Maka Angola
Texto de Abdul Rodrigues
Raimundo Zeferino da Silva, cidadão de
45 anos, acusa a petrolífera norte-americana Chevron-Cabinda Gulf Oil Company
Limited (CABGOC) de o ter despedido sem justa causa, de ter violado as leis
angolanas que regulam a relação laboral, para além de ter desrespeitado
diversas instituições do país.
O cidadão, actualmente residente “numa
cubata de chapas de zinco” no Zango 4, município de Viana, trabalhou na
referida empresa durante cinco anos, tendo sido despedido em Maio de 2004,
pouco tempo depois de ter contraído lesão artrósica (no tornozelo do pé
direito), detectada em 15 de Janeiro de 2003 e, segundo Raimundo Silva,
encoberta por Pedro Miguel, médico do departamento de medicina ocupacional da
Chevron-CABGOC e funcionário da Clínica Sagrada Esperança.
O começo dos problemas
“Eles me despediram injustamente por
estar doente, quando se tratava de uma doença que surgiu em consequência da
queda que sofri por ter sido obrigado a trabalhar durante quatro meses com a
hérnia inguinal que me foi diagnosticada pelo médico da empresa, isto no dia 12
de Setembro de 2000, às 8h56. Fui orientado para realizar uma cirurgia 14 dias
depois do diagnóstico. Isto não aconteceu, porque me impediram de me ausentar
do alto-mar por quatro turnos consecutivos”, contou Raimundo Zeferino, que até
à data da demissão, exercia a função de operador de plataforma de
petróleo e gás no Takula, na base de operações de Malongo.
A queda resultou na fractura do
tornozelo do pé direito, lembrou Raimundo Silva, tendo acontecido no dia 28 de
Dezembro de 2000 nas escadas do prédio onde residia, numa altura em que se
dirigia à clínica da Chevron-CABGOC para ser socorrido devido às dores no
abdómen que sentia por causa da hérnia.
“Dois dias depois de ter caído, fui
evacuado pela Chevron para a Endiama, onde me aplicaram um simples gesso no
pé”, recordou.
Passados sete meses desde o diagnóstico,
precisamente no dia 20 de Abril de 2001, após uma crise repentina no município
de Viana, Raimundo Silva foi finalmente operado.
Segundo recorda Raimundo Silva, o
supervisor e actualmente director de produção de petróleo e gás da
Chevron-CABGOC, Artur Custódio, visitou-o na sua antiga residência em Viana, no
intuito de verificar a evolução do recém-operado.
Maria Judith Aguiar, médica responsável
pelo tratamento do operador de plataforma, recomendou à Chevron-CABGOC que, tão
logo Raimundo Silva voltasse à actividade laboral, não lhe fosse permitido
“realizar esforços físicos superiores a 20 libras durante três meses, por causa
da fractura no calcanhar do pé e da hérnia que foi operada”.
A referida médica fez esta advertência
três vezes, argumentando que deveria se “valorizar a integridade física e
psíquica” do trabalhador, mas as suas instruções foram ignoradas.
Este incumprimento por parte da
Chevron-CABGOC resultou no agravamento do estado de saúde do sinistrado. Entre
21 de Maio de 2001, data em que o sinistrado retornou ao trabalho, até 22 de
Fevereiro de 2003, o departamento de medicina ocupacional da Chevron declarou a
incapacidade temporária parcial de Raimundo Silva, sem que, no entanto, a
empresa participasse a situação à seguradora.
Na verdade, as duas entidades nunca
acordaram os procedimentos e obrigações a seguir para participar este tipo de
sinistros, conforme demonstra o documento com a referência 508HR/02, de 20 de
Maio de 2002, emitido pelo director da Chevron Daniel Rana.
“FORAM OBSERVADOS TODOS OS PROCEDIMENTOS”, DIZ A
CHEVRON
Inconformado, triste, revoltado e
disposto a recorrer até onde fosse possível, em 2011 Raimundo Zeferino da Silva
solicitou à associação Mãos Livres assistência jurídica gratuita, que lha
concedeu.
