Por Alfredo Muvuma
No rescaldo da ruidosa jornada de folclore político
todos pareciam felizes da vida. Eufórico, o Jornal de Angola titulava a
toda a dimensão da primeira página: “Candidato do Povo aclamado em festa”. Na
Rádio Nacional e na Televisão Pública de Angola tiveram direito a folga, para
recuperarem da afonia, os locutores e apresentadores que transmitiram, em
directo e aos gritos, a homenagem e apresentação pública da candidatura de José
Eduardos dos Santos, a 23 de Junho, em Luanda.
Na esteira do Jornal de Angola, que prometeu
dar o mesmo destaque, na sua página mais nobre, ao partido da oposição que
consiga lotar o 11 de Novembro com apoiantes, o ministro da Administração do
Território, Bornito de Sousa, postou na sua página no Facebook o seguinte: “
(…) alguém sugeriu que todos os partidos que pretendem concorrer às eleições de
2012 tenham um dia indicado para fazer comício no Estádio 11 de Novembro e quem
não conseguir encher o estádio, fica já dispensado (…)”.
Em suma, um gigantesco e bem montado espectáculo
circense incapaz, todavia, de mascarar o profundo mal estar que perpassa a
direcção do MPLA em virtude da composição da sua lista de candidatos a
deputados.
Duas semanas depois da sua “aprovação” pelo Comité
Central, os comentários dos militantes do MPLA em torno dessa lista de
candidatos sugerem, em primeiro lugar, que em muitos deles arrefeceu,
profundamente, o entusiasmo com que lidavam com os excessivos poderes
atribuídos ao líder do partido.
José Eduardo dos Santos (JES) surpreendeu os seus
pares ao revelar-lhes uma faceta que, por ventura, escapava a alguns: a de um
líder com uma noção do exercício de poder unilateral; um homem que confunde a
pessoa física com a instituição; que ignora o dever de dar satisfações e que
toma decisões tendo como referência exclusiva os seus próprios interesses e os
dos seus bajuladores.
A leitura da lista de candidatos conduz à
obrigatória conclusão que critérios como a bajulação, a subserviência, a
garantia de continuidade, os laços sanguíneos contaram mais pontos do que o
interesse nacional, formação académica, a experiência politica, qualificação
técnica e outros requisitos exigíveis a representantes do povo. Isso é que
explica o lugar de Manuel Vicente na lista. O antigo patrão da Sonangol é o
segundo da lista de candidatos – o que fará dele o futuro vice-presidente da
República – mas não por haver sido escrutinado pela direcção do MPLA. Ele
aparece naquela posição porque essa era a vontade de José Eduardo dos Santos.
Isso quer dizer que, questões cruciais para o presente e o futuro do país,
entre as quais é de maior importância a sucessão presidencial, são decididas
não colegialmente pelo partido no poder, mas exclusivamente por José Eduardo
dos Santos, que o faz em estrita conformidade com as suas conveniências
pessoais, familiares e de grupo.
É também por conta do custo-benefício das
conveniências de JES que se explica o destacadíssimo 11º lugar de Gustavo da
Conceição, muito acima de vultos do partido como o próprio vice-presidente da
República (acomodado quatro lugares abaixo) ou do actual presidente da
Assembleia Nacional, Paulo Kassoma, que é apenas o 41º. Para a generalidade dos
militantes do partido, a quem JES nunca se sentiu obrigado a dar satisfações, o
único mérito de Gustavo Conceição é de natureza biológica: ele é irmão de
Aldemiro da Conceição, director do Gabinete de Acção Psicológica e Informação
da Casa Militar do Presidente da República e confidente de JES, de quem foi
porta-voz durante mais de 15 anos.
Sempre mantidos à margem das grandes decisões, os
militantes do MPLA também nunca perceberão a razão por que, pela segundo vez
consecutiva, José Eduardo dos Santos coloca a esposa e uma filha, a Welwitchia
“Tchizé”, na lista de deputados mesmo quando se sabe, à partida, que, por terem
mais do que fazer, ambas não ocuparão os respectivos assentos na Assembleia
Nacional.
Neste portal escreveu-se recentemente sobre manifestações do Síndroma de
Hybris que eventualmente já estarão a turvar a acção do Presidente José Eduardo
dos Santos. Sobre o Presidente, o autor afirmava: “o festival de distribuição
de benesses e privilégios aos seus filhos e cortesãos mostra que deixou de ver
os limites do que é digno e indigno. Ele subiu a um pedestal a partir do qual
julga que tudo lhe é permitido. Tem à volta uma corte reverencial que o induz a
crer que é um deus e que as outras pessoas são instrumentos para os seus
desejos.”
Na composição e ordem de precedência da lista de
candidatos a deputados pelo MPLA está vincada a idéia de que José Eduardo dos
Santos é guiado pela certeza de que pode desconsiderar pessoas e humilhar os
seus velhos companheiros de caminhada sem que isso lhe traga quaisquer amargos
de boca.
No MPLA, como no aparelho do Estado, José Eduardo
dos Santos age como bem entende. Dribla tudo e todos para fazer prevalecer a sua
vontade. Em muitas ocasiões faz isso à custa do respeito alheio e em
desrespeito pelas regras mínimas de civilidade. Em quase tudo, a sua vontade
ocupa o lugar das instituições.
José Eduardo dos Santos têm-se como um soberano a
quem é permitido brincar com a autoridade de que está investido. Deixa todos na
berlinda e se entusiasma quando os seus lambe-botas lhe dizem que é dotado de
uma habilidade politica inigualável.
Um político habilidoso deve agregar o rebanho. Não
é isso o que José Eduardo dos Santos tem feito. Consciente ou inconscientemente
ele tem vindo progressivamente a transformar o MPLA e Angola em conglomerados
de humilhados, unidos pela mágoa e tristeza. Talvez ele não o perceba, mas são
cada vez mais numerosos os inimigos que ele vai plantando aqui e acolá.
Mas alguém precisa de dizer a José Eduardo dos
Santos que nos regimes democráticos os líderes não actuam sozinhos em cena.
Podem fazê-lo por algum tempo, mas não durante o tempo todo.
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