Luaty Beirão é um rapper luso-angolano. Até aqui, não seria
uma ameaça para um governo que não vivesse em pânico com a liberdade dos outros
e estivesse seguro da sua legitimidade democrática. Luaty, também conhecido com
o nome artístico de Ikonoklasta, foi detido, a 12 de Junho, à chegada do
Aeroporto de Lisboa com um pacote de um quilo de cocaína numa roda
de bicicleta que transportava no porão. Usa a bicicleta como meio normal de
transporte e traz, nas suas recorrentes viagens a Portugal (tem dupla
nacionalidade), peças para arranjos. Uma mera questão de polícia, dirão.
Henrique Luaty é conhecido por
ser um opositor do regime de José Eduardo dos Santos. Esteve na origem
de várias manifestações e conta com uma longa história de perseguições. Nada de
novo. Nem por se ser opositor de um regime autoritário se pode traficar droga.
Acontece que, depois de uma longa aventura para o deixarem sair de Luanda -
coisa habitual para quem exerça a sua liberdade expressão -, o músico ficou a
saber, por funcionários do aeroporto de Luanda, que a DNIC (Direção Nacional
de Investigação Criminal) teria mexido na sua bagagem. E a verdade é que,
chegado a Lisboa, foi detido por posse de droga na bagagem. Teria havido uma
denúncia às autoridades portuguesas.
Interrogado por um juiz de
instrução criminal, no Campus de Justiça de Lisboa, o magistrado ordenou a sua libertação
imediata, ficando sujeito a termo de identidade e residência, a mais leve das
medidas de coação e obrigatória para arguidos. Conhecendo-se a lei e a
prática da justiça para este tipo de crimes, só se pode concluir que o juiz
teve fortíssimos indícios de que se tratou, realmente, de uma cilada. Não
é, aliás, a primeira vez que este esquema é tentado com os organizadores das
manifestações contra o presidente. A 9 de Setembro de 2011, Mário Domingos,
foi preso, em Luanda, durante 45 dias, pela mesma suposta razão, depois de uma
busca, na sua ausência, à sua casa. A acusação tinha tanta credibilidade que
nem o tentaram levar a julgamento. Mas deixaram o aviso.
Esperarei pelo fim deste
processo. Mas se tudo é como parece ser, e como a justiça parece ter percebido
que foi, ultrapassámos o que ainda é tolerável neste país. Já não se trata
"apenas" da permanente perseguição a opositores políticos em Angola,
mas de uma tentativa de usar a justiça portuguesa para fazer essa
perseguição, chegando-se ao extremo de colocar droga em bagagem que tem
Portugal como destino. E isto com um cidadão português. Se assim for,
Portugal tem de dizer ao governo mafioso de Luanda que este país ainda não é o
faroeste.
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