O escritor angolano José Agualusa defende que
mudança em Angola deve partir do MPLA onde há descontentes também. Para ele
José Eduardo dos Santos deve negociar a sua saída do poder, pois as portas
começam a fechar-se.
No último sábado (23.01.), o escritor angolano
José Eduardo Agualusa esteve em Frankfurt, aqui na Alemanha, num encontro
literário. A DW África aproveitou a oportunidade para entrevistá-lo também
sobre a atual crise político-social e económica que Angola atravessa.
DW África: Várias correntes, não só em Angola,
acreditam que a queda vertiginosa da economia angolana pode acelerar o
descontentamento social e com isso a revolta social. O Agualusa tem a mesma
perceção?
José Agualusa (JA): Isso tem sido afirmado
por instituições em todo o mundo. Também em Angola vários partidos políticos da
oposição chamaram a atenção para isso. O velho Marx dizia "as condições
objetivas estão reunidas, faltam as condições subjetivas". No fundo falta
haver uma liderança que dirija esse descontentamento, porque ele está lá,
porque as pessoas estão muito revoltadas e com todos os bons motivos para isso,
porque, por um lado, a boa esmagadora maioria dos angolanos vive na miséria com
extrema dificuldade e, ao mesmo tempo, olhando para quem controla o país
percebem que essas pessoas vivem no luxo e é um luxo visível, que se faz
questão de mostrar. Porque podia ser ocultado, mas os novos ricos angolanos
fazem questão de exibir as suas riquezas, criaram revistas de modo a exibirem a
sua riqueza. Portanto, é quase impossível não haver uma revolta, o estranho é
não ter havido antes. Todos nós estamos a espera que aconteça alguma coisa nos
próximos meses, porque é difícil que não aconteça. No primeiro dia do ano
aumenta-se o preço dos combustíveis sabendo que há uma série de serviços que
dependem desse preço e, que portanto, a vida das pessoas comuns vai piorar
muito, é uma loucura, não faz o menos sentido. Ao invés de se abrir
politicamente, de se tentar falar, estou a falar do Presidente da República
[José Eduardo dos Santos], que podia abrir o país a democracia, encetando
negociações com as forças políticas da oposição, ouvindo os jovens, as igrejas,
todas as forças sociais, em vez disso está-se a prender jovens sob acusação de
golpe de Estado? Uma acusação na qual ninguém acredita? Em vez disso está-se a
perseguir jornalistas? Não faz o menor sentido, é tudo errado. Do ponto de
vista estratégico de sobrevivência, parece tudo errado.
DW África: Falou agora nos jovens ativistas que foram detidos, que estão a responder a um processo. E não são só eles, há o caso Mavungo em Cabinda, o caso Kalupeteka, há vários casos que estão a criar grande tensão em Angola. Com essa repressão e demonstração de força por parte do Governo, pode interpretar-se que ele se sente acuado?
DW África: Falou agora nos jovens ativistas que foram detidos, que estão a responder a um processo. E não são só eles, há o caso Mavungo em Cabinda, o caso Kalupeteka, há vários casos que estão a criar grande tensão em Angola. Com essa repressão e demonstração de força por parte do Governo, pode interpretar-se que ele se sente acuado?
JA: É difícil tentar explicar o
inexplicável. Mesmo falando com dirigentes do partido no poder, na intimidade,
depois de se desligar os microfones, todos eles, todos, dizem-me "gerimos
mal esta situação", o caso dos jovens presos. Parece óbvio que sim, porque
a imagem do Presidente foi muito afetada ao longos desses últimos seis meses
por uma ação absolutamente disparatada e que só projetou a imagem dos próprios
jovens internacionalmente. O Luaty era uma figura quase desconhecida fora de
Angola até ser preso e hoje não é, é uma figura muito conhecida, e além do
mais, esse é um ponto positivo de todo este processo, que ele deu origem a um
movimento grande de solidariedade que começou em Angola nas redes sociais e que
juntou artistas plásticos, escritores, cantores, enfim, produtores de cultura,
muitos dos quais ligados a famílias próximas do poder, famílias próximas do
próprio Presidente José Eduardo dos Santos. Ou seja, levou a discussão da
democracia para o interior do próprio partido, o que é muito interessante. Eu
acredito que se houver mudança dentro dos próximos dois meses, continuo a
acreditar que elas têm de vir de dentro, do próprio partido, de personalidades
de dentro do partido. Evidentemente não é o Luaty Beirão que consegue dar um
golpe de Estado. O Luaty não tem se quer a pretensão de o fazer, ele sabe qual
é a sua dimensão, mas há gente do partido MPLA que pode, que está em condições,
e dentro do exército que está em condições de operar mudanças. O que eu espero
é que essas mudanças partam de dentro do partido e sejam feitas de forma
pacífica juntamente com as forças sociais e os partidos da oposição de forma a
não termos em Angola um quadro semelhante àquele que aconteceu, e isso é uma
coisa que o MPLA tem estado a chamar à atenção, a primavera árabe. Foi um
desastre, vejam o que aconteceu na Líbia. Nenhum de nós quer que aconteça em
Angola o que aconteceu na Líbia. Já não seria mau se acontecesse o que
aconteceu na Tunísia. Este país é fruto da primavera árabe, incialmente esses
elementos do MPLA falavam na Tunísia, felizmente já deixaram de o fazer. Eu não
ficaria nada incomodado se acontecesse em Angola o que aconteceu na Tunísia.
