Rafael
Marques de Morais
makaangola.org
O governador provincial do
Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, de 61 anos, tem vindo a requerer
a si próprio autorização para a legalização de terrenos destinados à
agro-pecuária e à construção de condomínios. Através de um esquema habilmente
montado, o governador e os seus filhos somam já a posse de mais de 30 000
hectares (mais de 300 quilómetros quadrados) de terra no Kwanza-Sul.
Figura de grande peso na
estratégia militar do círculo restrito do poder presidencial, paralela às
Forças Armadas Angolanas (FAA), o general Eusébio de Brito Teixeira ocupa,
cumulativamente, o cargo de representante da Casa de Segurança do Presidente da
República para o Sul de Angola.
“Vamos seguir as
orientações do programa do MPLA, que é crescer mais e distribuir melhor”,
frisou o governador no acto do seu empossamento pelo presidente José Eduardo
dos Santos, a 29 de Setembro de 2012. o general é também o primeiro secretário
do MPLA, o partido no poder, no Kwanza-Sul.
No seguimento dessas
orientações do programa do MPLA, ao longo do ano de 2013, o governador atribuiu
a si próprio uma grande extensão territorial da província sob seu comando, como
adiante melhor se explica.
Primeiro, Maka Angola revela, por ordem cronológica, os
processos concluídos pelo general no presente ano.
A 17 de Abril passado, a
empresa Eusébio de Brito Teixeira e Filhos (EBRITE) solicitou ao governador
Eusébio de Brito Teixeira a legalização de um terreno para loteamentos
destinados à urbanização na orla marítima, na praia da Chicucula, comuna da
Gangula, município do Sumbe. O terreno, com uma dimensão de 92 hectares, é
ocupado por uma vasta comunidade, que será desalojada.
A EBRITE é uma empresa
criada a 12 de Outubro de 1998 pelo general Eusébio de Brito Teixeira e em
representação dos seus filhos Carlos Mandume Brito Teixeira e Dilma Jeruza
Serpa Teixeira. Desde então, o general, detentor de 50 por cento do capital,
assumiu as funções de gerente da empresa. Para além da agro-pecuária, o objecto
social da EBRITE inclui também serviços de cabeleireiro e de exploração mineira,
“podendo dedicar-se a qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que os
sócios acordem ou seja permitido por lei”.
No mesmo dia 17 de Abril
de 2014, um outro pedido, apenso ao da EBRITE, deu entrada no governo
provincial. Trata-se do pedido de Geosystems Angola Lda., que solicita a
concessão de 153,53 hectares contíguos, a Sul, ao solicitado pela EBRITE. Ambos
os pedidos foram processados com bastante celeridade. “À secretaria p/
[para] instrução do processo. [assinatura ilegível]. 05-06-014 Urgente”, lê-se
no despacho para cada um dos requerimentos, emanado do gabinete do governador.
Segundo fonte da administração do Sumbe, “a Chicucula é um terreno comunitário, com muita população aí radicada. Também é uma zona de transumância do gado e, por essa razão, não pode ser objecto de concessão”. O Rio Keve desagua para o mar, na Chicucula.
Segundo fonte da administração do Sumbe, “a Chicucula é um terreno comunitário, com muita população aí radicada. Também é uma zona de transumância do gado e, por essa razão, não pode ser objecto de concessão”. O Rio Keve desagua para o mar, na Chicucula.
“O governador e as
empresas que a ele se associaram, a Pisek Engineering, a Geoland e a
Geosystems, querem realizar aí um projecto turístico, atropelando a lei.”
As três empresas têm em comum a participação accionista maioritária e, como sócio-gerente, o mesmo indivíduo: Bruno da Silva Magalhães.
As três empresas têm em comum a participação accionista maioritária e, como sócio-gerente, o mesmo indivíduo: Bruno da Silva Magalhães.