O desempregado endereçou, no dia 3 de
Novembro de 2006, uma carta ao procurador-geral da República, informando-o
sobre a “injustiça”.
No dia 5 de Março de 2007, em resposta
ao provedor de Justiça, a direcção da Chevron-CABGOC justificou o despedimento
dizendo: “O acidente do qual resultaram as lesões [de Raimundo Silva] ocorreu
no dia 28 de Dezembro de 2000, em seu domicílio em Luanda durante o seu período
de repouso.”
A Procuradoria-Geral da República, com
base na referida carta do queixoso, instaurou um processo laboral e remeteu-o
para a sala de trabalho do Tribunal Provincial de Luanda. Até à presente data
“não se sabe o paradeiro deste processo”, lamentou Raimundo Silva.
Dias depois, Paulo Tjipilica, provedor
de Justiça a quem Raimundo Silva remeteu a mesma missiva, encaminhou o processo
para o presidente do Tribunal Provincial de Luanda, na ocasião Augusto
Escrivão, nos seguintes termos: “Remeto a Vossa Excelência cópia da participação
de Raimundo Zeferino da Silva […] que foi vítima de acidente de trabalho,
sucessivamente ostracizado e despedido pela Chevron-CABGOC em consequência da
deficiência permanente, resultante do traumatismo laboral.”
Como refutação ao ofício número 090/2007
da Provedoria de Justiça, a Chevron-CABGOC enviou documento de resposta onde
declarou: “Relativamente à rescisão do contrato de trabalho do senhor Raimundo
Silva, foram observadas todas as formalidades legalmente exigidas.”
Adiante, no mesmo documento enviado à
Provedoria de Justiça, a Chevron-CABGOC alegou ter colocado Raimundo Silva no
Programa de Recolocação por um período de seis meses, devido à redução das suas
capacidades físicas e à consequente impossibilidade de continuar a desempenhar
as funções que vinha exercendo.
Ainda segundo a empresa, após os seis
meses no Programa de Recolocação, por não existir na altura um posto de
trabalho compatível com o estado físico de Raimundo Silva, a petrolífera
norte-americana decidiu rescindir o contrato de trabalho.
A medida, notou o desempregado, viola
claramente a «apólice 334 – Employee With Unacceptable Work Perfomance (Health
or Physical Limitations)», que proíbe tomar-se qualquer decisão antes de o
sinistrado ser submetido à Junta Médica.
Raimundo Silva evocou ainda a «Norma 200
para Empregados Angolanos - Licença de Serviço com Remuneração» da empresa,
segundo a qual, “no caso de doenças ocupacionais, o empregado receberá cem por
cento do seu salário base até que a Junta Médica se pronuncie sobre a aptidão
do empregado para o trabalho”.
JUNTA MÉDICA EM CENA
A Junta Médica só se pronunciou sobre a
classificação da incapacidade laboral e sobre a aptidão de Raimundo Silva no
dia 17 de Dezembro de 2009, passados cinco anos desde o
despedimento, tendo certificado que o sinistrado “apresenta[va] incapacidade
permanente absoluta para o trabalho habitual com 25 porcento [termo
técnico usado nos relatórios da Junta Médica]”.
“Até ao momento, a AAA e a Chevron nunca
fizeram o pagamento das pensões e indemnizações vencidas nos termos do artigo
118º do Código de Processo de Trabalho - valor das causas nos processos de
acidente de trabalho e doenças profissionais – ou ainda conforme as normas
vigentes na empresa”, contou Raimundo Silva.
ENTRADA DA SEGURADORA AAA
No documento sobre o estado de saúde do
trabalhador, Jaime de Abreu, presidente da Junta Médica de Invalidez, garantiu
que o “tratamento conservador” ao qual o sinistrado foi submetido “não teve
êxito”.
