Angola está ou não em crise económica e
dificuldades financeiras? Alguns vêem o País duma maneira soft, não havendo
razões para alaridos, já que Angola tem pago aos seus credores e as reservas
internacionais continuam vigorosas.
EXPANSÃO
Alves da Rocha
Outras posições são mais realistas, elencando
uma série de efeitos perversos sobre as finanças públicas e as receitas
externas com incidência sobre a capacidade de crescimento do PIB e as condições
de vida da população, sobretudo a de parcos recursos. Portanto, num mesmo país
parece que temos vários, consoante os ângulos de análise.
Estas opiniões argumentam que não há crise no
País, porque os nossos fundamentos macroeconómicos continuam sólidos.
Analisemos então alguns dos chamados
macroeconomic fundamentals da economia nacional: Taxa de crescimento do PIB: a
economia nacional está envolvida por muitas fraquezas e desequilíbrios
estruturais. A ilustração mais evidente desta afirmação está no facto de,
depois da tempestade petrolífera de 2008/2009, que atirou o preço do barril
para a 'casa' dos 45 USD e da recuperação quase imediata (2010) para níveis
semelhantes aos anteriores, Angola nunca mais atingiu os padrões de crescimento
do PIB registados até 2008 (11,2% neste ano).
De acordo com as Contas Nacionais, os registos
foram os seguintes: 2,1% em 2009, 3,6% em 2010, 1,8% em 2011, 5,8% em 2012,
3,9% em 2013 e 4,4% em 2014. Entre 2004 e 2008, a taxa média anual de variação
real do PIB foi de 12,5%, enquanto a relativa ao período 2009/2014 foi de
apenas 3,36%. Até 2020, de acordo com as antecipações das mais reputadas
agências internacionais de desenvolvimento (FMI, Banco Mundial, OCDE, BAD,
EIU), a taxa média anual de variação real do PIB situar-se-á na vizinhança de
5,2%.
Verifica-se, na verdade, uma desaceleração
estrutural do crescimento económico do País, que poderia ter sido contrariada
com a diversificação das exportações e a criação de uma massa crítica de
procura nacional endógena (ainda que possam ser reconhecidos alguns avanços na
redução da pobreza, o que é facto é que foram marginais e não sustentáveis e
agora fortemente abalados pela crise do preço do petróleo).
Défice orçamental: entre 2002 e 2014, o saldo
orçamental acumulado foi de 29.801,5 milhões USD3, uma média anual de 2.709,2
milhões USD. Consequentemente e por este prisma, a saúde financeira do Estado
parece sólida, dispondo, portanto, de poupanças públicas consideráveis que
poderão ser as 'munições' (de que alguns dirigentes governamentais falam) a
injectar na economia a partir do segundo semestre de 2015.
Mas, mesmo assim, em 2014, o défice fiscal foi
de 10.087,8 milhões USD (7,8% do PIB) e em 2015 caminha-se para uma cifra
aproximada. As receitas fiscais petrolíferas reduziram-se em 55% no primeiro
semestre de 2015, face a período homólogo do ano transacto e o seu valor só
ficou acima do orçamentado porque no OGE 2015 Revisto o preço médio do barril
de petróleo é de 40 USD5.
A produção de petróleo tem registado cifras
próximas das oficialmente programadas no plano financeiro do Estado e até tem
aumentado. Só que o efeito-preço tem sido muito superior ao efeito-produção.
Ou seja, deste ponto de vista, os fundamentos
macroeconómicos estão fragilizados. Taxa de inflação: segundo as informações do
INE, a inflação acumulada até final de Junho estava estimada em 5,55%, contra,
por exemplo, 3,5% em 2014 e 4,27% em 2013 para o mesmo período.
Está a ocorrer uma aceleração na subida dos
preços em 2015 (cerca de 58,6%), contra uma evidente desaceleração da inflação
ocorrida entre 2013 e 2014 (em redor de -18%). Este processo de aceleração do
ritmo médio de aumento dos preços também é confirmado por outros ângulos de
análise. A inflação homóloga passou de 6,89% em 2014, para 9,61% em 2015 (um
incremento de 39,5%) - cifra que ultrapassa a meta estabelecida pelo Governo no
OGE 2015 Revisto de 9%.
Desde Março do corrente ano que o ritmo de
inflação da economia se está a acentuar. A taxa de inflação mensal passou de
0,53% em Janeiro, para 1,08% em Junho, mais do dobro. Ou seja, um ritmo médio
mensal de subida dos preços de 15,3%.
Reservas internacionais líquidas: entre 2008 e
2009 o País perdeu quase 5 mil milhões USD, tendo-se gerado alguma especulação
quanto às principais causas para esta tremenda queda (17.499 milhões em 2008 e
12.621 milhões em 2009).
O preço médio do petróleo em 2008 foi de 96,8
USD o barril e, em 2009, de 61,5 USD, uma redução de 36,5% (efeitos da crise
económica e financeira internacional deste período). Nos anos seguintes, a
recuperação do montante das reservas internacionais líquidas foi assinalável,
tendo-se atingido a cifra de 30.945 milhões USD em 2013, a maior de sempre. O
preço médio do barril de petróleo aumentou significativamente durante o período
2009-2013: de 61,5 USD para 108,6 USD (variação de 76,7%). Estes fundamentos
alteraram-se radicalmente em 2014, com o stock de reservas internacionais a
diminuir praticamente 12%, relativamente a 2013. E têm estado a piorar no
decurso deste ano. Na verdade, até Junho de 2015, o valor das reservas
internacionais ficou-se por 24,9 mil milhões USD (diminuição de praticamente
10%).
É visível uma deterioração do stock de moeda
externa, sem a qual a economia não funciona. Depreciação da moeda: a
desvalorização do kwanza tem-se processado, desde Dezembro de 2014, a um ritmo
médio mensal de 6,9%, com reflexos evidentes sobre a taxa mensal de inflação,
mesmo que não ocorra um repasse total (que nunca se verificaria, porquanto
existem outras variáveis que influenciam o comportamento geral dos preços).
Numa perspectiva de médio termo, este
comportamento da relação monetária externa pode ajudar a criar expectativas
empresariais positivas quanto aos investimentos privados na diversificação da
economia e em particular na alteração da estrutura das exportações.
Sopesados todos os aspectos anteriores, o País
está mesmo em crise, e se, porventura, o preço do petróleo tocar nos 40 USD,
então Angola poderá entrar em recessão técnica. A diversificação não vai chegar
a tempo de a evitar, havendo, portanto, de contabilizá-la como um custo do
processo de transformação da economia e da falta de visão estratégica do
desenvolvimento sustentado da Nação.
Alves da Rocha - Economista