sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Os últimos dias de Pompeia (1)


Os alemães não conseguiram exterminar os judeus. E o Politburo também não conseguirá exterminar os angolanos.

E com leis diabólicas edifiquei o meu reino nos poços petrolíferos à beira do abismo das minhas populações que as beneficiei de marxismo-leninismo. Porquê? Porque as fiz sucumbir na morte negra, da cor do petróleo.

E do meu país fiz apenas um palácio, o único, onde nada mais se lhe compara. Sou o melhor, o único empresário que investe nos casebres que ordeno destruir. E nas populações que tentam viver, resistir-me à miséria que lhes imponho, ordeno persegui-las sadicamente.

Sou o único que continua a investir na miséria das populações. Não sou magnânimo, mas muito arbitrário. E, oh! Como adoro contemplar do meu palácio as populações que tentam vender alguma coisa para sobreviverem aos biliões de dólares do petróleo que lhes usurpo. Sim! Como me contento e festejo com tais feitos. E invisto esses biliões de dólares espoliados nas centenas de empresas – ou serão milhares?! – Do meu vasto leque empresarial. São tantas que até já lhes perdi a conta.

É por isso que quando nomeio alguém para o exercício monótono da governação, sim monótono, porque só a mim cabe decidir. Assim como numa espécie de Salazar, mas muitas vezes mais maldito. Em maldade nada se me compara. Sou o melhor em tudo. Invisto muito na minha pessoa.

E quando morrer e depois de sepultado ninguém mais se lembrará de mim. Porque não governei com sabedoria mas com muita má academia. E todos finalmente se libertarão porque o rei repousará para sempre na eterna solidão. E todas as más obras que edificou nesta terra, como pó cairão.

E no meu reino nada funciona, porque eu assim o imponho, para que me venerem como omnipotente.


«Presidência da República: O Epicentro de Corrupção em Angola
Introdução
O presente relatório revela o modo como a Presidência da República de Angola tem sido usada como um cartel de negócios obscuros e as consequências dessa prática para a liberdade e o desenvolvimento dos cidadãos assim como para a estabilidade política e económica do país. O texto responde aos apelos da política de tolerância zero contra a corrupção decretada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, a 21 de Novembro de 2009.

Rafael Marques de Morais www.makaangola.com

Por uma questão de clareza, a investigação cinge-se a uma pequena amostra das práticas comerciais empreendidas pelo ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”. A este cabe a coordenação dos sectores de defesa e segurança do país. Com este dirigente, o chefe de Comunicações da Presidência da República, general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, e o presidente do Conselho de Administração e director-geral da Sonangol, Manuel Vicente, formam o triumvirato que hoje domina a economia política de Angola, sem distinção entre o público e o privado. Manuel Vicente junta ainda, aos poderes acumulados pelos generais e a Sonangol, o facto de ser um dos membros mais influentes do Bureau Político do MPLA, como delfim do presidente e responsável pela fiscalização dos negócios particulares do partido no poder.

A petrolífera nacional é a maior empresa do país e o maior contribuinte das receitas do Estado. Vários analistas têm considerado a Sonangol como o principal instrumento da manutenção do regime de José Eduardo dos Santos nos domínios financeiro, político e diplomático, assim como é a principal fonte de enriquecimento ilícito dos seus principais dirigentes.

Em alguns casos são referidas as relações solidárias e de cumplicidade com outros membros do executivo e gestores públicos na realização de negócios que envolvem a pilhagem do património do Estado e outras acções de contravenção às leis da república.

Sectores estratégicos como o dos petróleos, telecomunicações, banca, comunicação social e diamantes, fazem parte do império construído por tais figuras. A amostra refere-se às empresas Movicel, Biocom, Banco Espírito Santo Angola, Nazaki Oil & Gás, Media Nova, World Wide Capital e Lumanhe.[1]

A Lei da Probidade Pública é usada amiúde, para melhor compreensão do leitor, mesmo para os casos que antecedem à sua aprovação, em Março passado, por ser uma compilação de diversos diplomas legais contra a corrupção, que datam desde 1989.[2] Todos os artigos constantes na Lei da Probidade Pública se encontravam dispersos em tais diplomas. Por exemplo, a Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade (Lei nº 21/90, não revogada pela Lei da Probidade Pública) proíbe o dirigente de participação económica em negócio sobre o qual tenha poder de influência ou decisão (art. 10º, 2).