A Geoland e a Geosystems
completaram o seu processo de registo comercial apenas a 7 de Abril de 2014,
com publicação em Diário da República. A Geoland tem perto de 60 áreas de
intervenção no seu objecto social, desde a gestão de infantários, passando pela
ourivesaria e até à exploração petrolífera. Passados dez dias, já ambas tinham
submetido os seus pedidos de legalização de terrenos ao governador. A Pisek
Engineering é originária de Portugal e está efectivamente registada em Angola
desde Fevereiro de 2013.
Segundo o Regulamento
Geral de Concessão de Terrenos, “os terrenos rurais comunitários são os
terrenos ocupados por famílias das comunidades rurais locais e utilizados por
estas, segundo o costume relativo ao uso da terra, para sua habitação,
exercício da sua actividade ou para outros fins reconhecidos pelo costume ou
pela lei”.
O referido regulamento
estabelece, por sua vez, que “os terrenos rurais comunitários abrangem as áreas
complementares para a agricultura itinerante, os corredores de transumância
para o acesso do gado a fontes de água e a pastagens e os atravessadouros,
sujeitos ou não ao regime de servidão, utilizados para aceder à água ou às
estradas ou caminhos de acesso aos aglomerados urbanos”.
Esses terrenos, ainda de
acordo com o regulamento, “não podem ser objecto de concessão”.
Da investigação realizada
no local, Maka Angola apurou que, inicialmente, o general Eusébio
de Brito Teixeira prometera ao soba da Chicucula a construção de escolas e a
dinamização de outros projectos sociais, como iniciativa do Estado. “O
governador nunca informou o soba de que estava a expropriar as terras para seu
benefício privado, para a construção de um projecto turístico”, revela um
membro da comunidade local, sob anonimato, por temer represálias.
Na zona, também há muito
gado pertença de outros oficiais generais, incluindo o brigadeiro João Manuel,
que se sentem incomodados com a situação.
Governador Requer a Si Próprio
Mais uma vez, a 17 de
Abril, três processos de legalização foram remetidos ao governo provincial como
um só dossiê. O general Eusébio de Brito Teixeira requereu 48 847 m2 para a
construção de um condomínio.
Por sua vez, a Pisek
Engineering, Lda. obteve 23 875 m2. Encaixando o condomínio, a Sul, Oeste e
Leste, a Geoland – Engenharia Lda. recebeu 30 677 m2. O cadastramento dos
terrenos foi feito com urgência e o processo ficou concluído a 22 de Abril.
Na sequência dos trâmites
burocráticos, a 4 de Maio de 2014 o general Eusébio de Brito Teixeira escreveu
“a Sua Ex.ª Senhor Governador Provincial do Cuanza Sul”, ou seja, a si mesmo.
No requerimento, o general redigiu: “Desejando legalizar uma parcela de terra
com 48 847 m2 para construção de um condomínio na área dos Ex-Carvalhos
[Gangula], na cidade do Sumbe”, a capital da província.
Para o efeito, “vem mui
respeitosamente requerer a Sua Ex.ª Senhor Governador que se digne mandar
passar a referida autorização”.
Passado um mês, a 6 de
Junho, o administrador municipal do Sumbe, Américo Alves Sardinha, remeteu ao
governador provincial o ofício 252/06.06.09/2014, com cópia para o general
Eusébio de Brito Teixeira, ou seja, outra vez o governador provincial.
Tratava-se do parecer favorável das entidades locais para que o governador
Eusébio de Brito Teixeira pudesse, finalmente, conceder a autorização de
legalização do terreno que ele próprio solicitou.
O referido terreno
situa-se junto à Estrada Nacional 100 e ao futuro Campus Universitário, e está
ligado ao projecto de construção habitacional da nova centralidade.
O coronel Serafim Maria do
Prado, anterior governador do Kwanza-Sul e actual deputado do MPLA, já havia
registado grande parte do referido terreno em seu nome. A lei é a de quem manda
agora.
Fontes do governo
provincial indicam que, na realidade, o governador utilizou a Pisek e a Geoland
para se conceder a si próprio um total de 103 399 m2 (10,3 hectares), para a
construção do seu condomínio. Essas empresas são sócias do governador na
construção do condomínio e têm sido privilegiadas numa série de empreitadas na
província.
