terça-feira, 20 de outubro de 2015

EX-PRIMEIRO-MINISTRO MOCO ACUSA


Para Marco­lino Moco, ex-primeiro­-ministro e antigo secre­tário-geral do MPLA, a situação política em Angola está hoje para alguns pior do que no tempo colonial.
Em entrevista ao semanário Sol, que F8, com a devida vênia retoma, Marcolino Moco refere que o que hoje se assiste no país é “uma re­pressão que muitos elemen­tos da minha geração não chegaram a conhecer na era colonial, com a forja de tipos de crime absolutamente ine­xistentes”.
Muito crítico para com o presidente José Eduardos Santos, o ex-secretário-geral do MPLA diz que hoje “os partidos políticos só são to­lerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e internacional”.
“A ideia de democratização que tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção pertenci, até 1998, hoje já não existe. “Se bem o ouvi, o Eng. José Eduardo dos Santos acaba de anun­ciar o fim formal da veleida­de de alguém poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: ‘Quem quiser que crie o seu partido lá fora e concorra’. Falta acrescentar, entretanto, que só ele é o se­nhor absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da com­pra do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível má­quina securitária e do poder judicial”, afirma.
Para Marcolino Moco, “a principal função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recur­sos nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da socieda­de), nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garan­tam a permanência indefini­da no poder”. Fazendo com que o que existe actualmen­te em Angola seja uma lógi­ca do “safe-se quem puder e seja o que Deus quiser”.
Segundo o ex-secretário-ge­ral do MPLA, o facto de as redes sociais terem tido “um papel tão crucial na mudan­ça das mentalidades em An­gola nos últimos tempos”, faz com que estejamos a as­sistir à “norte-coreanização das redes sociais no país”. E Moco lembra o verso de Agostinho Neto quando pede moderação aos seus colegas de partido: “Nin­guém impedirá a chuva”.
Repressão do actual regime
é maior que na era colonial
A terminar o doutoramento em Portugal, o antigo pri­meiro-ministro e secretário­-geral do MPLA Marcolino Moco adia para «melhores tempos» o regresso à polí­actua­lidade, não vê razões para a detenção dos 15 jovens por tentativa de golpe de Estado.
P - Os partidos políticos preparam os respectivos congressos e voltam à bai­la temas como democracia, alternâncias e limitação de mandatos. Quer comen­tar?
MM - A existência de parti­dos e o seu carácter demo­crático dependem da natu­reza dos regimes políticos em que estão inseridos. No caso de Angola é público e notório que os partidos po­líticos só são tolerados por uma questão de satisfazer a opinião pública interna e internacional. Especialmen­te a hipocrisia dos Estados ocidentais, que não estavam preparados para encarar abertamente o que tem sido a transformação de um re­gime marxista-leninista de partido único, para uma si­tuação de regime pessoal, na figura do Eng. José Eduardo dos Santos. Isto sendo que a principal função do ‘novo regime’ é a acumulação de riqueza à custa dos recur­sos nacionais (que deve ser acompanhada por uma total desmoralização da socieda­de), nas mãos da minoria no poder, o que exige a criação de mecanismos que garan­tam a permanência indefini­da no poder.
P - Pensa que isso se tem reflectido na acção da opo­sição?
MM - É natural que isso se reflicta na estrutura e práti­ca de partidos da oposição, que são ‘obrigados’ a seguir­-lhe as pegadas. Por outro lado, dentro deste mesmo quadro, o próprio regime, na base do princípio ‘dividir para melhor reinar’, lança ‘desconfianças’, com funda­mento ou não, entre grupos que poderiam disputar cor­dialmente a direcção tempo­rária dos partidos políticos da oposição, sem destruir a sua coesão política.
P- Quais as grandes ideias para impulsionar o país?
MM - Devolver material­mente a soberania ao povo e democratizar o MPLA, como aconteceu com o PAICV, em Cabo Verde, ou com o MLST, em São Tomé e Príncipe ou, menos acen­tuadamente, com a FRELI­MO em Moçambique. Isso contribuiria para a democra­tização do Estado angolano e reflectir-se-ia em todas as organizações sociais, entre as quais os partidos políti­cos da oposição. De resto, a própria doutrina e práxis ocidentais (já que nós, como africanos, não fomos ainda capazes de elaborar a nossa própria doutrina sobre este e outros assuntos – só sabe­mos imitar, e mal, na maioria das vezes) não prescrevem a alternância da liderança e a limitação de mandatos como uma prática obrigató­ria dentro dos partidos polí­ticos.
P- Esta é a ideia de demo­cratização que tem?
