Canal de opinião Por: Noé Nhantumbo
Beira
(Canalmoz) - Uma paz que não seja alimentada de tolerância, inclusão, respeito
corre o risco de se tornar numa nova guerra.
Deixemo-nos
de brilharetes e de falarmos de um passado de paz pois não estamos fazendo o
suficiente para manter a paz.
Se
os elementos ou factores que colocaram moçambicanos se digladiando e se
atacando mortalmente, não são efectivamente eliminados do panorama nacional, é
preciso que entendamos que estamos semeando guerra para um futuro próximo.
Os
ataques frequentes na imprensa e outros órgãos de comunicação social quanto a
uma alegada nulidade ou falta de razão de ser, das reclamações do líder da
Renamo no que se refere a dossiers maltratados ou incompletos do Acordo de Roma
que trouxe a paz para Moçambique, precisam de ser analisados cuidadosamente,
sob risco de se incorrer em graves erros de consequências demolidoras e fatais.
É
fácil e tentador não responder as inquietações de Afonso Dlhakama e até
apresentar a tese de que o que ele diz é extemporâneo. É também fácil
esquecer-se que foi a incapacidade de ouvir os outros que contribuiu em
primeira mão para o surgimento do conflito armado em Moçambique.
A
facilidade com que alguns participantes nas negociações de Roma entre o governo
da Frelimo e a Renamo se esquecem de que a paz foi duramente conquistada, num
exercício que colocou fim a uma guerra civil cruel e dizimadora de vidas é
preocupante.
Uns
até que no terreno foram derrotados ou inviabilizados, aparecem fazendo
declarações de consistência duvidosa e vergonhosa. A contínua tese de defesa de
que a Renamo era uma criação estrangeira visando desestabilizar Moçambique
ignora outra face da moeda que nos mostra que a Renamo era um movimento
político-militar em que pontificavam moçambicanos defendendo uma maneira de
estar e de governar diferente do que a Frelimo vinha fazendo. Se adquiria
recursos ou recebia apoios de forças governamentais contrárias à Frelimo isso
fazia parte de um jogo em que a Frelimo também angariava apoios da Rússia e
outros países como a RDA e Cuba. O confronto leste-oeste, a guerra fria,
estendia-se a costa oriental de África e isso não pode ser ignorado. Que
figuras com responsabilidades históricas inalienáveis, participantes no
processo negocial de Roma apareçam vendendo discursos furados e verdadeiras
aberrações é grave, desonesto e intragável. “Lavar a cara” face aos desaires
que uma opção política concreta trouxe para o país é uma coisa mas a verdade é
bem diferente.
Justificar
insucessos ou derrotas sejam políticas ou militares faz parte do que os
políticos de todos os quadrantes fazem com perfeição.
Comemorar
o 4 de Outubro é importante mas sobretudo uma responsabilidade que deve ser
assumida por todos os moçambicanos. Há uma responsabilidade particular que cabe
aos signatários do Acordo de Roma de tudo fazerem para preservar aquela paz que
todos afinal desejávamos e desejamos. Não se deve permitir que os signatários monopolizem
a paz ou as condições para a sua existência mas não podemos ignorar que existem
assuntos que cabe a Frelimo e a Renamo tratar.
Quem
ignora que as forças de defesa e segurança estão sofrendo um processo gradual
de partidarização? Quem ignora que o comando das FADM e da PRM, do SISE estão
nas mãos de figuras de confiança política da liderança da Frelimo? Quem ignora
que os elementos que faziam parte das FADM, provenientes das fileiras da Renamo
praticamente já não existem, especialmente aqueles que eram oficiais
superiores?
Paz
e concórdia são processos possíveis que devem ser assumidos como formas
essenciais e vitais na construção da moçambicanidade. Não se pode construir
Moçambique com sobressaltos e instabilidade latente ou falta de confiança. A
única vitória é a manutenção de uma paz convincente, participada e concreta.
Olhar
para o passado e aprender que os nossos excessos, a nossa intolerância foram
fatais para as aspirações do povo deste país, é uma lição de todos os dias, em
que todos temos responsabilidades e que ninguém é mais importante que o outro.
Enquanto
uns ameaçam outros utilizam o poder que possuem nas forças policiais tudo para
sobreporem-se a vontade do povo moçambicano de viver em paz. Esta situação
configura violação dos entendimentos de Roma.
Não
adianta procurar culpados quando é evidente que a culpa reside exactamente em
interlocutores conhecidos que se fecham e recusam dialogar com responsabilidade
sobre questões que sabem ser de sua responsabilidade.
A
radicalização do discurso de uns e o silêncio estratégico de outros não é são
demonstrativos de vontade de manter e cultivar a paz.
Moçambique
corre riscos sérios de seguir a via de confrontação em que outros países
africanos se viram mergulhados. A estratégia do “facto consumado” significa
unicamente adiar situações e não sepultá-las.
A
reacção verbalmente violenta de uns e outros políticos acontece quando se vêem
encurralados e julgam que tomar posição constitui a sua salvação face as suas
hostes.
Já é
tempo dos políticos da posição e da oposição entenderem e compreenderem que não
se pode ter paz sem alimentá-la com desenvolvimento. Retórica sobre unidade
nacional e cultura da paz é discurso que serve desígnios inconfessáveis de
alguns. Os moçambicanos querem uma paz que signifique dignidade, honra,
orgulho, condições mínimas materiais que confiram uma vida longe da indigência.
Agora
que se redescobriram recursos minerais, os moçambicanos não querem que aconteça
o mesmo que o camarão que de repente deixou de fazer parte de sua mesa. Os
moçambicanos clamam por acesso e qualidade de vida e não por uma igualdade
absoluta utópica e inalcançável.
Queremos
ver empresários originários de todo o país usufruindo das oportunidades que o
país possui e estabelecendo empresas que criem emprego sustentável para os
habitantes das diversas regiões do país. Sem favores e sem favoritismos, sem
descriminação de origem partidária, sem estigmas políticos, por concorrência
leal e lícita, sem apadrinhamentos e trafico de influência, é possível construir
os fundamentos de uma paz duradoura, segura, sustentável e apreciada por todos
os moçambicanos.
Honrar
e celebrar o 4 de Outubro é um dever de todos os moçambicanos num gesto que
ultrapassa prestar homenagem aos que tombaram na luta pela paz e democracia em
Moçambique. Reafirmar cometimento pela paz deve ser um desafio que os líderes
políticos abraçam com responsabilidade histórica inalienável.
Mais
uma vez não vemos os signatários do Acordo de Roma se abraçando e
congratulando-se pela paz. Só isso é si denota que não estamos construindo a
paz ou não estamos prestando a atenção devida a um dossier fundamental.
Dar
uma oportunidade à paz é um dever e uma obrigação de todos os moçambicanos
independentemente de sua cor partidária, origem social, etnia, raça ou
religião.
É
tempo de exigirmos de nossas lideranças políticas um compromisso e cometimento
de tipo qualitativamente diferente do actual.
Sem
paz efectiva, as estatísticas sobre desenvolvimento macroeconómico que tanto
gostam de mostrar ou apresentar algumas pessoas, ruirão a uma velocidade
inimaginável… (Noé Nhantumbo)
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