Mas não quero o que aconteceu na Líbia, evidentemente. Mas na Líbia o que
aconteceu foi devido ao seu próprio Presidente Kadafi que partiu para a
violência, para a guerra, quando teve tempo suficiente para abandonar o poder
de forma pacífica e negociando uma democratização do país. É sempre bom, o
importante é dizer a todas forças políticas em Angola neste momento que a
solução passa sempre pela negociação, inclusive para o Presidente da República.
Ele ainda vai a tempo de abandonar o poder de forma pacífica, com dignidade,
mantendo inclusive a sua fortuna pessoal, ainda vai a tempo. Mas a cada dia que
passa a porta vai ficado mais estreita.
2017 é ano de eleições, mas há incertezas sobre
a sua realização
DW África: Nos últimos tempos o Governo tem dado
a cara, tem se defendido, como aconteceu por exemplo com o embaixador
itinerante António Luvualo de Carvalho quando foi do debate em que o Agualusa
também participou, e de outros membros do MPLA que vem a público defender-se, o
que não acontecia. O MPLA mantinha-se em cima sem contacto com as massas. Na
sua opinião, a que se deve esta viragem?
JA: O que acontece é que o Presidente da
República tentou sair desta situação da forma mais superficial possível através
de uma operação de cosmética, ou seja, tentando criar um grupo, não foi só o
embaixador Luvualu, que a meu ver é uma pessoa extremamente inteligente e
competente, mas ao qual foi dado um trabalho muito difícil. A questão já não é
dar uma melhor imagem, já não passa por aí. Aliás, viu-se, essa operação não
resultou, a imagem do Presidente nos últimos meses ficou extremamente
degradada, não melhorou com essa situação e nem vai melhorar porque já não se
trata de operações de cosméticas. Neste momento só melhorará com ações
concretas, o Presidente tem de dar sinais claros, evidentes de que quer a
democratização do país, de que quer a pacificação do país. E só conseguirá isso
negociando com as forças da oposição, marcando eleições, não apenas
legislativas, mas autárquicas. É bom dizer que Angola nunca teve eleições para
o poder local, e não há democracia sem poder local, portanto, não há democracia
em Angola. E negociando o seu próprio afastamento, porque não é possível
continuar a acreditar que o regime mudou tendo o mesmo Presidente há 36 anos.
Portanto, o Presidente tem de negociar a sua própria saída.
"Candongueiros" fizeram recentemente
uma greve por causa do aumento do preço do combustível
DW África: O ano começou há relativamente pouco
tempo. Quais são as suas perspetivas para 2016 para Angola, tomando em conta
toda esta conjuntura, a crise económica, a tensão político-social, com os
julgamentos em curso?
JA: A verdade é que este ano vai ser o ano
de todos os sobressaltos. Eu acho que o partido no poder está a preparar a
tempestade perfeita. Agora, vamos ver o que vai acontecer... Eu acho que vai
ser um ano muito tenso e provavelmente com grandes surpresas.
DW África: Terá falado sobre a era pós-petróleo
numa das suas obras...
JA: Sim, sim... já sei o que é, uma crónica
sobre isso. Escrevi um livro "Barroco Tropical" que foi publicado na
Alemanha também. Ação do livro acontece em 2020 e é assustador porque ainda há
pouco falava com o meu tradutor e ele dizia que aquilo que se passa no livro
parece que está acontecer. Quando se escreve um livro deste, quando alguém
escreve uma distopia, é para chamar à atenção sobre os problemas. Não é com a
intenção de profetizar acontecimentos, é com a intenção de chamar à atenção
para problemas esperando que eles sejam resolvidos. A questão é que não foram.
E aquilo que já era evidente na época, que uma economia exclusivamente assente
no petróleo poderia ter problemas no futuro está realmente a acontecer.
DW África: E vê algum esforço do Governo angolano
em diversificar a economia, algum resultado visível? Porque esse discurso já é
antigo...
JA: A falta de resultados está na situação
atual. A Noruega não tem nenhum problema, o petróleo está em baixa, está a
atingir muitos países, mas a gente ouve dizer que a Noruega está em crise? A
Noruega não está em crise, preparou-se para esta situação. O país investiu
dinheiro do petróleo seriamente no desenvolvimento global do país de forma a
poder sobreviver sem petróleo, tão simples como isso.
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