O legislador estabelece,
no Regulamento de Concessão de Terrenos, um limite máximo de concessão de dois
hectares nas áreas urbanas e de cinco hectares nas áreas suburbanas. Quando a
concessão solicitada ultrapassa os cinco hectares, é da competência do ministro
do Urbanismo proceder à sua autorização ou não.
Maka Angola tem tentado, sem sucesso, obter a
reacção oficial quer do requerente, Eusébio de Brito Teixeira, quer do
general-governador, Eusébio de Brito Teixeira, que são uma e a mesma pessoa.
A Comuna do Governador
O governador expropriou
praticamente a comuna do Dumbi, no município do Cassongue, ao abocanhar um
total de 22 685,21 hectares, para três fazendas.
Na primeira, que cobre a
aldeia do Chipindo, o general-governador passou em seu nome 11 000 hectares.
Por lei, o processo deveria ter sido aprovado pelo Conselho de Ministros, ou
seja o presidente da República, que detém o poder exclusivo de conceder
terrenos acima de 10 000 hectares.
A 27 de Maio passado, o
governo provincial concluiu o processo de concessão “da parcela de terreno
pertencente ao Sr. Eusébio de Brito Teixeira”.
“O governador não tem
competência para outorgar-se a si próprio 11 000 hectares. Ele mentiu à
população, ao afirmar que o terreno era para um projecto do Estado, para o
combate à fome e à pobreza”, explica um influente membro da administração
local, que prefere não ser identificado.
Uma vez esclarecidas as
reais intenções do governador, as comunidades locais organizaram-se e forçaram
a retirada da maquinaria e do pessoal que procedia à delimitação da fazenda, a
abertura de picadas, entre outras obras necessárias à operacionalização inicial
da estrutura.
A maquinaria havia sido
cedida por um empresário do município da Quibala, general Lisboa, em troca de
favores com o governador.
Segundo revelações de
alguns populares ao Maka Angola, dois funcionários do governo provincial, que
trabalhavam no projecto privado do governador, tiveram de abandonar o local na
carroçaria de um camião que transportava sacos de bómbó. “O governador estava a
usar funcionários do Estado sem sequer dar-lhes ajudas de custo, alimentação ou
qualquer outra assistência para realizarem o seu trabalho”, indicam os
populares.
Ainda na comuna do Dumbi,
o general-governador tem uma fazenda com 8 115,91 hectares, que se atribuiu a
si próprio com a aprovação do ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural
(MINADER), Afonso Pedro Canga.
Na Aldeia Vavele, na mesma
comuna, Eusébio de Brito Teixeira apossou-se de mais 3569,3 hectares, com vista
à instalação de uma terceira fazenda.
Sobre os métodos de acumulação de terras pelo governador, um alto funcionário do MINADER, sob anonimato, diz: “Tudo é possível nesta república das bananas. A lei é só para os pequenos, os pobres, os excluídos e os deixados por conta.”
Sobre os métodos de acumulação de terras pelo governador, um alto funcionário do MINADER, sob anonimato, diz: “Tudo é possível nesta república das bananas. A lei é só para os pequenos, os pobres, os excluídos e os deixados por conta.”
De acordo com o mesmo alto
funcionário, “um requerente poderoso pode juntar dezenas ou centenas de
milhares de hectares e não fazer sequer uso, a um por cento, das terras
ocupadas. Mas dessa forma se constitui uma fortuna, em terras, a custo zero. É
a acumulação primitiva de capital”.
“Outra estratégia para
facilitar a usurpação de terras a camponeses e cidadãos comuns são os avisos
colocados pelo Estado, identificando as áreas como zonas fundiárias ou
requalificadas para utilidade pública. Assim, os dirigentes expropriam muitos
terrenos a coberto da lei e para fins privados”, adianta a fonte.
