O acto político e cultural do MPLA, realizado
no passado sábado, 23 de Junho, no Estádio 11 de Novembro, continua a merecer
várias leituras políticas causadas, sobretudo, pela propaganda oficial. Em
termos mediáticos, a realização do acto visava demonstrar a popularidade do
candidato presidencial do MPLA, José Eduardo dos Santos.
Desde Março de 2011, a imagem do presidente
do MPLA e da República tem sido abalada pelos simbólicos e sucessivos
protestos, de um punhado de jovens, que têm exigido a sua demissão, após 32
anos no poder. O significado destes protestos assenta na conjuntura
internacional, sobretudo da África do Norte, onde três ditadores – Ben Ali,
Mubarak e Qaddafi – foram depostos pela força de protestos populares.
Inicialmente, o MPLA reagia com
contra-manifestações, como a de 5 de Março de 2011, em que mobilizou mais de
100,000 pessoas, num investimento de muitos milhões de dólares. Esta reacção
foi causada pela primeira manifestação contra o chefe de Estado, convocada por
anónimos, para o 7 de Março do ano trasacto, e que contou apenas com a presença
de 12 jovens, incluindo jornalistas. Na prática, o MPLA reagiu contra um moinho
de vento.
Impraticável, a estratégia de mobilização
popular contra os críticos foi substituída pela repressão simples e dura.
A 19 de Junho, o primeiro secretário
provincial de Luanda do MPLA, Bento Bento, considerou o comício de homenagem a
José Eduardo dos Santos, por ser o candidato presidencial do MPLA, como um
“verdadeiro teste” à capacidade de mobilização do MPLA.
Os métodos usados na mobilização, envolveram
a coacção de funcionários públicos, encerramento de mercados e a obrigação dos
vendedores em participar do acto, para além da utilização abusiva dos meios de
comunicação social do Estado para efeitos de propaganda partidária. No entanto,
importa apenas analisar a moldura humana presente no estádio e o seu tratamento
mediático pela comunicação social pública.
A Angop reportou que o estádio, com capacidade para 50,000 pessoas,
estava quase lotado, pouco antes do Presidente ter abandonado o recinto, ao
meio-dia.
Na notícia seguinte, poucas horas depois, a
Angop referiu que “o ponto mais alto do acto político foi marcado pela leitura
do excerto da resolução do Comité Central do MPLA, que aprovou, por unanimidade
e aclamação, a indicação do Presidente José Eduardo dos Santos como cabeça de
lista do partido às próximas eleições gerais.”
Por sua vez, o zeloso Filomeno Manaças, do
Jornal de Angola, sobre o acto escreveu “o banho de multidão que se fez
presente para ovacionar o cabeça de lista do MPLA, o engenheiro José Eduardo
dos Santos, é por si só notícia em qualquer parte do mundo e não pode deixar de
ser referido como algo simplesmente impressionante.”Entusiasmado, Filomeno
Manaças assegurou que “as bancadas e o relvado do Estádio 11 de Novembro foram
ontem milimetricamente preenchidos. Sem espaço para mais gente, o estádio
esteve abarrotado por dentro e por fora. À volta do 11 de Novembro,
permaneceram tantas ou mais pessoas do que estavam no seu interior.”
Por certo, o MPLA acabará por resolver a
contradição nas descrições dos órgãos de comunicação social estatais, ao seu
exclusivo serviço. A Angop disse que o estádio estava quase lotado, Manaças viu
o abarrotamento milimétrico do mesmo, por dentro e por fora.
O comício não se realizou porque a multidão
presente no estádio devia, em princípio, ter-se juntado aos poucos jovens que,
no exterior, vibravam com o desfile de alguns dos mais populares cantores da
actualidade. O Presidente não teve o banho de multidão que se pretendia e por
isso não dirigiu, sequer, umas palavras de agradecimentos aos presentes.
Sobre as multidões, o MPLA não precisa de
provar a sua capacidade pela via da mobilização. Com perto de 37 anos de poder,
o MPLA tem demonstrado o sua capacidade em manter o controlo do Estado e da
maioria do povo. Pela mesma via, com praticamente 33 anos de presidência, José
Eduardo dos Santos bem pode dispensar o culto da personalidade. É inegável a
sua influência sobre gerações de angolanos e o estado actual de Angola. Este é
o país de Dos Santos.
Estranha é a forma como o MPLA transforma a
enchente de um estádio em paradigma de afirmação da popularidade do seu
candidato, sobretudo quando o faz depender de cantores. Porquê?
