Rui Verde,
doutor em direito
MAKAANGOLA.ORG
Maka Angola publica hoje um parecer jurídico sobre os processos de
aquisição de mais de 24 000 hectares de terra pelo juiz conselheiro Rui
Ferreira, presidente do Tribunal Constitucional, juntamente com dois dos seus
filhos.
O parecer dá resposta a questões pertinentes levantadas por alguns
leitores, em particular Miguel Ângelo Oliveira Ganga e Fonseca Bengui. Os
requerimentos feitos em nome de Rui Ferreira - desde a solicitação dos
terrenos, passando pelo seu cadastramento, até ao processo final de aquisição
do direito de superfície - foram todos deferidos pelas autoridades competentes.
O juiz, no
texto publicado por Maka Angola, referiu-se à necessidade de corrigir os
referidos procedimentos, os quais, como justificou, foram da iniciativa do seu
gestor e na ausência do seu devido conhecimento.
***
Recentemente, veio a público um
requerimento em nome do juiz conselheiro Rui Ferreira, presidente do Tribunal
Constitucional, como representante de uma sociedade anónima, para a aquisição
do direito de superfície de milhares de hectares de terra, no Kwanza-Sul.
Dizia um velho brocardo latino “In
claris non fit interpretatio” (“Naquilo que é claro não é preciso
interpretação). E o que é claro nesta situação?
Os magistrados judiciais não podem,
enquanto em exercício de funções, exercer qualquer actividade pública ou
privada além da judicatura, a não ser as de docência e investigação de natureza
jurídica.
Assim prescreve, sem admitir excepções,
o número 5 do artigo 179.º da Constituição da República de Angola.
Não é preciso invocar qualquer legislação adicional. Este preceito constitucional tem aplicabilidade directa e não necessita de qualquer intermediação.
Não é preciso invocar qualquer legislação adicional. Este preceito constitucional tem aplicabilidade directa e não necessita de qualquer intermediação.
Encontramo-nos num tempo em que é mais
importante a actuação do poder judicial do que do poder militar. As leis
angolanas são, na sua generalidade, boas leis. A grande questão está na sua
aplicação justa e imparcial. Se as leis são bem e efectivamente aplicadas,
Angola progredirá. Se as leis são esquecidas, ignoradas ou não aplicadas,
Angola voltará a ter problemas graves.
Portanto, a questão do cumprimento da
lei por um dos juízes mais importantes do país não é de somenos importância.
No caso em apreço justificava-se por
força da Constituição, Art. 179.º n.º 5 e Art. 184.º, n.º 1, a), a instauração
de um inquérito disciplinar por parte do Conselho Superior da Magistratura.
Uma outra questão diz respeito à Lei de
Terras e ao conteúdo da aparente decisão tomada a propósito do requerimento do
juiz conselheiro Rui Ferreira. A Lei n.º 9/04 de 9 de Novembro prescreve, no
seu Art. 5.º, que a terra constitui propriedade originária do Estado. No
entanto, é admissível, nos termos do Art. 39.º do mesmo normativo, a
constituição pelo Estado do direito de superfície sobre terrenos rurais ou
urbanos integrados no seu domínio privado, a favor de pessoas singulares
nacionais. Mas, no Art. 43.º do referido decreto-lei, determina-se, no seu
número 2, que a área dos terrenos rurais, objecto de contrato de concessão, não
pode ser inferior a dois hectares nem superior a 10 000 hectares, sendo que, nos
termos do seu número 3, só o Conselho de Ministros pode autorizar a transmissão
ou a constituição de direitos fundiários sobre terrenos rurais de área superior
ao limite máximo indicado no número anterior.
Ora, no caso vertente, parece que
estamos perante uma concessão de aproximadamente 25 000 hectares, embora
atribuídos (e distribuídos) ao senhor juiz conselheiro e a dois dos seus
filhos.
O caso aparenta constituir uma fraude à
lei que proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares
sem aprovação do Conselho de Ministros.
Sendo o terreno contíguo, integrado numa
única unidade produtiva, com um centro de comando único, não se vê o sentido de
qualquer divisão dos requerimentos, a não ser ultrapassar o obstáculo legal. O
importante, para definir uma fraude à lei, não é a intenção das partes (e, como
argumento, admitamos que as partes teriam a melhor das intenções), mas o
resultado objectivo obtido. Na fraude à lei defrauda-se o imperativo de uma
norma material do normativo legal através da utilização de qualquer instrumento
jurídico adequado.
Neste sentido, e ainda nos termos do
mesmo diploma legal, as decisões da autoridade concedente contrárias à lei são
nulas (Art. 69.º).
Nestes termos, deverá ser solicitada a
nulidade destes actos de concessão de direitos de superfície, devido a aparente
fraude à lei.
Imagem: Vista panorâmica da Fazenda
Ulunga, de Rui Ferreira, presidente do Tribunal Constitucional.
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