Como exemplo, o
interlocutor fala do Projecto Quiminha, no município de Icolo e Bengo, em
Luanda, que envolve a empresa israelita Tahal. “Expropriaram as terras aos
camponeses, com promessas de compensação que nunca cumpriram. Segundo a voz do
povo, a situação lá está a aquecer”, remata o interlocutor.
Distribuir Melhor, à Família
Ainda na sequência da
política do MPLA, partido no poder há 39 anos, que advoga o lema “crescer mais
e distribuir melhor”, o governador, no ano passado, engajou-se na melhor
distribuição de terrenos pela sua família. A 5 de Dezembro de 2013, a esposa
do general Eusébio de Brito Teixeira, Isaura da Conceição de Lima Serpa
Teixeira, também requereu ao seu marido, o governador do Kwanza-Sul, a
aquisição do direito de superfície de uma parcela de 1000 hectares em Sahossi,
na comuna da Sanga, município da Cela.
No mesmo dia, a 5 de
Dezembro de 2013, a filha de ambos, Dilma Jeruza de Serpa Teixeira, também
remeteu um pedido ao pai para aquisição do direito de superfície de 500
hectares contíguos, a oeste, ao terreno cadastrado pela mãe Isaura. Outro filho
do casal, Edilson Paulo Serpa Teixeira, também recorreu ao mesmo expediente, no
mesmo dia, para registar, como sua posse, 500 hectares contíguos, a sul e a
leste, ao terreno da irmã.
Desde 25 de Fevereiro de
2013, Edilson Teixeira serve oficialmente como membro do executivo provincial,
com a categoria de assessor do governador, ou seja, o seu pai. O acto de
nepotismo do governador relativamente à nomeação do seu filho é apenas um
reflexo das práticas da direcção do MPLA.
Mas a história não termina
aqui: duas outras filhas do governador do Kwanza-Sul, Petra Okssana de Azevedo
Teixeira e Eucélia Valula de Azevedo Teixeira, encaminharam, de igual modo, a 5
de Dezembro de 2013, os seus pedidos de aquisição de 500 hectares cada uma ao
pai.
A parcela de Petra Okssana
é contígua, a norte, sul e oeste, à da madrasta Isaura, enquanto a sul se junta
à da irmã Dilma e ao Riacho Cacufo. Já a leste, o seu terreno é uma extensão
dos cadastrados pelas irmãs Eucélia e Dilma.
Por meio do referido
expediente, o governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito
Teixeira, transferiu num só dia mais 3000 hectares de terra para o seu pecúlio
familiar.
Fonte próxima da família
do governador refere apenas que o mesmo “é conhecido como um patriarca muito
bondoso e generoso para com os seus familiares”. No entanto, convém
salientar que a generosidade do governador, na transferência de bens públicos
para si e para a sua família, é ilegal.
O governador está
proibido, pela Lei da Probidade, de “intervir na preparação, na decisão e na
execução dos actos e contratos” sobre os quais tenha interesse directo (Art.
28.º, a) ou que favoreçam a cônjuge, os filhos ou outros familiares directos
(idem, b).
A referida lei considera
ainda como acto de enriquecimento ilícito a integração ilegal de bem
patrimonial público, neste caso, terras, para a propriedade privada do
governador (Art. 25.º, j).
Apesar de abundantes
provas de conduta no mínimo questionável, o general está protegido pela
impunidade que a corrupção colectiva confere aos seus protagonistas. A
corrupção e o saque do país têm sido os principais factores de unidade entre os
diversos grupos do MPLA, das Forças Armadas Angolanas, da Polícia Nacional e
dos órgãos de soberania.
No Kwanza-Sul, só os altos
dirigentes figurativos ou desatentos não têm o seu quinhão de terra. A seu
tempo, Maka Angola publicará a lista dos senhores
feudais, latifundiários e “minifundiários” que dividiram, entre si, uma
província inteira. Com a mesma voracidade, esses senhores já se expandem no
esbulhamento feudal de terras em Malanje e noutras províncias do país.
Como cantava Zeca Afonso:
“Eles comem tudo e não deixam nada.”
O feudalismo do general Eusébio em
tabela: Clique aqui.
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