Lembra-se da
vaga de aquisições na indústria petrolífera no final da década de 90, após o
petróleo se ter 'estatelado' até à casa dos 12 USD por barril?
Pois bem, pode
ser que, se tiver esse episódio na memória, sinta um déjà-vu nos próximos
tempos. Aquele que poderá ser o primeiro passo está a ser dado pela Shell, que
por mais de 70.000 milhões USD se propõe comprar o BG Group, tornando esta na
maior operação da indústria desde 1998.
Alexandre Frade
Batista
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/57275
Se a
anglo-holandesa do logo da concha é sobejamente conhecida, ainda há muitos que
não sabem o que é, ou por que merece um cheque de 70.000 milhões, o BG Group.
Ainda que seja, 'só', parceiro da Petrobras nos milhões guardados no pré-sal.
Resultado da
venda da divisão de exploração da petrolífera British Gas - esta que tinha sido
privatizada por Margareth Thatcher nos anos 1980 -, o BG Group irrompeu esta
semana pelas notícias muito para lá da imprensa especializada no sector,
espalhando-se até fora dos jornais económicos.
Atirado pela
Shell para o caudal noticioso global, o grupo BG permitirá à companhia da
concha tornar-se no maior actor mundial de gás natural liquefeito (LNG, na
sigla em inglês).
O pagamento da
Shell ao BG Group será efectuado num misto de dinheiro vivo (cerca de 60 Kz por
acção) e 0,4454 acções suas por cada título do grupo petrolífero britânico,
equação que termina num prémio de 52% para os accionistas do BG Group, face ao
património que tinham na véspera do anúncio.
O CEO da Shell,
Ben van Beurden, já expressou a sua confiança de que não terá de haver venda de
activos das duas companhias para satisfazer exigências das autoridades de
concorrência nos vários pontos onde ambas partilham presença.
O negócio já
está a provocar ondas de choque no sector, e deverá ser sentido como um alívio
na Petrobras, a qual, envolta no escândalo de corrupção no Brasil, vê surgir um
novo megaparceiro.
Isto, porque o
BG Group está com os brasileiros em várias explorações, designadamente no
pré-sal do bloco BM-S-11, na Bacia de Santos, e ainda na Bacia de Barreirinhas
(dois pontos onde está também a Galp, companhia portuguesa com capital
angolano), ficando a 'nova' Shell como o maior parceiro da Petrobras.
Isto, numa
altura em que, exceptuando bancos brasileiros e dinheiros chineses, os mercados
de financiamento têm estado fechados à Petrobras. À Shell interessarão os
recursos que a BG vai levar para dentro do grupo, designadamente no pré-sal
brasileiro - onde estão as maiores reservas descobertas deste lado do mundo nas
últimas três décadas -, pelo acesso a activos de que não dispunha no seu
portefólio e no reforço das receitas, por via do aumento de escala, o que,
classicamente, leva à redução dos custos operacionais.
'Pormenores'
importantes num contexto em que os lucros da anglo-holandesa no último
exercício foram os mais magros desde precisamente a onda de aquisições do final
da década de 1990, em boa parte devido à pressão exercida pelo petróleo em
baixa.
E há já muitos especialistas
a anteciparem que, após a compra do Grupo BG, outros serão alvo de ataques dos
tubarões da indústria. Num eco dado pelo Financial Times, um analista da
FirstEnergy afirmou que, "quando os maiores players puxam o gatilho, os
outros seguem o exemplo".
Recuemos a 1998
para ver a anterior convulsão: nesse ano, meses após a criação da BG plc
(renomeada BG Group em 1999) em Inglaterra, a BP adquiriu a Amoco, entregando
acima de 60.000 milhões USD. Seguiu-se o estrondo dos 85.000 milhões USD
entregues pela Exxon para tomar a Mobil, o que roubou à Shell a liderança
mundial.
Mais tarde, mais
45.000 milhões USD deram a Texaco à Chevron. Pelo meio, a francesa Total e a
belga Petrofina uniram-se, formando a TotalFina, que regressou a apenas Total.
As apostas estão agora abertas para saber que movimentos estão na calha, à
boleia da compra do Grupo BG.
Jóia britânica
em tons verdes
Num mundo cada
vez mais enegrecido pela poluição, as energias mais limpas ganham adeptos não
só nas franjas ecologistas, como na sociedade em geral e até na própria
indústria energética.
A China, com
cidades onde o ar está perto do limiar da sobrevivência humana - passe algum
(não muito) exagero -, é um dos exemplos de países a tentar reduzir a poluição,
surgindo o LNG como alternativa imediata ao nefasto carvão. Já o Japão aumentou
o uso de gás para colmatar a quebra na energia nuclear, após o desastre de
Fukushima.
Diga-se que a
ONU prevê que o gás será, durante os próximos 20 anos, a ponte entre o carvão e
as energias com reduzida emissão de carbono, devendo ser gradualmente
descontinuado, à medida que as energias renováveis 'matem' os fósseis - a não
ser que a indústria encontre forma de capturar o dióxido de carbono libertado
durante a queima.
O gás é,
precisamente, um dos pontos mais relevantes do 'dote' do BG Group para este
'casamento' com a Shell, que assim consegue tornar-se na companhia com maior
produção de gás natural liquefeito a nível mundial. Junta-se, nos trunfos do BG
Group, a posição de segunda maior petrolífera em actuação no Brasil, após a
estatal, e bem à frente da Shell, que até à fusão é apenas a quinta no ranking
por activos naquele país.
