sábado, 12 de julho de 2014

A Insustentável Deriva Anti-Social da Revisão da Lei Geral do Trabalho





Maka Angola
Rui Verde, doutor em Direito

Está em discussão pública o anteprojecto de revisão da Lei Geral do Trabalho (LGT), Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro.
Esta revisão propõe uma modificação substancial nas relações entre patrões e trabalhadores, e por isso o seu sentido e alcance deve ser amplamente discutido.
O mercado de trabalho pode ser mais rígido, dificultando as contratações e os despedimentos, dando amplos direitos aos trabalhadores e permitindo uma forte intervenção do Estado nas relações individuais de trabalho, ou mais flexível, facilitando despedimentos, apartando o Estado das questões laborais. São dois modelos extremos de mercado de trabalho a que as legislações procuram corresponder.
A tendência histórica do direito do trabalho angolano tem sido evolutiva. Iniciou-se com uma regulamentação rígida nos anos 1980, que depois foi ligeiramente atenuada em 2000. A presente proposta dá um salto desmesurado, apostando num quadro exageradamente flexibilizador. Passamos do 8 ao 80.
Há que ter em conta que o direito do trabalho surgiu como uma forma de equilibrar as relações entre patrões e trabalhadores, que no século XIX pendiam excessivamente a favor dos patrões. É certo que a dada altura essas relações penderam exageradamente a favor dos trabalhadores, mas não é retrocedendo 200 anos que se alcança uma sociedade livre e competitiva.
Vejamos em concreto as dificuldades e dúvidas que o anteprojecto apresenta, não entrando na técnica jurídica, mas tão só ao nível das grandes linhas orientadoras.
Em primeiro lugar, a revisão da LGT propõe flexibilizar o mercado de trabalho. Na verdade, a palavra flexibilização é um eufemismo, e o que verdadeiramente se pretende é facilitar os despedimentos. Como contra partida, a revisão da LGT propõe-se aumentar a formação profissional, para que os despedidos possam desenvolver novas competências e alcançar facilmente um novo emprego. Esta teoria é boa, tem sido defendida na Europa com insistência, e com insistência tem falhado.
A flexibilização dos despedimentos não deve ser compensada com formação, ou não apenas com formação, mas também, e sobretudo, com segurança de rendimento proporcionada pelo Estado.
O esteio principal do anteprojecto, da responsabilidade Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, é, e cito, a “Atribuição de mais força jurídica ao princípio da liberdade contratual, no sentido das partes determinarem livremente a duração do contrato de trabalho”. Ora, o direito do trabalho surgiu precisamente para retirar força ao princípio da liberdade contratual, por se considerar que uma das partes (patrão) tinha demasiadas vantagens sobre a outra (trabalhador), não existindo verdadeira liberdade. Por exemplo: Um patrão quer contratar um trabalhador por cinco, o trabalhador quer dez. Numa negociação livre as partes entrariam em diálogo e talvez acabassem com um valor de sete ou oito. Numa negociação laboral “ livre”, o patrão diz: “Se não queres 5, tenho mais 100 a esperar que aceitam cinco, por isso vai-te embora”… Há um poder de imposição que não é consentâneo com uma real liberdade. É por isso que existe legislação laboral.
Outro aspecto determinante do anteprojecto da revisão da LGT é o aumento do prazo dos contratos por tempo determinado de três para cinco anos. No caso de micro, pequenas e médias empresas esse prazo pode chegar aos dez anos. Esta proposta é determinante para a criação de uma sensação de insegurança e precariedade no trabalho, colocando o trabalhador numa situação de constante imprevisibilidade. Dir-se-á que os mercados de trabalho têm de ser flexíveis para promover o crescimento económico, e que por isso estas medidas se justificam. Se se tratasse da Europa e da sua economia esclerosada, talvez essa perspectiva fizesse sentido; mas uma economia vibrante como a angolana, na sua fase de arranque, precisa sobretudo de promover e valorizar os trabalhadores. Não se valoriza uma população oferecendo-lhe uma vida de contratos a prazo.
O direito do trabalho angolano não precisa de soluções importadas, que aliás nem são radicalmente aplicadas nos países de origem.
Na mesma linha vincadamente anti-social, o anteprojecto propõe a redução das medidas disciplinares de cinco para três. Em caso de infracção disciplinar, o despedimento com justa causa passa a decorrer em apenas três passos: admoestação registada; redução temporária do salário; despedimento disciplinar. Bem se vê que a redução das etapas processuais tem como consequência imediata e lógica que aumentem os despedimentos disciplinares.
Existem mais situações a merecer o debate público, como a redução e a eliminação dos dias de faltas justificadas ou a adequação de procedimentos para o despedimento disciplinar, para o despedimento por causas objectivas e para o despedimento colectivo. Tudo medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores, que aqui apenas se enunciam resumidamente.
Haverá sempre o mesmo argumento: a economia tem que ser flexibilizada e o trabalho tem funcionar como um mercado livre. É um argumento a que se deve opor um outro: a economia tem de funcionar em benefício da pessoa, sobretudo numa sociedade sofrida como a angolana. Se a LGT actual é anacrónica e necessita de revisão ao nível da intervenção do Estado nas empresas e de alguma exagerada protecção do trabalhador, não se poderá passar para uma lei que parece ter sido escrita apenas pelos patrões.
A grande sabedoria estará em encontrar um equilíbrio entre as necessidades das empresas e o dinamismo económico, por um lado, e a protecção do trabalhador e da pessoa humana, por outro. Seguramente, isso não será alcançado através de uma lei que propõe um recuo de 200 anos e que parece tentar impor em Angola teorias falhadas em países europeus.

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