Dos largos anos do poder executivo ao reboliço do povo, do chover no molhado, vêm vivas incrementados nos baldes com águas das lavandarias prediais e detritos das cozinhas. De atalaia, as militantes reincidentes continuam o despejo dos recipientes. Com técnica militante rudimentar mas funcional, promovem chuva ácida para arejar o ambiente. Ainda não aderiram, ratificaram convenções locais sobre destruição presente. Sem princípios, meios, prestam os fins
Um carro apresta-se para interiorizar uma grávida, a amiga despede-se cantando-lhe vitória:
- Faz boa viagem, não te esqueças, quando voltares traz-me as roupas da moda.
- Querida, tens que esperar aí uns quatro meses!
No estado interessante, as Fulanas endinheiradas viajam para Olísipo, rebentam, retornam. Não desejam que os filhos nasçam em Abdera. Preferem-nos nacionais estrangeirados.
Como formigas obrigadas a desviarem-se de obstáculos democráticos, as zungueiras flúem no trânsito popular ineficiente. As zungueiras são pobres clientes da grande democracia. Desafortunadas, a ela não dão crédito, não recebem créditos. A pequena democracia é dos clientes VIP afortunados, com créditos. Democracia legitima com actos ilegítimos, contrariando o direito de sobrevivência.
Diviso a anunciação de sol a sol, da fuga desesperada do formigal mulherio. Os filhotes corcovam nos costados maternais. As banheiras plásticas movem-se como navio agitado pela procela. As sem-pão param a prudente distância, a ver de que lado sopra o vento. Sem peitos para correr, o imprevisto confronta-as, tentam fazer marcha-atrás, estão cercadas. Cacarejam, como galinhas acossadas por galo de briga. Como habitualmente em grande desaire, gritam como só mulher sabe:
- Os Ufolos!!! Os Ufolos!!! (Órfãos de pai e mãe)
Quatro deles expeditos travam-se duma zungueira, dizem-lhe para repor a banheira cheia de bolinhos, como antes estava, no chão. Servem-se à vontade até a banheira esvaziar, desandam à cata de novas presas. Algumas, férteis em liderança desnotaram-se e conseguiram ludibriá-los. Depois da razia, unem-se e pedem contas à miséria. Os próximos dias acrescentar-se-ão à lei marcial da fome. De semblantes mais pesarosos e banheiras mais leves, preparam-se para cavar. Para revender e comer terão que convencer financiadores, o que não será fácil: «você está maluca da cabeça, você ainda não pagou o que deve, e queres mais?» elas defender-se-ão: «empresta só amiguinha, vou pagando aos poucos» o ultimato: «não tenho mais dinheiro, porra!»
A selva humana é a mais traiçoeira, a mais perigosa, nela vale-tudo. Cada segundo um perigo espreita. Novos perigos, novas maldades. Mais predadores atentos para saltarem, golpearem. Mabecos de uniforme plantam-se no areal, recitam bestial. Novo pânico, aflição renovada:
- São os gatunos Fulanos!
- Manas, vamos bazar!
- Como então!? Nos esvaziaram!
As escapadas do anterior armam disfarce. O convencimento não dá, os guardas Fulanos são muito vivos, cangam as precisas escapadas da marabunta. Contestam, sabem que em vão:
- Moxi, os Ufolo. Iadi, vocês. Vão naqueles dos armazéns!
- Absolutamente! Patrulhámos por lá, ficámos negativos. Ganhamos mal, mesmo assim não nos pagam. A fome esforça-nos à ração de combate.
- Vão no salu do Presidente!
- Eh pá! Onde há fome… salve-se quem puder!
- Jiboiados, salafrários, ordinários de merda!
- Cala a boca, te ensacamos na prisão correccional!
- É o quê? Com a minha bebé!?
- Absolutamente!
Os alegres samurais da lei ajeitam-se fotogénicos para a corrida. O chefe dá ordem. A chaparia, as rodas, assobiam arenosas. Lá vão de olhos na divisão dos despojos. As malfadadas restam-se no silêncio das maldições, enquanto as rodas da maldade vão longe da vista, longe do coração. Os lamentos ocos repetem-se:
- Levanto ferro às quatro da manhã sem descontinuar, andar na lua da nevoenta luta continua. Demos-lhes o poder, proibiram-nos ler, ao longe sem comer.
- Amiguinha, é a filosofia anti-humanista dos novos-ricos da história da carochinha, e das suas endechas: «Por excelência ao levitar pela manhã decido: qual vou lixar hoje? Se não o fizer, desconsideram-me, perdem-me o respeito, não sou chefe. Um príncipe real a toda a força, deve estrangular a vida de outrem. Salutar, saboroso é destruir o destino dos que aspiram viver. Para obter bons negócios é importante aniquilar os amigos».
Gil Gonçalves
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