E, igualmente
muito relevante, o BG detém um quarto do campo Lula, onde há reservas em
qualidade e quantidade. Lapa, Iara e Sapinhoá são outras áreas de acção da
britânica, também em parceria com a estatal brasileira. Agora, na soma da Shell
ao BG Group, toda esta capacidade se junta à que a anglo-britânica já tem do
outro lado do Atlântico, os 20% da área de Libra, no pré-sal da Bacia de
Santos, da qual o governo de Dilma diz ser a maior reserva do país, com
reservas acessíveis até 12.000 milhões de barris.
As sinergias
passíveis de serem concretizadas neste que é, já de si, um dos pontos com menor
custo de exploração a nível mundial (assim é designado no relatório da RBC
Capital Markets) são outro trunfo que o BG Group coloca na bandeja oferecida à
Shell.
Mas, apesar do
peso do Brasil nos activos petrolíferos e na esperança de grandes lucros
extraídos do pré-sal, o portefólio do BG Group também interessa pelos activos
no Leste do nosso continente, no Egipto e nos distantes Cazaquistão e
Austrália.
No LNG, o BG
Group tem enfrentado nos últimos meses a mesma convulsão que os concorrentes,
com os preços a caírem à boleia do petróleo. No entanto, a procura asiática,
com os vorazes China e Japão à cabeça, ajuda do lado do volume. Para 2025, é
esperado quase o dobro da venda de hoje, o que pressiona a produção e incentiva
novos investimentos, capítulo específico em que a Shell traz 'músculo' ao BG
Group. Shell que, nesta fonte de energia, participa, por exemplo, num grande
projecto na Austrália (Gorgon, operado pela Chevron e avaliado em 60.000
milhões USD), país ao largo do qual colocará em breve, e durante 25 anos, uma
plataforma marítima de liquefacção, ainda em construção, designada Prelude.
Esta inovadora
fábrica custará 13.000 milhões USD e, na realidade, é o maior navio alguma vez
construído, com 488 metros de comprimento e 105 metros de altura, o equivalente
a cerca de 35 pisos de altura - seria necessário colocar mais 10 pisos sobre o
Sky Residence I para a torre da ESCOM lhe equivaler em envergadura. Em fase
final de construção nos estaleiros da Samsung Heavy Industries na Coreia do
Sul, o Prelude será uma inovação na forma de extracção do gás e sua
liquefacção.
Ao contrário do
método habitual, como vemos na fábrica do Soyo, o gás natural não é extraído ao
largo da costa e canalizado até uma fábrica construída em terra (na qual o gás
é arrefecido e liquefeito, assumindo um volume 600 vezes menor, o que facilita
o transporte por navio). No Prelude, todo o processo será feito a cerca de 150
km da costa, para onde o navio rumará pelos seus próprios meios, navegando, e
onde será feita a extracção e liquefacção do gás. Os navios que levarão o gás
aos grandes clientes irão então atracar no Prelude para serem atestados com o
gás natural.
É a este cenário
de inovação que chega o BG Group, trazendo consigo vários activos de vulto no
LNG, designadamente na Austrália (recuperado dos veios de carvão) e nos EUA.
Fim da 'dança de
cadeiras' iniciada em 2012
Um dos obreiros
da união agora anunciada foi o presidente não executivo do BG Group, Andrew
Gould, que ali chegou em 2012. Sobre a decisão agora tomada entre ele e o CEO
da Shell, Ben van Beurden afirmou que telefonou a Gould e de uma "muito
boa e construtiva discussão sobre a ideia", saiu um consenso "muito
rápido".
Falando ainda de
presidência do grupo britânico, mas no lugar executivo, a estabilidade não tem
sido a nota. Chris Finlayson, antecessor do actual CEO entrou no BG Group em
2010 e assumiu a presidência executiva em Janeiro de 2013, tomando um lugar bem
quente, deixado por Sir Frank Chapman, obreiro, ao longo de uma década, da
ascensão do BG Group a actor global no sector energético - LNG e poços de
petróleo abertos do Brasil ao Cazaquistão e crescimento do valor da companhia
em 500% ao longo dessa década, desempenho superior ao obtido então pela Shell e
pela também gigante BP.
Foi Chapman que
'roubou' Finlayon à Shell, mas este, logo numa das primeiras comunicações ao
mercado, avisou que não seria em 2015 que a companhia atingiria o milhão de
barris diários - actualmente, ronda os 600 mil -, entrando depois em colisão
com a administração sobre a estratégia a seguir.
Finlayon
importou-se menos com a criação de volume e elegeu o valor como meta a curto
prazo. Entre os investidores, havia o temor de que o BG se tornasse em mais um
colosso da indústria com muitos activos, mas fraco crescimento, e perguntava-se
na imprensa se o BG Group se tornaria numa nova Shell. Finlayson dizia que
queria a sua companhia a agir como uma pequena, mas com o poder financeiro de
uma das grandes.
Acabou por sair
apenas nove meses depois de entrar. Ironicamente, hoje diz-se que a cobiça da
Shell deriva em parte da estratégia do ex-CEO, porque, com a travagem no
alargamento das operações, o grupo BG está a chegar ao ponto em que o Capex
(investimento) abrandará e as receitas crescerão. Quando Finlayson saiu, entrou
para a sua cadeira o então CEO da estatal norueguesa Statoil, Helge Lund, que
os britânicos tornaram no presidente executivo mais bem pago entre as
petrolíferas europeias.
Lund, tal como
Finlayon, mal aquece a cadeira, já que nela ficará no máximo durante dois anos,
logo que a compra do BG Group fique concluída como calendarizado. Por cada ano
de trabalho, Lund, com 52 anos, terá levado 43 milhões USD. Menos de um
milésimo do que os seus patrões, os accionistas do Grupo BG, receberão da
Shell.
Sem comentários:
Enviar um comentário