Movicel


Actualmente existem apenas duas operadoras de telefonia móvel no país, a Unitel e a Movicel. A Unitel, a operar desde 2001, resulta da sociedade, por quotas iguais (25%), entre a Sonangol, através da sua subsidiária MSTelcom (ex-Mercury), a Portugal Telecom, GENI e Vidatel. A Movicel foi criada pelo governo, em 2003, como uma subsidiária da empresa telefónica estatal Angola-Telecom.

No ano passado, através da Resolução n° 67/09 de 26 de Agosto, o Conselho de Ministros determinou a privatização expedita e sem concurso público da Movicel, a um consórcio de empresas angolanas, pelo valor 200 milhões de dólares. Para o efeito, o órgão do governo, invocou a dificuldade na mobilização de outros investidores para a privatização da companhia. Argumentou, também, sobre a urgência em gerar fundos para os cofres do governo “face à crise financeira mundial”. Essa decisão, segundo a referida resolução governamental, teve em conta a identificação de “uma estrutura do empresariado nacional, que assegura os recursos financeiros vitais para a aplicação imediata do plano de investimentos da Movicel e o encaixe financeiro esperado para o tesouro nacional”.

No entanto, 59% do capital da Movicel foi transferido para duas empresas afectas a altas patentes subordinadas ao ministro de Estado e chefe da Casa Militar, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, a Portmill e a Modus Comunicare, conforme se descreverá. A 10 de Junho de 2009, o general Kopelipa, o general Dino e Manuel Vicente, apartaram-se formalmente da sociedade Portmill Investimentos e Telecomunicações de que eram proprietários, com 99,96% das acções equitativamente repartidas entre si. Cederam as suas quotas, por intermédio do português Ismênio Coelho Macedo, a um grupo de altos oficiais da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), conforme tabela abaixo descrita. No caso da Portmill, o tenente-coronel Leonardo Lidinikeni, oficial da escolta presidencial, detém 99,96% das acções da empresa. Na Modus Comunicare, o tenente-coronel Tadeu Agostinho dos Santos Hikatala, responsável da escolta presidencial, é o titular de 99,92% das acções. A UGP está subordinada à Casa Militar.

Coube também ao gestor dos negócios privados do general Kopelipa, Ismênio Coelho Macedo, a operação de compra e reestruturação de uma pequena empresa de comunicação, publicidade e marketing, a Modus Comunicare – Comunicação e Imagem Lda., que não tinha expressão no mercado, colocando na sua estrutura accionista altas patentes do palácio presidencial. A empresa foi transformada em sociedade anónima, dedicada às telecomunicações, a 14 de Agosto de 2009. Essa data indica que o processo de reconhecimento legal da transacção, a sua transformação em sociedade anónima e alteração do objecto social apenas ficou concluído duas semanas após o governo, dirigido pelo Presidente José Eduardo dos Santos, ter atribuído 19% do capital da Movicel a esta empresa.

A 29 de Julho de 2009, o Conselho de Ministros aprovou a privatização de 80% do capital da Movicel a favor das empresas angolanas Portmill Investimentos e Telecomunicações (40%), Modus Comunicare (19%), Ipang – Indústria de Papel e Derivados (10%), Lambda (6%) e Novatel (5%). Por sua vez, as empresas estatais Angola Telecom e a Empresa Nacional de Correios e Telégrafos de Angola detêm respectivamente 18% e 2% do capital social da Movicel.

A seguir apresenta-se uma tabela das empresas beneficiárias e seus accionistas:
Portmill, Investimentos e Telecomunicações (40%)


Sócio
Função
Tenente-coronel Leonardo Lidinikeni Oficial de Escolta Presidencial, Unidade de Guarda Presidencial
Francisco Ndeufeta
Manuel dos SantosRodrigues Cardoso
Nelson Paulo António
Tenente-coronel Francisco Mbava Acção Psicológica, Casa Militar

Modus Comunicare – Telecomunicações (19%)


Sócio
Função
Tenente-coronel Tadeu Agostinhodos Santos Hikatala Oficial de Escolta Presidencial, Unidade de Guarda Presidencial
João Ricardo Belarmino
Tenente-coronel João JoséAntónio Soares Conselheiro do chefe da Unidade de Guarda Presidencial, General Alfredo Tyaunda
José Kakonda
José Luís Alves»

Imagem: meionorte.com


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