Em 2010, o cantor Yannick Ngombo “Afroman”,
encheu o estádio dos Coqueiros, para o seu primeiro grande show, sobretudo por
via do anúncio de boca-a-boca. Paulo Flores, já consagrado, também obteve
lotação esgotada no espectáculo comemorativa dos seus 20 anos de carreira. As
pessoas pagaram, e bem, para vê-los.
No ano passado, os rappers de protesto MCK e
Kid MC, atraíram, cada, cerca de 10,000 pessoas na Praça da Independência,
apenas para sessões de venda e autógrafos dos seus mais recentes trabalhos
discográficos. A Polícia Nacional teve de enviar a brigada canina e um
helicóptero de reconhecimento para garantir a ordem na actividade do Kid MC,
tal era a agitação dos fãs.
Os músicos da nova geração têm ganho um
espaço de influência, cada vez maior, no cenário político nacional. Por
exemplo, durante uma actividade do MPLA, na província do Kwanza-Norte, o
governador Henriques Júnior teve de pedir ao cantor Nagrelha, dos Lambas, que
se mantivesse com ele no palco, enquanto proferia o seu discurso. Após Nagrelha
ter cantado, a multidão do MPLA começou a abandonar o local, sem interesse em
ouvir o governador. Como incentivo, para o ouvirem, teve de firmar a promessa
de que, depois do discurso, haveria mais Nagrelha.
Todavia, para quem esteve no estádio e
acompanhou o evento do passado dia 23, sem os óculos da propaganda, o evento
foi um sucesso. Mas não pelas razões enunciadas quer pelo MPLA quer pela
ensurdecedora campanha da TPA e da RNA.
Primeiro, foi um sucesso porque o número de
presentes continua a ser impressionante, apesar do visível declínio na
capacidade de mobilização do MPLA, comparado, por exemplo, com a marcha de 5 de
Março de 2011. Desde então, tem havido uma maior tomada de consciência sobre a
realidade do país. A sociedade em geral entende, hoje, que o poder do
Presidente José Eduardo dos Santos é actualmente definido pelo saque do
património do Estado, pela ganância desmedida dos dirigentes familiares e
sócios seus, que continuam a amassar fortunas, de forma ilícita, em detrimento
do bem-estar do do povo angolano. Além do roubo institucionalizado, o regime
também tem sido marcado, recentemente, pela repressão violenta e pela perseguição
de toda e qualquer dissidência, incluíndo os soldados desmobilizados que
reclamam o pagamento das suas pensões em atraso. Dados estes acontecimentos, o
tamanho da multidão que se juntou no estádio 11 de Novembro foi, ainda assim,
assinalável.
Nos comícios realizados pelo Presidente, a 9
de Março na Lunda-Norte e a 4 de Abril no Moxico, os militantes vaiaram-no pelo
discurso que utilizou. Nas Lundas, ficou célebre, pela negativa, o seu discurso
segundo o qual as receitas dos diamantes nem sequer servem para reparar troços
de estradas. No Moxico, falou da felicidade dos locais por terem escolas, água
e electricidade, sem ter checado a realidade e a população sentiu-se ofendida.
Segundo, foi um sucesso porque a reacção de
falta de entusiasmo dos próprios militantes, revelou uma maior tomada de
consciência sobre a realidade do país. Essa realidade estava bem patente nas
tendas de luxo montadas para acomodar os membros da elite do MPLA, enquanto o
povo devia contentar-se em lutar para conseguir nacos de carne dos espetos de
boi que assavam inteiros, por detrás das tendas, para alimentar o “povo heróico
e generoso.” Em algumas viaturas, as pessoas andavam às cotoveladas para
conseguirem pedaços de carne fresca.
Por sua vez, um Presidente popular não
precisa de instrumentalizar artistas para garantir audiência. Vale-se pelo seu
discurso. A questão é esta. Qual é o discurso do Presidente para o povo? No
Estádio 11 de Novembro, o discurso do Presidente foi o silêncio. Como pode ser
interpretado este silêncio? Eis a segunda questão.
É de reconhecer, em tudo isso, a
extraordinária capacidade do Presidente em antecipar-se aos eventos. A
eliminação das eleições presidenciais, a favor da introdução do sistema
eleitoral anti-democrático do cabeça de lista, nas legislativas, permite a Dos
Santos evitar o julgamento popular directo nas urnas. Vai a reboque do MPLA.
Resta saber se o atrelado é seguro e quais os riscos que a sua pessoalização do
partido acarretam para o futuro do MPLA.
Sem comentários:
Enviar um comentário