quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Princípio do Acesso Publico. Experiências da Suécia com a liberdade de informação


Canal de Opinião por Torvald Åkesson (*)

Maputo (Canalmoz) - Antes de mais, apraz-me ter sido convidado a estar aqui hoje para falar de questões que têm merecido atenção internacional nos nossos dias, isto é, questões como o direito à informação ou a liberdade de acesso à informação e transparência na sociedade, e como estes aspectos podem promover a responsabilização e uma governação eficaz. Gostaria de partilhar convosco algumas experiências da Suécia nessas áreas.
Como ponto de partida, no entanto, gostaria de começar por referir a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no seu artigo 19 diz, e cito: “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.” Esse direito foi reafirmado em diversas convenções internacionais e regionais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção da União Africana sobre a Corrupção, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A liberdade de expressão e informação é, portanto, um direito humano inalienável. E onde há cidadãos detentores de direitos, há também um portador da obrigação de preservar esses direitos. É claro que a liberdade de informação, a liberdade de expressão e a liberdade de opinião estão intimamente interligadas na medida em que não se pode usufruir de uma sem a outra. Elas constituem exactamente o princípio da democracia, atribuindo responsabilidades aos Estados e Governos e às suas instituições.
Então, por que razão hoje mais de 70 países em todo o mundo adoptaram legislação sobre a liberdade de informação, muitos dos quais nas duas últimas décadas, após a queda do Muro de Berlim? Bem, os benefícios podem parecer óbvios, mas, mesmo assim, eu gostaria de destacar alguns dos aspectos que ao longo dos anos se têm mostrado de extrema importância para o aprofundamento contínuo da democracia na Suécia. Para começar, a liberdade de informação diz respeito ao direito de cada cidadão ter acesso à informação das instituições e indivíduos que tomam decisão em seu nome. A liberdade de informação exige também aos funcionários públicos que assegurem que as decisões estão bem fundamentadas e documentadas, os orçamentos são acompanhados e as leis e regras são cumpridas. O direito que as pessoas têm de solicitar a documentação relativa à sua própria relação pessoal com as instituições públicas é também importante para o fortalecimento do Estado de Direito. Uma sociedade aberta reforça a prestação de contas e contribui para uma administração pública mais eficaz, minora a possibilidade de corrupção e reduz o fosso entre governantes e governados.
Se alguma coisa devo dizer sobre a história e experiência da Suécia em matéria de liberdade de informação, quero referir em primeiro lugar que a experiência sueca não é necessariamente a única maneira de lidar com a “liberdade de informação”. Cada país tem o seu próprio contexto, a sua cultura e as suas tradições, com os quais tem de se relacionar quando se trata do direito universal à liberdade de informação. Mas, uma vez mais, o direito à liberdade de informação é universal.
A Suécia foi o primeiro país do mundo a incluir o direito à liberdade de informação ao integrá-lo na sua Constituição de 1766. Desde então, tem havido melhorias e acréscimos à constituição para garantir a todos os cidadãos igual acesso à informação e à liberdade de expressão. O último acréscimo foi feito em 1991, quando a liberdade de expressão foi reforçada na constituição para abranger meios não impressos como a televisão, os filmes e a rádio.
A lei sobre a liberdade de informação é vulgarmente conhecida em Suécia como o “Princípio do Acesso Publico” e significa que o público em geral e os mass media – os jornais, a rádio e a televisão – têm acesso a registos oficiais. Quer isso dizer que qualquer pessoa tem o direito de solicitar documentação pública a qualquer instituição do Estado, incluindo a Embaixada da Suécia em Moçambique. Significa que temos de fornecer a documentação e que eu não estou autorizado a perguntar por que razão a informação é solicitada. Esse “Princípio do Acesso Publico” permite aos cidadãos suecos fazer uma ideia clara das actividades das autoridades locais e governamentais, o que se baseia na própria noção de que é bom uma democracia ser escrutinada; a transparência reduz o risco de abuso de poder. Gostaria de enfatizar uma vez mais que não se trata apenas de um direito dos cidadãos terem acesso à informação, mas é também um dever das instituições públicas serem abertas e transparentes; elas são obrigadas a manter registos acessíveis de toda a sua documentação e a divulgar pro-activamente toda a informação considerada de interesse público.
A base fundamental da liberdade de informação é que a abertura é a regra e o segredo a excepção, sem prejuízo das excepções específicas contidas na lei. Na Suécia, a esmagadora maioria dos documentos públicos são abertos, mas, sob condições muito específicas e excepções bem definidas, os documentos podem ser mantidos em segredo. Se eles protegem qualquer um dos seguintes interesses: a segurança do país ou a sua relação com outro país ou organização internacional; a política fiscal, monetária ou cambial, a inspecção, o controlo e outras operações de fiscalização realizadas pelas autoridades públicas; a prevenção ou o processamento de crimes; interesses económicos do público em geral; a protecção da situação pessoal e económica de particulares; e a protecção de espécies animais ou vegetais.
