamente
inexistentes.
P - Há quem esteja apreensivo com o discurso
dos políticos, tendo recentemente a TPA recorrido aos arquivos para lembrar o
que o actual presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Raúl Danda, disse em
relação a Savimbi quando era dissidente desse partido. Há razões para isso
nesta altura, quando estamos em contextos diferentes?
MM- É outra forma de manter o status quo,
baralhando sem limites nem vergonha. Infelizmente a opinião pública,
impulsionada por alguns opinion makers, classe na qual me incluo, tende a esquecer
que não se trata de decisões de jornalistas da TPA, da RNA e de outros órgãos
de comunicação social, até privados, que recorrem a esses mecanismos,
gravíssimos num país onde se pretende consolidar a reconciliação nacional.
Tudo encaixa no regime que temos, do ‘safe-se quem puder e seja o que Deus
quiser’. São argumentos de quem não tem argumentos, mandados ser ditos até
pelas próprias vítimas do sistema, mesmo quando alguns deles são deputados de
uma Assembleia Nacional a que se rouba o direito de legislar sobre certas
matérias ou de fiscalizar o Executivo, situação que depois ‘obriga’ os
partidos da oposição a irem rebuscar os recuados tempos do comunismo, do 27 de
Maio, etc. Os quais também não vêm a propósito, a partir do momento em que
aceitamos um ‘regime democrático’ e uma ‘reconciliação nacional’. Faz dó.
P- Quando pensa em voltar à política activa?
MM - A política activa, dentro ou fora do MPLA,
está adiada para melhores tempos, se é que ainda me resta algum tempo para
furar tantas muralhas. Advocacia, docência, conferências ‘pacíficas’ e
consultoria, sim. São e serão o meu modo de sobrevivência material e de combate
cívico-político.
P- O que pensa das redes sociais, das quais
volta e meia
faz uso?
MM - As redes sociais, pelo que parece, têm tido
um papel tão crucial na mudança das mentalidades em Angola nos últimos
tempos, que também começam a incomodar as autoridades, as quais têm o controlo
quase absoluto dos meios convencionais de comunicação social, dentro e fora do
país. Diz-se (e quando essas coisas começam a vir assim à tona em Angola, não
se está muito longe da verdade) que já está em marcha a ‘norte-coreanização’
das redes sociais no país. Penso que vale sempre a pena pedir moderação aos
que se acham donos exclusivos e eternos do poder em Angola, e recordar-lhes o
verso do poeta: ‘ninguém impedirá a chuva’.
P- Como vai o seu doutoramento?
MM - O processo de doutoramento, cujo texto se
encontra na fase de correcção dos aspectos de forma, foi das experiências mais
enriquecedoras, entre tantas que tenho tido a sorte de somar, na vida.
Ajudou-me a olhar com muita profundidade para os fenómenos africanos da
actualidade. Disse acima que somos muito pobres em elaborar pensamentos que se
adequem às nossas complexas realidades, vazio aproveitado pelo oportunismo
político. É nessa contribuição que pretendo investir, mesmo sabendo que os
resultados nunca são imediatos. Mas hoje sei, mais do que nunca, que é o
imediatismo que não faz a África descolar, e já agora, até o próprio Ocidente
que, com tantas mudanças na ordem espiritual e material do mundo, não consegue
sair do já desadaptado modelo das Luzes, depois da ‘morte’ do marxismo.
*felix.abias@sol.co.ao
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