MM - É essa a ideia de de­mocratização que tínhamos, alguns de nós, dentro do MPLA a cuja direcção per­tenci, até 1998. De lá para cá, sobretudo a partir de 2002, quando se esperava que o processo fosse mais fácil, escolheu-se o caminho mais complicado. Se bem o ouvi, o Eng. José Eduardo dos Santos acaba de anunciar o fim formal da veleidade de alguém poder disputar com ele a direcção dentro do MPLA: «Quem quiser que crie o seu partido lá fora e concorra». Falta acrescen­tar, entretanto, que só ele é o senhor absoluto das finanças do partido e do Estado, da rádio, da televisão, da com­pra do silêncio das potências ocidentais que ‘inventaram a democracia’, da temível má­quina securitária e do poder judicial.
P - Como está a analisar a detenção de jovens acusa­dos de tentativa de golpe de Estado e a não permis­são de manifestações de protesto?
MM - O sistema acima descrito tende a impedir a participação de todas as fai­xas populacionais que não sigam a linha escolhida pe­los donos do poder. E, para conseguir reproduzir-se no futuro, impede sobretudo os jovens mais esclarecidos de exercerem os respectivos direitos, claramente prescri­tos na Constituição ‘carapa­ça’ que funciona ao lado da verdadeira Constituição, a protectora dos seus interes­ses, como uma minoria no poder. Daí que assistamos a uma repressão que muitos elementos da minha gera­ção não chegaram a conhe­cer na era colonial, com a forja de tipos de crime abso­lutamente inexistentes.
P - Há quem esteja apreen­sivo com o discurso dos políticos, tendo recente­mente a TPA recorrido aos arquivos para lembrar o que o actual presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Raúl Danda, dis­se em relação a Savimbi quando era dissidente des­se partido. Há razões para isso nesta altura, quando estamos em contextos di­ferentes?
MM- É outra forma de man­ter o status quo, baralhando sem limites nem vergonha. Infelizmente a opinião públi­ca, impulsionada por alguns opinion makers, classe na qual me incluo, tende a es­quecer que não se trata de decisões de jornalistas da TPA, da RNA e de outros órgãos de comunicação social, até privados, que re­correm a esses mecanismos, gravíssimos num país onde se pretende consolidar a re­conciliação nacional. Tudo encaixa no regime que te­mos, do ‘safe-se quem puder e seja o que Deus quiser’. São argumentos de quem não tem argumentos, mandados ser ditos até pelas próprias vítimas do sistema, mesmo quando alguns deles são de­putados de uma Assembleia Nacional a que se rouba o di­reito de legislar sobre certas matérias ou de fiscalizar o Executivo, situação que de­pois ‘obriga’ os partidos da oposição a irem rebuscar os recuados tempos do comu­nismo, do 27 de Maio, etc. Os quais também não vêm a propósito, a partir do mo­mento em que aceitamos um ‘regime democrático’ e uma ‘reconciliação nacional’. Faz dó.
P- Quando pensa em voltar à política activa?
MM - A política activa, den­tro ou fora do MPLA, está adiada para melhores tem­pos, se é que ainda me res­ta algum tempo para furar tantas muralhas. Advocacia, docência, conferências ‘pa­cíficas’ e consultoria, sim. São e serão o meu modo de sobrevivência material e de combate cívico-político.
P- O que pensa das redes sociais, das quais volta e meia
faz uso?
MM - As redes sociais, pelo que parece, têm tido um pa­pel tão crucial na mudança das mentalidades em An­gola nos últimos tempos, que também começam a incomodar as autoridades, as quais têm o controlo quase absoluto dos meios convencionais de comuni­cação social, dentro e fora do país. Diz-se (e quando essas coisas começam a vir assim à tona em Angola, não se está muito longe da ver­dade) que já está em marcha a ‘norte-coreanização’ das redes sociais no país. Pen­so que vale sempre a pena pedir moderação aos que se acham donos exclusivos e eternos do poder em An­gola, e recordar-lhes o verso do poeta: ‘ninguém impedirá a chuva’.
P- Como vai o seu doutora­mento?
MM - O processo de douto­ramento, cujo texto se en­contra na fase de correcção dos aspectos de forma, foi das experiências mais enri­quecedoras, entre tantas que tenho tido a sorte de somar, na vida. Ajudou-me a olhar com muita profundidade para os fenómenos africanos da actualidade. Disse acima que somos muito pobres em elaborar pensamentos que se adequem às nossas complexas realidades, va­zio aproveitado pelo opor­tunismo político. É nessa contribuição que pretendo investir, mesmo sabendo que os resultados nunca são imediatos. Mas hoje sei, mais do que nunca, que é o imediatismo que não faz a África descolar, e já agora, até o próprio Ocidente que, com tantas mudanças na or­dem espiritual e material do mundo, não consegue sair do já desadaptado modelo das Luzes, depois da ‘morte’ do marxismo.

*felix.abias@sol.co.ao

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