O importante é que qualquer decisão de uma autoridade do Estado de recusar fornecer informação com base em qualquer das cláusulas de sigilo mencionadas, pode ser investigada pelo Provedor de Justiça, o Ombudsman, que assume casos em nome de qualquer cidadão que possa alegar não cumprimento da lei. Finalmente, o provedor de Justiça pode processar qualquer autoridade que não tenha cumprido a lei. O importante aqui é que não é a pessoa que solicita a informação que tem de provar que tem direito a ter acesso a essa informação, mas sim especificamente a autoridade que se recusou a fornecer a informação que é obrigada a justificar legalmente por que razão as informações ou os documentos não podem ser fornecidos.
Além disso, os cidadãos suecos, incluindo os funcionários públicos, que prestam informações a redactores, editores e agências noticiosas têm direito à chamada protecção da fonte e a protecção do anonimato, o que significa que os jornalistas nunca podem ser forçados a revelar as suas fontes. Ao mesmo tempo, a autoridade estatal em causa está proibida por lei de investigar quem informou a comunicação social. Esta é certamente uma dimensão interessante nestes dias de Wikileaks.
No entanto, o direito de ser informado e de expressar uma opinião exige responsabilidade. A liberdade de opinião pode ser ofensiva, incitar à discriminação ou à violência, ou ter consequências negativas para o indivíduo ou a sociedade. Existem várias formas de lidar com essa situação. No meu país, caso seja cometido algum crime contra as leis de liberdade de imprensa ou expressão, o caso é remetido para o Chanceler de Justiça, um funcionário público não político nomeado pelo governo, a quem compete decidir se apresentará ou não a queixa.
Num ranking internacional recente, a Suécia foi o país onde o público manifestou maior confiança nas suas instituições governamentais. A abertura e o acesso público à informação reduzem a distância entre governados e governantes, contribuindo certamente para essa confiança, importante elemento estruturante de qualquer sociedade. Afinal, se o governo não confia no seu povo, como se pode esperar que o povo confie no seu governo?
Gostaria, todavia, de deixar bem claro que a abertura tem um preço. Um preço em termos de custos em tempo e recursos; manter registos adequados e arquivos de documentação tem um custo; ter funcionários públicos com a tarefa de ajudar o público a encontrar a documentação que solicita tem um custo; instituições públicas divulgando muito da sua documentação e mantendo páginas informativas na Internet tem um custo. E o maior custo de todos será possivelmente a mudança que terá de ser feita na cultura interna das instituições estatais. Esta mudança levou muitos anos na Suécia, e é claro que não basta simplesmente pôr nova legislação em vigor. São necessários recursos humanos e outros, bem como programas de formação educando funcionários públicos no seu papel de agentes para o interesse público. Tem também a ver com a necessidade de uma mentalidade favorável à preservação de direitos e obrigações.
Há quem argumente também que a Suécia tem leis de transparência demasiado amplas, onde qualquer um pode ligar para as autoridades e obter informações sobre o salário ou a riqueza de alguém, ou obter do meu empregador público o meu CV, ou que eu e a minha equipa , como funcionários, temos por vezes de dedicar demasiado tempo e demasiados recursos para atender pedidos de informação e documentação de pessoas que vão usar essas informações contra nós. Bem, esse é o preço que temos de pagar por uma sociedade aberta, mas acho que vale a pena.
Nesta perspectiva de abertura, os novos ministros na Suécia são regularmente analisados pela comunicação social no que concerne à sua história pessoal para se garantir que eles são adequados para os seus postos e não têm “rabos de palha”. No último governo, dois ministros tiveram que deixar o cargo apenas uma semana após a nomeação, pois a sua história pessoal não resistiria ao escrutínio público. Outro exemplo é um escândalo de corrupção recente, de grande envergadura, na segunda maior cidade da Suécia, que ganhou ampla divulgação depois de um programa investigativo de televisão ter usado o “Princípio do Acesso Publico” para obter informação crucial sobre os esquemas de práticas ilegais de procurement e cobrança excessiva que durante anos se tinham verificado no município. A nível pessoal, acho extremamente importante saber que posso, a qualquer momento, solicitar ao meu hospital todos os meus registos médicos, ou pedir à instituição de segurança social toda a informação sobre o meu “caso”. Mesmo que eu não use com frequência esse direito, é um factor crucial para garantir a legalidade do trabalho realizado pelos funcionários públicos.
Antes de terminar esta minha intervenção, gostaria ainda de destacar a particular importância das organizações da sociedade civil e dos órgãos de comunicação social para se garantir a liberdade de informação. Associações de jornalistas, associações de editores e uma ampla gama de grupos de interesse que se esforçam por alcançar os seus objectivos específicos lutaram e contribuíram, todos eles, para uma maior abertura na sociedade sueca.
Em suma, tentei proporcionar a todos vós algumas experiências da Suécia no que toca à legislação sobre a liberdade de informação e ao impacto que essas leis tiveram na sociedade sueca. O que também tentei dizer foi que não basta ter leis; é importante que gradualmente se alterem as atitudes e a mentalidade dos funcionários públicos e dos cidadãos, para que se possa manter e consolidar uma sociedade aberta e democrática.
Faço votos de que as minhas reflexões sobre a experiência sueca contribuam para as discussões que hoje vamos ter, e que alguns aspectos possam ser relevantes aqui em Moçambique.
(*) Torvald Åkesson , Embaixador Sueco Torvald Åkesson na Conferencia de MISA sobre Direito à Informação / 18 de Maio de 2011)

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