"A manterem-se as actuais dificuldades de
financiamento da economia, dificilmente se poderá manter o controlo sobre o
ritmo de crescimento dos preços", alerta o também professor e consultor,
que, nas actuais condições macroeconómicas, projecta uma inflação a "roçar
a fasquia dos 14%".
EXPANSÃO
A inflação voltou a escrever-se com dois dígitos
ao atingir 10,4% em Julho. É o regresso do fantasma da inflação?
Para uma economia como a nossa, que nos últimos
anos deu indicações estatísticas de alguma estabilidade de preços e do valor da
moeda nacional, o retorno aos dois dígitos de inflação constitui preocupação.
Até porque grande parte das poupanças, nesse período, passou a denominar-se em
moeda nacional. Por outro lado, a retirada de grande parte dos meios de
pagamento denominados em moeda externa que faziam pagamentos nas compras
internas devolveu ao kwanza a maior responsabilidade de meio de pagamento.
Logo, a perda do seu poder de compra é uma consequência directa do crescimento
da inflação. Entretanto, estando identificadas as principais causas do actual deslizamento
da inflação, é de esperar que alguma reanimação da economia mundial poderá ser
benéfica à recuperação da estabelecimento da moeda nacional. De toda a forma,
parece-me que 2015 será um ano de inflação a dois dígitos.
Quais os factores na base do aumento do ritmo de
crescimento dos preços?
Parece-me que o principal factor tem que ver com
a redução drástica dos recursos em moeda externa, como consequência da baixa do
preço do barril de petróleo no mercado internacional, associada a uma redução
média da produção petrolífera de Angola. Ora, no quadro de uma economia que
recorre a importações de quase tudo o que se consome, é natural que a redução
da capacidade de importação implique a redução da oferta de bens e serviços.
Tratando-se em grande parte de bens e serviços de procura inelástica - como
sejam os casos dos alimentos, medicamentos, vestuário e outros - a pressão
sobre a oferta faz com que a elasticidade no preço de oferta aumente. Por outro
lado, a escassez de divisas no mercado obrigou as autoridades a procederem à
desvalorização da moeda nacional. Naturalmente isso provoca um encarecimento
das importações e, logo, do consumo. A necessidade de aumento da produção
interna esbarra com os mesmos problemas, uma vez que os insumos e
matérias-primas para alimentar esse processo também são de importação e
encareceram como todos os outros produtos.
Depois de uma previsão inicial de 8%, ponto
médio da projecção do OGE 2015, o Governo elevou a meta para 9%, com o OGE 2015
revisto, e recentemente passou para 10,4%. Acredita que o objectivo será
atingido, ou deve ser revisto?
A manterem-se as actuais dificuldades de
financiamento da economia, dificilmente se poderá manter o controlo da
oscilação de preços. A menos que, no limite, a escassez de recursos em moeda
nacional limite os preços pela contingência objectiva do volume de meios de
pagamento em circulação. Mas isso agravaria sobremaneira a redução da
capacidade geral de consumo. Não nos esqueçamos também de que as nossas
operações comerciais internas vinham sendo suportadas por dólares americanos
que detinham os mesmos poderes que o kwanza. As medidas tendentes a contrariar
esta anomalia também têm efeitos colaterais. A reposição do valor dos meios de
pagamento enxugados, com a introdução de moeda nacional em substituição, tem
também os seus efeitos sobre os preços nominais. Qualquer reanimação da
economia mundial que eleve o consumo e o preço do petróleo poderá atenuar o
nível de crescimento da taxa de inflação, mas não acredito que nos livremos da
faixa dos dois dígitos. Penso mesmo que há condições macroeconómicas para roçar
a fasquia dos 14%. Este é um dos custos que o movimento iniciado para a
inversão da lógica das importações encerra.
O BNA de Angola tem vindo a restringir a
política monetária para combater a inflação. Não corre o risco de matar o
doente com a cura?
As medidas restritivas têm os seus efeitos
secundários, como referi na resposta anterior. E estes devem ser bem
calculados. É preciso determinar com o maior rigor possível os efeitos sobre o
consumo, o crédito e a produção que a restrição de meios de pagamento produz.
Afinal, as medidas monetárias restritivas não actuam só sobre a inflação.
Aliás, uma inflação que se controle apenas por esta via está condenada ao
descontrolo. Então, a responsabilidade do controlo da inflação não pode ser
atribuída unicamente ao Banco Nacional de Angola.
Tendo em conta o trade-off entre inflação e
desemprego, as autoridades angolanas não deveriam aceitar mais inflação para
ter menos desemprego?
Aqui se coloca a eficácia das medidas monetárias
sobre o emprego. Entram em questão aspectos como a qualidade da despesa. Há
sectores da economia que, sendo muito exigentes em investimento financeiro, têm
pouco impacto sobre o crescimento da inflação - como é o caso da construção
civil e obras públicas. Mas não se pode esgotar o desemprego apenas neste
sector da economia. Então é necessário diversificar as opções de aplicação dos
financiamentos tanto do ponto de vista geográfico quanto do ponto de vista dos
sectores da economia. De outra forma, é iminente o perigo da estagflação, pois
o mercado parece indicar o crescimento da inflação no mesmo sentido que o
desemprego - apesar de esta ser uma variável ainda muito deficientemente
mensurada. São apenas percepções…
A aceleração da inflação não compensada por
aumentos dos salários terá como consequência uma perda do poder de compra.
Contudo, o Estado e as empresas não parecem ter muitas condições para proceder
a aumentos. Acha que existe risco de aumento da conflitualidade laboral?
É uma contingência do amadurecimento do mercado
de emprego. Neste particular, observamos já a tendência de o Estado deixar de
ser o principal empregador, dando-se à iniciativa privada a possibilidade de se
consolidar e gerar empregos tantos que a conduzam à condição de principal
empregador. E não é por acaso que se observa cada vez mais a tendência de
organização corporativa de empregadores, mas também de sindicatos de
trabalhadores. As reivindicações são cada vez mais consistentes e juridicamente
assistidas. O Estado, do seu lado, promoveu recentemente a revisão da
legislação laboral. É claramente um sinal de atenção ao novo ambiente laboral
com todas as suas consequências sobre o status social do País. Não haja dúvida
de que o valor do trabalho se está a realinhar não só por contingências
económicas, mas também por conflitos trabalhistas naturais em sociedades em
transformação. Entretanto, o contrato social do Estado com as entidades
representativas dos trabalhadores, as confederações sindicais, estabelece o
ajuste gradual do nível de remunerações em função do aumento da inflação, de
forma a atenuar a perda do poder de compra. Acredito que, a breve prazo, este
mecanismo será despoletado, reduzindo assim o potencial de conflito.
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