Diante de tal relatório, a seguradora
AAA, empresa com quem a Chevron Texaco firmou contrato em 2002, procedeu à
indemnização ao Raimundo Silva no valor de 32 mil dólares norte-americanos,
“sem estar obrigada contratualmente a tal, por mera política de boas relações
comerciais com a empresa Cabinda Gulf, que é uma boa cliente”, lê-se na
contestação da AAA apresentada em tribunal.
Porém, na mesma declaração, a AAA alegou
ter recebido uma carta da Chevron “a solicitar ajuda no sentido de ser
resolvida a situação do sinistro ocorrido”.
RECURSO À ASSEMBLEIA NACIONAL
Desamparado por não encontrar respostas
ao pedido de indemnização pelas incapacidades temporárias e a pensão pela
incapacidade permanente no Tribunal Provincial de Luanda, depois de este órgão
judicial ter absolvido a Chevron-CABGOC em 2011, mesmo com a intervenção do
provedor da Justiça, Raimundo Silva e o advogado Salvador Freire começaram a
enviar cartas à Assembleia Nacional (AN).
O recurso à AN surgiu depois do conselho
do presidente do Conselho de Administração da SONANGOL E.P., que, através do
ofício com a referência 361/GPCA/12, apercebendo-se de que o director-geral da
Chevron, Richard P. Cohagen, não havia dado “qualquer apoio ao sinistrado”,
aconselhou-o lesado a “recorrer ao mais alto nível da companhia na qual foi
trabalhador”.
A primeira, datada de 24 de Janeiro de
2013, foi endereçada ao presidente da AN, Fernando da Piedade Dias dos Santos
«Nandó».
Por sua vez, passados sete dias, «Nandó»
reencaminhou a aludida carta aos presidentes da 8ª e 10ª Comissões de Trabalho
da Assembleia Nacional.
Genoveva da Conceição Lino, deputada e
presidente da 10ª Comissão da AN, encarregue dos Direitos Humanos, Petições,
Reclamações e Sugestões dos Cidadãos, “no sentido de tomar as providências que
se mostrem pertinentes”, solicitou informações ao PCA da Chevron-CABGOC sobre
Raimundo Silva, isto no dia 14 de Fevereiro de 2013 (Ref.: 192/10ªCOM-5/2013),
realçando que “o assunto se enquadra na acção de controlo e
fiscalização da AN de acordo com a disposição da alínea n) do número 1 do
artigo 261º do Regimento da AN”.
Ivone Simeão e Iracelma Pedro,
representantes da Chevron-CABGOC, em resposta à solicitação de Genoveva Lino,
comprometeram-se em enviar “todas as documentações para análise”, das quais se
realçavam cinco atestados de saúde “aplicados com vícios [atestados falsos] que
serviram de base para o despiste precoce do sinistro, da doença profissional e
da ilegalidade do despedimento”, esclareceu Salvador Freire.
Oito meses depois, precisamente no dia
31 de Outubro, Raimundo Silva foi informado pela 10ª Comissão da AN sobre o
esclarecimento que a Chevron prestou no dia 27 de Setembro de 2013, sem que, no
entanto, tivesse apresentado os documentos pedidos pelo órgão de soberania
nacional.
“… o Tribunal Provincial de Luanda
pronunciou-se ao absolver a CABGOC e arquivou o processo, devido a caducidade
do mesmo. E que a CABGOC cumpriu com todos os pressupostos legais, indemnizando
o senhor Raimundo na sua totalidade, ao fazer todos os pagamentos que lhe eram
devidos em 2004”, lê-se no ofício com a Ref.: 609/10ªCOM-C/2013.
Raimundo Silva refutou: “Isto é uma
vergonha. Como é possível eles dizerem que fizeram todos os pagamentos em 2004
quando a avaliação da Junta Médica apenas surgiu no dia 17 de Dezembro de 2009?
Por isso peço às instâncias superiores que respeitem, no mínimo, a lei, porque
acidente de trabalho e doença profissional não são assuntos confidenciais.”
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