Rafael Marques
de Morais
MAKAANGOLA
Muitas são as práticas rotineiras dos
gestores públicos com vista ao saque desenfreado dos recursos do país. Algumas
delas, sobretudo nos domínios da saúde e da educação, são escândalos de
arrepiar, agora relatados pelo Tribunal de Contas.
Nesta edição, o Maka Angola traz a lume alguns dos actos delinquentes denunciados pelo Tribunal de Contas nas províncias da Huíla, Bengo, Huambo e Moxico.
Huíla: Hospitais-Fantasma e Outros Fenómenos
Os investimentos na saúde e na educação merecem sempre aprovação pública. Por isso, o governo provincial da Huíla orçamentou, em três anos seguidos, fundos para a construção de uma mesma pequena maternidade no município do Lubango, a um custo total de US$ 18.4 milhões, de acordo com o mapa de repetições relevado pelo tribunal. Qual brincadeira de malucos, com o mesmo esquema, os gestores provinciais reclamaram também acima de US $18 milhões para a construção de um hospital psiquiátrico. Noutra rubrica, levaram mais US $10 milhões para a construção de um centro de atendimento psiquiátrico, a que chamaram também de hospital.
Então, para melhor se explicar, o governo provincial dedicou também mais de US $3 milhões de dólares, à média de um por ano, para “divulgação, promoção e imagem do programa de governo” na Huíla.
A imagem governamental é mais bem projectada através de veículos. Vai daí, sem cabimentação no Orçamento Geral do Estado de 2013, o governo de João Marcelino Tyipinge gastou US $2.67 milhões na aquisição de 29 viaturas de marca Toyota. Apenas dez viaturas estão especificadas como sendo Prado TXL. Em média, cada viatura custou US $92,068 aos cofres do Estado. Para além dos Toyotas, o governo provincial precisou e adquiriu mais três viaturas ao custo de US $81 mil cada, perfazendo um total de US $243 mil. O tribunal não especificou a marca desses três veículos.
Bengo: Escolas, Construções e Outras Falcatruas
No Bengo, a construção da Escola Superior Pedagógica dos Dembos é bem ilustrativa da corrupção que se gera em torno dos abusos e desvios orçamentais. O Tribunal de Contas constatou que, para a referida empreitada, o governo do Bengo, a cargo de João Miranda, celebrou dois contratos no valor de 180.3 milhões de kwanzas (US $1.8 milhões) em 2012. Compulsado o Orçamento Geral do Estado de 2012, verifica-se que haviam sido orçamentados apenas 125 milhões para o efeito. Mas, no orçamento de 2013, as autoridades locais incluíram mais 720 milhões de kwanzas (US $7.2 milhões) para a mesma escola. Pela foto, trata-se de uma construção básica de algumas salas de aula. Segundo o Tribunal de Contas, esse último valor foi “liquidado a 100%, perfazendo uma diferença de 539.7 milhões de kwanzas não justificada documentalmente”. Ou seja, a escola serviu para o desvio do equivalente a mais de cinco milhões de dólares.
O Tribunal de Contas reporta também a construção, concluída e logo abandonada, de um centro de saúde no município do Dande, mesmo a 300 metros do hospital local.
Noutro exemplo, cita a construção do bloco operatório do Hospital Municipal de Pango Aluquém. Parece mentira, mas não é: o referido bloco “não tem via de acesso para macas, uma vez que se encontra fisicamente separado da estrutura do hospital”, confirma o Tribunal de Contas, anexando uma foto da obra.
Todos esses esquemas requerem muitos estudos. Para o efeito, o Gabinete de Estudos e Projectos do governo provincial do Bengo gastou acima de US $2.85 milhões em estudos aparentemente inexistentes. “Não foram apresentados os referidos estudos”, lamenta o Tribunal.
Há duas outras grandes falcatruas por conta do governo provincial ao nível da sua administração e da polícia. Desde 2011, o governo de João Miranda gastou mais de US $6.5 milhões na construção e apetrechamento de instalações das direcções provinciais e órgãos no município do Dande. No terreno, em Novembro de 2014, o Tribunal de Contas constatou apenas a existência de fundações, mas a verba foi liquidada a “99.6%”. O tribunal anexou a foto ao relatório, para o caso de haver dúvidas.
Mas é com a Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) que os dirigentes do Bengo demonstram a sua classe em falta de vergonha. Em 2011, o governo provincial gastou os 50 milhões de kwanzas orçamentados para a construção da unidade da UPIP no Bengo. Em 2012 incluiu mais 30 milhões de kwanzas no orçamento para a mesma obra, que foi inaugurada em Julho desse mesmo ano. Mas, com o mesmo projecto, em 2013 os governantes locais foram buscar o equivalente a mais de US $2.5 milhões aos cofres do Estado. Segundo o TC, em 2013 “não houve execução de qualquer natureza”, porque a unidade já havia sido inaugurada.
Huambo e Moxico: Contratos e Atropelos da Lei
Todavia, é no Huambo que o Tribunal de Contas melhor compreende a sua falta de autoridade e a sua existência simbólica.
