terça-feira, 29 de abril de 2008

O MÉDICO


A
Luís Filipe Borges
insigne humanista

Os médicos galénicos e aristotélicos receberam com receio e ironia o tratado de Harvey. A faculdade de medicina de Paris burlou-se oficialmente dele. Os poucos pacientes que atendia (aparte o rei) mudaram de médico. In História Universal Carlos Yvorra

Para que serve a ciência económica, se continuamos cada vez mais miseráveis, mais esfomeados? Será porque as fórmulas matemáticas são complexas e talvez por isso, não funcionam?

O médico é o primeiro medicamento, porque a palavra e o carinho são bons medicamentos.

- Conte-me lá o que se passou, mas resuma o máximo possível, porque a seguir vou para os muitos doentes que me esperam.
-Tive um sonho, acho que era um pesadelo. Os cuidados intensivos eram no último andar, o edifício tinha dez, os doentes eram carregados em macas, por carregadores que subiam as escadas a pé. Então, muitos morriam pelo caminho, e os que chegavam ainda salvos até ao décimo andar, aplaudia-se… era um milagre.
- Essa é boa!
- Sim! Um filho escapou, acho que por milagre. Conduzia-se por uma vida de devassidão, de álcool encontrado nas noites da sistematização perdidas. Desregrado, geneticamente desorientado para o suicídio colectivo renovado. E andava, desandava na cantata de um monólogo: «Pai, está escrito na Bíblia, jovem diverte-te». E os meses passaram, seguiram-se alguns poucos anos, e aconteceu, tinha que acontecer-lhe. Começou-lhe com o que lhe parecia ser uma vulgar constipação. Toma paracetamol para ali e para aqui. O paracetamol é o medicamento que cura todas as doenças. Uma dor no estômago, nos olhos, em qualquer parte do corpo, e lá vem a receita: «toma paracetamol». Mas não passava. A coisa começou a revelar-se, perdeu a máscara quando a urina parecia coca-cola. O estado do enfermo era deprimente, e como bom irresponsável, daqueles que enviam os médicos para as calendas do paracetamol, como se os médicos não fossem necessários mas, já estava ultimado. E lá vai de urgência para uma clínica militar. Contemplam-no com paludismo e hepatite B. Com o sangue já similar a um esgoto de rua, é transferido de urgência para um hospital público, ficando a aguardar nos cuidados intensivos, uma transfusão de sangue. Fiz-me imediatamente presente para dar-lhe sangue, pois o grupo sanguíneo é o mesmo, A –. Os técnicos do banco de sangue, depois de analisarem o meu, dizem-me que é incompatível.
- Provavelmente o seu sangue é dos filósofos!
- Talvez! Banco de sangue difícil… não existe nada neste reino que nos facilite. Instituiu-se tudo para nos dificultar a vida ao máximo possível. Olhamos uns para os outros, e anuímos na certeza que estamos reduzidos à mais selvática existência. Então, um vizinho experiente nestas andanças avança na direcção do pessoal sanguíneo. Entram, param e parecem um parlamento de incipiente democracia. O vizinho regressa e dá o ultimato: «Eu já sabia, eles tem sangue escondido, querem cem dólares. E disseram para não dizermos nada a ninguém».
- Só pode ser sangue azul!
- Acho que sim, Dr! E lá se foram os cem dólares. Estranha morbidez de conseguir dinheiro. Estranhos modernos dráculas, em horrores tão primários, na moderna selva de estabelecimentos hospitalares.
- Bom, o seu filho salvou-se!
- É verdade Dr., custa a crer! O chato é que o cérebro depois, com tanta destruição neuronal, fica com falhas, e quem é que está disposto a suportar estes atrasados mentais?

- Dr., como lhe disse por alto, o outro filho ao chegar ao hospital faleceu. Era a mesma vida, não havia nada a fazer, excepto aguardar o momento da morte. Dois dias antes a barriga começou-lhe a inchar. Disseram-me que estava a tomar medicamentos, não sei receitados por quem, e que estava a melhorar, e de repente, zás! Parece-me que a morte, antes do convite final, encena um lance teatral, que nos desconcerta, e depois nos despacha no último acto. Não sei para quê viver, se temos a certeza que vamos morrer. A nossa existência perde significado, não tem nenhuma relevância. Viver é sofrer! Já agora… lembro-me que o Christian Barnard, sendo um iminente cirurgião cardíaco, morre de um ataque cardíaco, custa-me a entender.
- Sabe, o coração cumpriu a sua missão. Envelheceu e parou. É o que nos acontece a todos, nascemos e imediatamente começamos a envelhecer. Os nossos órgãos envelhecem e irremediavelmente falecem… dormir é muito importante!

- Dr., adquiri a certeza que viver é um absurdo, é como uma realidade virtual.
- Sabe… os fundamentos das sociedades, os seus pilares, assentam em princípios ínvios. A História que nos contaram, a religião, os valores, são a coisa mais inconcebível que se pode imaginar. É tudo ilusão, sonho, invenção. É necessária e urgente uma nova concepção, uma nova filosofia. Porque não podemos continuar a viver de mentiras impingidas, forçadas ao longo dos séculos. Temos que nos libertar, encetar a vida que há dois milénios não nos deixam viver. Estamos sufocados, perdidos na teimosia de religiões que não nos deixam prosseguir na nossa libertação espiritual. Libertemo-nos dos que nos dominam. Purifiquemos as nossas mentes. As religiões aliam-se, encostam-se sempre ao poder. E não são sempre as mesmas que nos libertam, pelo contrário, oprimem-nos, perseguem-nos dia e noite. Biliões de mortos pereceram pela infalibilidade de profetas vulgares, sonhadores, quando naqueles tempos se atribuíam os sonhos a mensagens divinas. A morte é a eterna primavera… dormir é muito importante!

Gil Gonçalves

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