Maka Angola
Rui Verde, doutor em Direito
Está em discussão pública o anteprojecto
de revisão da Lei Geral do Trabalho (LGT), Lei n.º 2/00, de 11 de Fevereiro.
Esta revisão propõe uma modificação
substancial nas relações entre patrões e trabalhadores, e por isso o seu
sentido e alcance deve ser amplamente discutido.
O mercado de trabalho pode ser mais
rígido, dificultando as contratações e os despedimentos, dando amplos direitos
aos trabalhadores e permitindo uma forte intervenção do Estado nas relações
individuais de trabalho, ou mais flexível, facilitando despedimentos, apartando
o Estado das questões laborais. São dois modelos extremos de mercado de
trabalho a que as legislações procuram corresponder.
A tendência histórica do direito do trabalho
angolano tem sido evolutiva. Iniciou-se com uma regulamentação rígida nos anos
1980, que depois foi ligeiramente atenuada em 2000. A presente proposta dá um
salto desmesurado, apostando num quadro exageradamente flexibilizador. Passamos
do 8 ao 80.
Há que ter em conta que o direito do
trabalho surgiu como uma forma de equilibrar as relações entre patrões e
trabalhadores, que no século XIX pendiam excessivamente a favor dos patrões. É
certo que a dada altura essas relações penderam exageradamente a favor dos
trabalhadores, mas não é retrocedendo 200 anos que se alcança uma sociedade
livre e competitiva.
Vejamos em concreto as dificuldades e
dúvidas que o anteprojecto apresenta, não entrando na técnica jurídica, mas tão
só ao nível das grandes linhas orientadoras.
Em primeiro lugar, a revisão da LGT
propõe flexibilizar o mercado de trabalho. Na verdade, a palavra flexibilização
é um eufemismo, e o que verdadeiramente se pretende é facilitar os
despedimentos. Como contra partida, a revisão da LGT propõe-se aumentar a
formação profissional, para que os despedidos possam desenvolver novas
competências e alcançar facilmente um novo emprego. Esta teoria é boa, tem sido
defendida na Europa com insistência, e com insistência tem falhado.
A flexibilização dos despedimentos não
deve ser compensada com formação, ou não apenas com formação, mas também, e
sobretudo, com segurança de rendimento proporcionada pelo Estado.
O esteio principal do anteprojecto, da
responsabilidade Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança
Social, é, e cito, a “Atribuição de mais força jurídica ao princípio da
liberdade contratual, no sentido das partes determinarem livremente a
duração do contrato de trabalho”. Ora, o direito do trabalho surgiu
precisamente para retirar força ao princípio da liberdade contratual, por se
considerar que uma das partes (patrão) tinha demasiadas vantagens sobre a outra
(trabalhador), não existindo verdadeira liberdade. Por exemplo: Um patrão quer
contratar um trabalhador por cinco, o trabalhador quer dez. Numa negociação
livre as partes entrariam em diálogo e talvez acabassem com um valor de sete ou
oito. Numa negociação laboral “ livre”, o patrão diz: “Se não queres 5, tenho
mais 100 a esperar que aceitam cinco, por isso vai-te embora”… Há um poder de
imposição que não é consentâneo com uma real liberdade. É por isso que existe
legislação laboral.
Outro aspecto determinante do
anteprojecto da revisão da LGT é o aumento do prazo dos contratos por tempo
determinado de três para cinco anos. No caso de micro, pequenas e médias
empresas esse prazo pode chegar aos dez anos. Esta proposta é determinante para
a criação de uma sensação de insegurança e precariedade no trabalho, colocando
o trabalhador numa situação de constante imprevisibilidade. Dir-se-á que os
mercados de trabalho têm de ser flexíveis para promover o crescimento
económico, e que por isso estas medidas se justificam. Se se tratasse da Europa
e da sua economia esclerosada, talvez essa perspectiva fizesse sentido; mas uma
economia vibrante como a angolana, na sua fase de arranque, precisa sobretudo
de promover e valorizar os trabalhadores. Não se valoriza uma população
oferecendo-lhe uma vida de contratos a prazo.
O direito do trabalho angolano não
precisa de soluções importadas, que aliás nem são radicalmente aplicadas nos
países de origem.
Na mesma linha vincadamente anti-social,
o anteprojecto propõe a redução das medidas disciplinares de cinco para três.
Em caso de infracção disciplinar, o despedimento com justa causa passa a
decorrer em apenas três passos: admoestação registada; redução temporária do
salário; despedimento disciplinar. Bem se vê que a redução das etapas
processuais tem como consequência imediata e lógica que aumentem os
despedimentos disciplinares.
Existem mais situações a merecer o
debate público, como a redução e a eliminação dos dias de faltas justificadas
ou a adequação de procedimentos para o despedimento disciplinar, para o
despedimento por causas objectivas e para o despedimento colectivo. Tudo
medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores, que aqui apenas se
enunciam resumidamente.
Haverá sempre o mesmo argumento: a
economia tem que ser flexibilizada e o trabalho tem funcionar como um mercado
livre. É um argumento a que se deve opor um outro: a economia tem de funcionar
em benefício da pessoa, sobretudo numa sociedade sofrida como a angolana. Se a
LGT actual é anacrónica e necessita de revisão ao nível da intervenção do
Estado nas empresas e de alguma exagerada protecção do trabalhador, não se
poderá passar para uma lei que parece ter sido escrita apenas pelos patrões.
A grande sabedoria estará em encontrar
um equilíbrio entre as necessidades das empresas e o dinamismo económico, por
um lado, e a protecção do trabalhador e da pessoa humana, por outro.
Seguramente, isso não será alcançado através de uma lei que propõe um recuo de
200 anos e que parece tentar impor em Angola teorias falhadas em países
europeus.
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