Por Acórdão (n.º 2 de 24 de Janeiro de 2012), o TC recusou o visto para a execução da obra de construção do Centro Cultural do Huambo. Em 2011, o então Ministério do Urbanismo e da Construção havia alocado 385.3 milhões de kwanzas (US $4 milhões) para a obra.
Não obstante o chumbo do tribunal, os gestores celebraram dois contratos diferentes para o mesmo projecto, “nos montantes de Kz 488.4 milhões e Kz 491.4 milhões, respectivamente, sem que fossem submetidos ao visto prévio do TC”. Assim, os gestores deram o destino que bem entenderam a um total de mais de US $13 milhões.
Por sua vez, o governo de Kundi Paihama, no Huambo, também ignorou a legislação em vigor bem como o Tribunal de Contas, e executou contratos equivalentes a mais de US $28 milhões, sem o visto prévio desta instituição.
No Moxico, o TC notou o facto de a empresa Delka Corporation, Lda ter celebrado um contrato de 166.5 milhões de kwanzas para a construção de uma escola no Luena, a capital da província. No terreno, o TC verificou que a empresa recebeu 62 por cento do valor do contrato mas não moveu uma palha.
Recomendações e Responsabilidades
Para estancar os abusos, o TC recomenda que os gestores públicos “evitem a recondução de projectos já concluídos, bem como o pagamento de obras inexistentes (UO [Unidade Orçamental] e MINFIN [Ministério das Finanças])”.
O tribunal pede também que os gestores cumpram “com os dispositivos dos diplomas legais em vigor no que tange ao envio dos contratos para a fiscalização prévia do TC”.
Segundo um jurista contactado pelo Maka Angola e que prefere o anonimato, a responsabilidade principal deve ser assacada ao chefe do executivo, que tem a responsabilidade de orientar e supervisionar, em primeira instância, os actos do seu governo. Adianta que cabe ao chefe do executivo mandatar o Conselho de Ministros para “remeter os relatórios de execução ao TC para a sua fiscalização, para o cumprimento rigoroso das normas de execução do diploma do orçamento”.
“O TC não se pode queixar agora”, afirma o jurista. O interlocutor realça ainda o facto de se ter esvaziado o papel do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), que “tem grande responsabilidade nisso e certamente tem em posse muita informação deste tipo de fraude financeira”.
Estes casos demonstram que, em Angola, as leis não passam de instrumentos de legitimação política e de uma fachada. Quando se trata de roubar os cofres do Estado e os recursos públicos, não há lei que resista ao compadrio e à solidariedade entre os detentores do poder.
Nesta edição, o Maka Angola traz a lume alguns dos actos delinquentes denunciados pelo Tribunal de Contas nas províncias da Huíla, Bengo, Huambo e Moxico.
Huíla: Hospitais-Fantasma e Outros Fenómenos
Os investimentos na saúde e na educação merecem sempre aprovação pública. Por isso, o governo provincial da Huíla orçamentou, em três anos seguidos, fundos para a construção de uma mesma pequena maternidade no município do Lubango, a um custo total de US$ 18.4 milhões, de acordo com o mapa de repetições relevado pelo tribunal. Qual brincadeira de malucos, com o mesmo esquema, os gestores provinciais reclamaram também acima de US $18 milhões para a construção de um hospital psiquiátrico. Noutra rubrica, levaram mais US $10 milhões para a construção de um centro de atendimento psiquiátrico, a que chamaram também de hospital.
Então, para melhor se explicar, o governo provincial dedicou também mais de US $3 milhões de dólares, à média de um por ano, para “divulgação, promoção e imagem do programa de governo” na Huíla.
A imagem governamental é mais bem projectada através de veículos. Vai daí, sem cabimentação no Orçamento Geral do Estado de 2013, o governo de João Marcelino Tyipinge gastou US $2.67 milhões na aquisição de 29 viaturas de marca Toyota. Apenas dez viaturas estão especificadas como sendo Prado TXL. Em média, cada viatura custou US $92,068 aos cofres do Estado. Para além dos Toyotas, o governo provincial precisou e adquiriu mais três viaturas ao custo de US $81 mil cada, perfazendo um total de US $243 mil. O tribunal não especificou a marca desses três veículos.
Bengo: Escolas, Construções e Outras Falcatruas
No Bengo, a construção da Escola Superior Pedagógica dos Dembos é bem ilustrativa da corrupção que se gera em torno dos abusos e desvios orçamentais. O Tribunal de Contas constatou que, para a referida empreitada, o governo do Bengo, a cargo de João Miranda, celebrou dois contratos no valor de 180.3 milhões de kwanzas (US $1.8 milhões) em 2012. Compulsado o Orçamento Geral do Estado de 2012, verifica-se que haviam sido orçamentados apenas 125 milhões para o efeito. Mas, no orçamento de 2013, as autoridades locais incluíram mais 720 milhões de kwanzas (US $7.2 milhões) para a mesma escola. Pela foto, trata-se de uma construção básica de algumas salas de aula. Segundo o Tribunal de Contas, esse último valor foi “liquidado a 100%, perfazendo uma diferença de 539.7 milhões de kwanzas não justificada documentalmente”. Ou seja, a escola serviu para o desvio do equivalente a mais de cinco milhões de dólares.
