quinta-feira, 24 de abril de 2008

OCEANO POETASTRO


Inicialmente publicado em Portugal em Linha


As mentes dos governantes são subdesenvolvidas, os países não. Então, muitos bancos, muitos financeiros, muitos aventureiros.
Um bando de meia dúzia de pardais, riquíssimos de tanto roubar, impõem fome a milhões. Alardam que o crescimento económico (deles), apresenta números nunca vistos. E a hipocrisia universal apoia-os, sedenta dos vapores petrolíferos.

Se há um excelso poeta, como alguns dizem, e serve-se das palavras para assentar a ideologia da dúvida ametódica «penso, logo não existo.» E messiânico liberta uma nação da opressão. Arrasta milhares de mortos, proclama a independência e a liberdade vigiada, provoca mais guerra com mais milhares de mortos. Deixa analfabetismo, miséria, epidemias, fome. A melódica Água Lusa reconhece-o, esse homem é muito mau poeta. Assim como outros seguidores desse oceano poetastro. Agostinho Neto, António Jacinto, António Cardoso e outros… poetas generais no poder da democracia generalizada, militarizada. Combinam com os séculos, com as cargas na cabeça sem rodas, sempre à roda. Quando governantes aliançados com estrangeiros, exterminam populações pela fome, sempre saudosos dos estalinistas em Holodomor, e os clientes petrolíferos consentem, isso é um acto do mais vil, ignóbil terrorismo militante internacional.

Fazer poesia facilita-se. É por isso que temos muitos poetas. Dá menos trabalho, e serve para promoção pessoal e política. Escrever uma novela é um grande sacrifício. Um romance? Não! Isso dá para escrever mil livros de poesia. O que interessa é a vaidade de dizer que escrevi e publiquei um livro. Depois dizer umas bacoradas aquando da sua publicação.
E elas pisciformes, piscinais, e eles delambidos para elas, resfriam-se nos rótulos das mais caras garrafas uiscadas, surripiadas aos vencimentos dos trabalhadores que há meses, anos, não se pagam. Para poucos a vida é sempre boa, para muitos a vida é sempre má. Para poucos há sempre água, para muitos nunca há.
Não devemos, não podemos aceitar que se deixem morrer crianças, seres humanos à fome, quando se gastam milhões de dólares injustificados.

E a Marta, cambista de rua, explica à mocinha que a nota de cem dólares é falsa. A mocinha desacredita-se, lamenta a vigarice da noite perdida.
- Grande cabrão, sacana de merda… lhe fiz todas as posições!
E desata a chorar, a cascatear muito. Mais que a tormenta da água fingida das torneiras. A Marta consola-a:
- Esse senhor é muito mau. Deixa lá minha filha, Deus há-de castigá-lo.
Depois, a Marta levantou o nariz, como uma sonda aérea, e aspirou, e o ritmo aumentou. Sentiu obrigação de prevenir as amigas, a Teresa e a Emília.
- Manas, ué, não sentem o cheiro!?
A Teresa é a mais espevitada. Sempre com os ouvidos alerta. Ganhou, conquistou fama, é a zongola eleita da periferia. Sabe tudo, não deixa escapar uma.
- Esse cheiro vem do minimercado. Logo à entrada, já cheira a carne estragada. Já acampada assim há um ror de dias. São as câmaras do frio que não funcionam bem…
- Também com a luz deles… – interrompe a Emília.
… E a água sempre a pingar do tecto, nos cantos também cheira mal. Vão ficar sem clientes.
A Marta olha para o saco a confirmar se as notas de dólares não fugiram devido a algum feitiço. Satisfaz-se, não saíram do lugar. E arremete:
- O PML…
… Mana isso é quê? - Perguntam as duas.
… PML manas? É o Partido Marxista-leninista. O dono do minimercado é militante dele. A fiscalização do governo e a polícia económica não lhe pegam, gasosam-se bem. É tudo deles, fazem o que querem. Para nós nem sobras.
A Teresa põe a mão na boca, sinaliza espanto porque olhares desabituados olham-na com malvadez, como entregues às moscas. A Teresa relembra que tudo ficou na mesma, tudo piorou sem solução.
- Os brancos só da maneira que nos olham, quando passam olham-nos com tanto desprezo, como se fossemos lixo. Todos os dias antevejo carapaças novas de brancos e brancas. Se não há empregos, como é que eles arranjam trabalho?
A Marta ri, é só o que ainda lhe resta do encanto. Vibra melodiosa:
- Eh! Eh! Se até chineses já andam na zunga.

Estes nossos poetas resvalam no transbordado oceano Atlântico. E petrolíferos despoetizam-se cabalmente, não é!?

Os punhais ocidentalizados
Nas naus da espuma branqueada
Aguardam indecisos
Nos esconderijos oceânicos
Punhais negros não erguidos
Retraídos nas violências
Das consciências
Os punhais agora cansados
Rasgam seios importados

E eis mais um confrade, regressado da acrópole, ingressado no Parnaso presidencial.

Gil Gonçalves

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