Certa noite, há uns anos, estava eu a
entrar para o carro acabado de dar aulas no campus da Universidade Católica de
Angola (UCAN) ao Palanca, quando um jovem veio ter comigo pedindo-me boleia
para a zona dos Congolenses, pois o seu carro recusava-se pegar. Obviamente que
acedi ao pedido.
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/58936
A caminho da cidade, fiquei a saber que
o jovem estudava de noite, na UCAN, Economia ou Gestão, não me lembro
exactamente o quê, e que trabalhava na Sonangol. Como era estudante de Economia
ou Gestão, pensei que o seu trabalho na petrolífera tivesse alguma coisa a ver
com o curso que frequentava, finanças por exemplo. Mas não. "Sou
arquitecto na Sonangol", informou para enorme surpresa minha.
"E o que faz exactamente?",
perguntei. "Nada", respondeu. "Nada, como?", insisti.
"Nada, não tenho nada para fazer! A empresa subcontrata todos os trabalhos
de arquitectura", esclareceu. Como era de noite e não havia trânsito,
chegámos rapidamente ao destino e a conversa ficou por ali. Lembrei-me do jovem
desta conversa e trago-a à colação a propósito do documento programa de
trabalho n.º 18/2015 do presidente Francisco de Lemos José Maria intitulado
Sonangol - Resgate da Eficiência Empresarial datado de Luanda 15 de Maio de
2015 e que o Expansão divulgou na semana edição da passada sexta-feira 26 de
Junho.
"O actual modelo operacional, que
adquiriu dimensão diferente e acrescida após 2008, caracteriza-se pela
crescente dependência da Sonangol quer da 'contribuição de terceiros para a
geração de resultados', quer de 'encargos para terceiros - outsourcing de
serviços do básico ao especializado', é insustentável (a 'redução da
contribuição de terceiros' é incompatível com a 'inflexibilidade de um custeio
rígido e fixo')", lê-se na página 5 do documento.
"O modelo operacional da Sonangol
fracassou e está falido" reconhece o presidente que explica o sucedido da
seguinte forma: "Deixámos de aprender a 'saber fazer' e aprendemos a
'contratar/subcontratar'", "Proliferam os contratos de prestação de
serviços em toda a companhia, desde as finanças aos serviços médicos, desde a
ESSA - Formação à gestão da cadeia logística, com a presença crescente de
'contratos-fantasma', contratos in-house e até contratação connosco
próprios", exemplifica Francisco de Lemos. "Funções (consideradas)
críticas são desempenhadas por terceiros em virtualmente todas as subsidiárias
da empresa", reforça, adiantando números: "A empresa emprega cerca de
8.500 trabalhadores. Simultaneamente e através de variada tipologia de
contratação de serviços, empregamos adicionais 4.500-5.000 empregados, que
connosco convivem todos os dias, exercendo pressão adicional sobre toda a
infra-estrutura de apoio, de base, institucional e social."
Se é o próprio presidente da empresa que
o diz... está dito. Mas Francisco de Lemos José Maria não se limita a
identificar os problemas. Avança com as soluções contidas num
"catecismo" a ser seguido pelas recém-empossadas lideranças dos
negócios para o período 2015-2017, durante o qual o principal desafio é "o
resgate da eficiência empresarial".
Para o presidente da Sonangol, o resgate
da eficiência empresarial passa pelo "divórcio com o passado e o início de
uma era diferente" consubstanciada numa "mudança de cultura",
com "o renegar da cultura de 'dependência de terceiros' e a 'adopção da
cultura de esforço, da inteligência, da inovação e do empreendedorismo".
Entre as novas práticas orientadas por Francisco de Lemos, chamaram-me
particularmente à atenção as referentes à obrigatoriedade de concurso público
para compras superiores 1 milhão USD e, sobretudo, para aquisição de
combustíveis, gás butano, lubrificantes e asfaltos no mercado no mercado
internacional.
Confesso-me estupefacto. Em qualquer
empresa, a realização de concursos públicos é uma prática corrente. Pelos
vistos não era assim na maior empresa do País, um 'Estado dentro do Estado',
como muita gente lhe chamou. E só agora deram por isso? Criada em 1976, como
uma empresa estatal vocacionada para gerir a exploração dos recursos de
hidrocarbonetos em Angola, a Sonangol transformou-se nos últimos anos num
autêntico conglomerado multinacional, com interesses em múltiplas áreas de
negócio, além dos hidrocarbonetos, em vários países.
Como tudo na vida, a estratégia empresarial
seguida até aqui pela Sonangol foi questionada, em especial as suas incursões
por áreas de negócio totalmente estranhas ao seu core business. Mas os
responsáveis da empresa sempre se defenderam, dizendo que os resultados globais
dessa estratégia foram um sucesso, tendo guindado a Sonangol a patamares
dificilmente imagináveis há uns anos. Afinal, soube-se agora, a rainha vai nua.
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