Maputo
(Canalmoz) - Completamos e celebramos esta quinta-feira exactamente 20 anos
após a assinatura dos Acordos Geral de Paz (AGP) assinados entre Joaquim
Chissano, em representação da Frelimo, e Afonso Dhlakama, pelo lado da Renamo.
O
dia 04 de Outubro de 1992 ficará para sempre nas nossas memórias pelas mais
positivas razões. Os dois grupos beligerantes decidiram pôr fim ao derramamento
de sangue de inocentes e a destruição de uma República para se sentarem à mesma
mesa e aproximar e resolverem as suas diferenças pela via racional. Este feito
será por todos nós recordado até o prevalecer dos tempos.
Cremos
nós que celebramos o “04 de Outubro” não pela data em si, porque poderia ter
sido em outra, mas por aquilo que deixou de acontecer a partir daquela data. A
04 de Outubro de 1992 colocámos fim aos episódios mais horrendos e da
vulgarização da espécie humana. A guerra colocou o País de rastos e em situação
lastimável no que os direitos humanos concernem.
Mas
ao celebrarmos esta paz, o fazemos na mesma proporção que ainda estão activadas
nas nossas memórias, as razões que levaram parte dos moçambicanos a pegarem em
armas e exigirem aquilo que consideram ser seus direitos que estavam a ser
usurpados. Dito em outras palavras, foi radicalismo ideológico que nos levou à
guerra. Radicalismo por parte de quem se julgava dono dos moçambicanos e de
quem pegou, primeiro, em armas para resgatar a sua dignidade enquanto cidadão.
O
radicalismo usa a intolerância como combustível para olear a sua máquina de
acção. E o egocentrismo é o motor dessa mesma máquina. Quando alcançamos a paz
o maior desafio que nos foi colocado em Roma foi o da manutenção dessa paz e
que servíssemos de exemplo de tolerância e de cultura de diálogo para outros
povos.
Pensamos
nós que de uns tempos para cá, mais do que celebrarmos, é preciso olharmos para
o conceito de paz e tentar ajustá-lo ao nosso modus vivendi. Derivado do latim
Pacem = Absentia Belli, a paz, refere-se à ausência de violência ou guerra.
Estudiosos definem a paz como um estado de calma ou tranquilidade, uma ausência
de perturbações ou agitação. No plano pessoal, paz designa um estado de
espírito isento de ira, desconfiança e de um modo geral todos os sentimentos
negativos. Assim, ela é desejada por cada pessoa para si próprio e,
eventualmente, para os outros, ao ponto de se ter tornado uma frequente
saudação (que a paz esteja contigo) e um objectivo de vida.
Entre
os filósofos Emmanuel Kant é mais elucidativo no seu conceito de “Paz Eterna”
inspirado nos ideais da Revolução Francesa. Para ele, a paz designa um estado
obtido através de uma “república” única, capaz de representar as aspirações
naturalmente pacíficas de todos os indivíduos.
Ora,
que tipo de paz vivem os moçambicanos desde 1992? É consensual que a paz é mais
do que o calar das armas, tal como é óbvio que a paz não se garante com
discursos em cada “04 de Outubro” pelas praças deste vasto Moçambique. Tal como
dissemos acima, a paz nacional implica para além do estado de calma, a
representação e a concretização das aspirações de todos os indivíduos.
Sendo
assim, não podemos falar de paz num País onde as pessoas continuam a morrer por
falta de hospitais. Não há paz num País onde mulheres grávidas morrem
penduradas numa bicicleta à procura de um hospital que dista a mais 20
quilómetros da sua aldeia que também não tem serviço de transporte. É fácil
falar de paz a partir da Sommershield ou da Polana, porque o conforto e a
tranquilidade das nossas mansões não nos permitem ver e perceber o além dos
nossos quintais. Quando saímos de Mercedes Benz, para recebermos nossos filhos
no Aeroporto Internacional de Maputo, que voltam de férias de Paris (onde
estudam), esquecemo-nos de que há filhos de outros moçambicanos como nós que
desistem da escola por causa de fome. Ignoramos que depois dos nossos quintais
não há paz. Há crianças a comer frutos silvestres para não morrerem de fome em
Gaza. O exemplo repete-se um pouco por todos os distritos do País.
É
para nós um exercício absolutamente demagógico falar de paz num País onde em
plena capital as pessoas são transportadas como gado em carrinhas de caixa
aberta, expostas a todo o tipo de perigo. Não há paz se os que devem resolver o
problema dos transportes preferem burlar o Estado vendendo sucatas de
autocarros e obrigando o Estado a pagá-los como se de novos se tratasse. Não
está em paz, no nosso modesto entender, um País onde empresários e seus
familiares são sequestrados sem que o Estado consiga encontrar e provar os
culpados.
Portanto,
convém a alguns falar de paz nos actuais moldes porque, enquanto nos entretêm
com estes discursos, vão avolumando os seus castelos financeiros. Mas pensamos
nós que não podemos falar de paz numa República onde uns usam o Estado contra
os outros. Não há paz onde as pessoas não podem dizer o que pensam, porque lhe
pode ser tirado o emprego.
Queremos
aqui, neste espaço chamar a atenção que é esta privação imposta que um grupo de
moçambicanos no passado decidiu pegar em armas para se libertar dos anteriores
libertadores. A nós, quer nos parecer que os libertadores voltaram a alimentar
os seus apetites egocêntricos, encurralando os outros para a segunda categoria.
É indisfarçável que há moçambicanos de primeira categoria e os de segunda que
serve para pagar impostos e de matéria-prima para garantir ajuda financeira.
Está claro que os moçambicanos de primeira e os de segunda não têm o mesmo
conceito de paz. Que paz pode ter um indivíduo que vê sua mãe, esposa ou irmã,
a morrer pendurada numa bicicleta a caminho do hospital num País onde o
ministro tem mais de 10 viaturas do Estado, parqueadas em casa para seus
empregados e sobrinhos? Que paz vivem os jovens moçambicanos ao saberem que a
filha de quem lhes devia criar condições de emprego é, sem ter trabalhado (na
verdadeira acepção do termo) uma única vez, uma das mais ricas do mundo? Que
tipo de paz estamos a criar? Os acontecimentos de 5 de Fevereiro de 2008, 01 e
02 de Setembro de 2010, mostraram que a nossa paz está afundada no castelo da
mentira e que a qualquer altura os moçambicanos estão dispostos a resgatar a
sua dignidade. Não são discursos feitos em gabinete por gente lunática que vão
manter a paz, mas o compromisso de construção de uma sociedade justa onde todos
têm as mesmas oportunidades em igualdade de circunstâncias. (Canal de
Moçambique/Canalmoz)
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