segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Alguns vectores da actual crise financeira em Angola. Alves da Rocha


Angola está ou não em crise económica e dificuldades financeiras? Alguns vêem o País duma maneira soft, não havendo razões para alaridos, já que Angola tem pago aos seus credores e as reservas internacionais continuam vigorosas.

EXPANSÃO
Alves da Rocha

Outras posições são mais realistas, elencando uma série de efeitos perversos sobre as finanças públicas e as receitas externas com incidência sobre a capacidade de crescimento do PIB e as condições de vida da população, sobretudo a de parcos recursos. Portanto, num mesmo país parece que temos vários, consoante os ângulos de análise.
Estas opiniões argumentam que não há crise no País, porque os nossos fundamentos macroeconómicos continuam sólidos.
Analisemos então alguns dos chamados macroeconomic fundamentals da economia nacional: Taxa de crescimento do PIB: a economia nacional está envolvida por muitas fraquezas e desequilíbrios estruturais. A ilustração mais evidente desta afirmação está no facto de, depois da tempestade petrolífera de 2008/2009, que atirou o preço do barril para a 'casa' dos 45 USD e da recuperação quase imediata (2010) para níveis semelhantes aos anteriores, Angola nunca mais atingiu os padrões de crescimento do PIB registados até 2008 (11,2% neste ano).
De acordo com as Contas Nacionais, os registos foram os seguintes: 2,1% em 2009, 3,6% em 2010, 1,8% em 2011, 5,8% em 2012, 3,9% em 2013 e 4,4% em 2014. Entre 2004 e 2008, a taxa média anual de variação real do PIB foi de 12,5%, enquanto a relativa ao período 2009/2014 foi de apenas 3,36%. Até 2020, de acordo com as antecipações das mais reputadas agências internacionais de desenvolvimento (FMI, Banco Mundial, OCDE, BAD, EIU), a taxa média anual de variação real do PIB situar-se-á na vizinhança de 5,2%.
Verifica-se, na verdade, uma desaceleração estrutural do crescimento económico do País, que poderia ter sido contrariada com a diversificação das exportações e a criação de uma massa crítica de procura nacional endógena (ainda que possam ser reconhecidos alguns avanços na redução da pobreza, o que é facto é que foram marginais e não sustentáveis e agora fortemente abalados pela crise do preço do petróleo).
Défice orçamental: entre 2002 e 2014, o saldo orçamental acumulado foi de 29.801,5 milhões USD3, uma média anual de 2.709,2 milhões USD. Consequentemente e por este prisma, a saúde financeira do Estado parece sólida, dispondo, portanto, de poupanças públicas consideráveis que poderão ser as 'munições' (de que alguns dirigentes governamentais falam) a injectar na economia a partir do segundo semestre de 2015.
Mas, mesmo assim, em 2014, o défice fiscal foi de 10.087,8 milhões USD (7,8% do PIB) e em 2015 caminha-se para uma cifra aproximada. As receitas fiscais petrolíferas reduziram-se em 55% no primeiro semestre de 2015, face a período homólogo do ano transacto e o seu valor só ficou acima do orçamentado porque no OGE 2015 Revisto o preço médio do barril de petróleo é de 40 USD5.
A produção de petróleo tem registado cifras próximas das oficialmente programadas no plano financeiro do Estado e até tem aumentado. Só que o efeito-preço tem sido muito superior ao efeito-produção.
Ou seja, deste ponto de vista, os fundamentos macroeconómicos estão fragilizados. Taxa de inflação: segundo as informações do INE, a inflação acumulada até final de Junho estava estimada em 5,55%, contra, por exemplo, 3,5% em 2014 e 4,27% em 2013 para o mesmo período.
Está a ocorrer uma aceleração na subida dos preços em 2015 (cerca de 58,6%), contra uma evidente desaceleração da inflação ocorrida entre 2013 e 2014 (em redor de -18%). Este processo de aceleração do ritmo médio de aumento dos preços também é confirmado por outros ângulos de análise. A inflação homóloga passou de 6,89% em 2014, para 9,61% em 2015 (um incremento de 39,5%) - cifra que ultrapassa a meta estabelecida pelo Governo no OGE 2015 Revisto de 9%.
Desde Março do corrente ano que o ritmo de inflação da economia se está a acentuar. A taxa de inflação mensal passou de 0,53% em Janeiro, para 1,08% em Junho, mais do dobro. Ou seja, um ritmo médio mensal de subida dos preços de 15,3%.
Reservas internacionais líquidas: entre 2008 e 2009 o País perdeu quase 5 mil milhões USD, tendo-se gerado alguma especulação quanto às principais causas para esta tremenda queda (17.499 milhões em 2008 e 12.621 milhões em 2009).
O preço médio do petróleo em 2008 foi de 96,8 USD o barril e, em 2009, de 61,5 USD, uma redução de 36,5% (efeitos da crise económica e financeira internacional deste período). Nos anos seguintes, a recuperação do montante das reservas internacionais líquidas foi assinalável, tendo-se atingido a cifra de 30.945 milhões USD em 2013, a maior de sempre. O preço médio do barril de petróleo aumentou significativamente durante o período 2009-2013: de 61,5 USD para 108,6 USD (variação de 76,7%). Estes fundamentos alteraram-se radicalmente em 2014, com o stock de reservas internacionais a diminuir praticamente 12%, relativamente a 2013. E têm estado a piorar no decurso deste ano. Na verdade, até Junho de 2015, o valor das reservas internacionais ficou-se por 24,9 mil milhões USD (diminuição de praticamente 10%).
É visível uma deterioração do stock de moeda externa, sem a qual a economia não funciona. Depreciação da moeda: a desvalorização do kwanza tem-se processado, desde Dezembro de 2014, a um ritmo médio mensal de 6,9%, com reflexos evidentes sobre a taxa mensal de inflação, mesmo que não ocorra um repasse total (que nunca se verificaria, porquanto existem outras variáveis que influenciam o comportamento geral dos preços).
Numa perspectiva de médio termo, este comportamento da relação monetária externa pode ajudar a criar expectativas empresariais positivas quanto aos investimentos privados na diversificação da economia e em particular na alteração da estrutura das exportações.
Sopesados todos os aspectos anteriores, o País está mesmo em crise, e se, porventura, o preço do petróleo tocar nos 40 USD, então Angola poderá entrar em recessão técnica. A diversificação não vai chegar a tempo de a evitar, havendo, portanto, de contabilizá-la como um custo do processo de transformação da economia e da falta de visão estratégica do desenvolvimento sustentado da Nação.
Alves da Rocha - Economista


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