O Tribunal de Contas reporta também a construção, concluída e logo abandonada, de um centro de saúde no município do Dande, mesmo a 300 metros do hospital local.
Noutro exemplo, cita a construção do bloco operatório do Hospital Municipal de Pango Aluquém. Parece mentira, mas não é: o referido bloco “não tem via de acesso para macas, uma vez que se encontra fisicamente separado da estrutura do hospital”, confirma o Tribunal de Contas, anexando uma foto da obra.
Todos esses esquemas requerem muitos estudos. Para o efeito, o Gabinete de Estudos e Projectos do governo provincial do Bengo gastou acima de US $2.85 milhões em estudos aparentemente inexistentes. “Não foram apresentados os referidos estudos”, lamenta o Tribunal.
Há duas outras grandes falcatruas por conta do governo provincial ao nível da sua administração e da polícia. Desde 2011, o governo de João Miranda gastou mais de US $6.5 milhões na construção e apetrechamento de instalações das direcções provinciais e órgãos no município do Dande. No terreno, em Novembro de 2014, o Tribunal de Contas constatou apenas a existência de fundações, mas a verba foi liquidada a “99.6%”. O tribunal anexou a foto ao relatório, para o caso de haver dúvidas.
Mas é com a Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) que os dirigentes do Bengo demonstram a sua classe em falta de vergonha. Em 2011, o governo provincial gastou os 50 milhões de kwanzas orçamentados para a construção da unidade da UPIP no Bengo. Em 2012 incluiu mais 30 milhões de kwanzas no orçamento para a mesma obra, que foi inaugurada em Julho desse mesmo ano. Mas, com o mesmo projecto, em 2013 os governantes locais foram buscar o equivalente a mais de US $2.5 milhões aos cofres do Estado. Segundo o TC, em 2013 “não houve execução de qualquer natureza”, porque a unidade já havia sido inaugurada.
Huambo e Moxico: Contratos e Atropelos da Lei
Todavia, é no Huambo que o Tribunal de Contas melhor compreende a sua falta de autoridade e a sua existência simbólica.
Por Acórdão (n.º 2 de 24 de Janeiro de 2012), o TC recusou o visto para a execução da obra de construção do Centro Cultural do Huambo. Em 2011, o então Ministério do Urbanismo e da Construção havia alocado 385.3 milhões de kwanzas (US $4 milhões) para a obra.
Não obstante o chumbo do tribunal, os gestores celebraram dois contratos diferentes para o mesmo projecto, “nos montantes de Kz 488.4 milhões e Kz 491.4 milhões, respectivamente, sem que fossem submetidos ao visto prévio do TC”. Assim, os gestores deram o destino que bem entenderam a um total de mais de US $13 milhões.
Por sua vez, o governo de Kundi Paihama, no Huambo, também ignorou a legislação em vigor bem como o Tribunal de Contas, e executou contratos equivalentes a mais de US $28 milhões, sem o visto prévio desta instituição.
No Moxico, o TC notou o facto de a empresa Delka Corporation, Lda ter celebrado um contrato de 166.5 milhões de kwanzas para a construção de uma escola no Luena, a capital da província. No terreno, o TC verificou que a empresa recebeu 62 por cento do valor do contrato mas não moveu uma palha.
Recomendações e Responsabilidades
Para estancar os abusos, o TC recomenda que os gestores públicos “evitem a recondução de projectos já concluídos, bem como o pagamento de obras inexistentes (UO [Unidade Orçamental] e MINFIN [Ministério das Finanças])”.
O tribunal pede também que os gestores cumpram “com os dispositivos dos diplomas legais em vigor no que tange ao envio dos contratos para a fiscalização prévia do TC”.
Segundo um jurista contactado pelo Maka Angola e que prefere o anonimato, a responsabilidade principal deve ser assacada ao chefe do executivo, que tem a responsabilidade de orientar e supervisionar, em primeira instância, os actos do seu governo. Adianta que cabe ao chefe do executivo mandatar o Conselho de Ministros para “remeter os relatórios de execução ao TC para a sua fiscalização, para o cumprimento rigoroso das normas de execução do diploma do orçamento”.
“O TC não se pode queixar agora”, afirma o jurista. O interlocutor realça ainda o facto de se ter esvaziado o papel do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), que “tem grande responsabilidade nisso e certamente tem em posse muita informação deste tipo de fraude financeira”.
Estes casos demonstram que, em Angola, as leis não passam de instrumentos de legitimação política e de uma fachada. Quando se trata de roubar os cofres do Estado e os recursos públicos, não há lei que resista ao compadrio e à solidariedade entre os detentores do poder.
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