sexta-feira, 17 de julho de 2015

China/Sonangol/Crescimento: três assuntos da máxima actualidade. Alves da Rocha



Muitos temas interessantes de análise estão a surgir ultimamente e de uma forma rápida. O primeiro está relacionado com a negociação com a China - ninguém sabe o que foi negociado, os compromissos assumidos, as contrapartidas dadas, etc., o que é normal num país de transparência reduzida e de regime político autoritário e centralizado.

Alves da Rocha
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/59204

Mas o intrigante é que é sempre a China que aparece nos piores momentos financeiros de Angola (a comunidade internacional recusou liminarmente, em 2003, o apelo do Presidente José Eduardo dos Santos para a realização de uma Conferência Internacional de Doadores para concitar apoios à reconstrução do País, depois da devastação de 27 anos de guerra civil, tendo sido a China a disponibilizar os primeiros financiamentos a Angola para esse efeito).
Apesar de a actual dívida ser, segundo alguns apontamentos a este respeito que vão saltando para a imprensa, de mais de 15 mil milhões USD, a China apresta-se, uma vez mais, a socorrer as autoridades políticas angolanas, aparentemente com quantias soberbas e generosas. E os factos continuam a apontar para uma tendência de degradação das receitas da economia e do Estado.
As estatísticas do INE do primeiro trimestre deste ano mencionam uma quebra de 50% nas receitas de exportação de petróleo (face a período homólogo de 2014 - consequentemente, uma quebra de valor equivalente ou quase das receitas fiscais do Governo) e um incremento de 65% nas importações (sinal preocupante de falhanço da política de substituição das importações defendida, a ferro e fogo, pela AIA).
As estatísticas oficiais referem que, entre 2002 e 2014, as receitas da exportação de petróleo atingiram a cifra de 541.884,1 mil milhões USD, e as fiscais com esta mesma origem, o montante de 272.198,8 mil USD. Porém, a diversificação da economia não existe (reconhecimento expresso pelo ministro da Economia perante uma plateia de militantes do MPLA e transmitido pela RTP África no dia 20 de Junho no programa Revista de África), as dificuldades de pagamentos e transferências agravaram-se (não havendo saídas estruturadas a médio prazo), o funcionamento da economia patina (a consultora norte-americana IHS reviu para 3,3% - em vez de 4,5% - as suas previsões de crescimento do PIB para 2015, conforme relata a Lusa de 19 de Junho), a inflação mostra sinais de disparar (a taxa de inflação de Maio foi de 1,03% e as projecções apontam para um regresso a uma inflação de dois dígitos no final do ano e estimada em 11,2%) e a pobreza aumenta.
O que resta então das fantásticas receitas de exportação do petróleo? Sem dúvida um sistema de infra- -estruturas renovado, ainda que de baixa qualidade, mas principalmente um processo de acumulação primitiva de capital que criou uma classe minoritária de ricos e afortunados que escolhem investir fora do País (Portugal de preferência), em vez de injectarem os milhares de milhões de dólares na diversificação das exportações de Angola.
Já por diversas vezes expressei a minha opinião sobre as linhas de crédito estrangeiras, que é o caso dos contratos discutidos (e assinados?) durante a deslocação do Chefe de Estado ao Império do Meio. Do meu ponto de vista, as linhas de crédito, chinesas e outras, não ajudam nem os empresários, nem os trabalhadores, nem a economia angolana. Ainda que estejam isentas de condicionalidades políticas (como não acontece com as de proveniência ocidental europeia) e permaneçam acauteladas boas condições de juro e de reembolso, existem inconvenientes:
a) Os pagamentos às empresas chinesas pelas obras, bens e serviços prestados em Angola são feitos directamente na China, significando que o sistema bancário angolano nem sequer se apercebe da cor deste dinheiro. Aparentemente, não se pode admitir a possibilidade de aplicar aos financiamentos das linhas de crédito um regime cambial semelhante ao existente, há pouco mais de dois anos, para as exportações de petróleo, porque se trata de situações diferentes: no petróleo, os recursos naturais são nossos, nas linhas de crédito os recursos financeiros são alheios.
b) A percentagem de negócios que cabe às empresas angolanas é baixa (no caso das linhas de crédito da China de 30%), mas, mesmo assim, incumprida por duas ordens de justificações: falta de capacidade empresarial nacional (queixam-se os chineses), má-fé e falta de solidariedade empresarial, protestam os capitães de indústria nacionais. No final das contas, os efeitos em valor agregado nacional e endógeno são reduzidos.
c) A criação de emprego é diminuta no caso dos financiamentos chineses: grande parte da mão-de-obra necessária é importada do país de origem, as qualificações dos trabalhadores angolanos não são adequadas às características dos trabalhos (fundamentam os empresários chineses), as regras de funcionamento do mercado de trabalho em Angola são rígidas (a despeito da recente liberalização, na China é bem pior para os trabalhadores e uma bênção para os capitalistas do ainda resistente e único sistema comunista do mundo).
d) Quando as linhas de crédito são usadas para fomentar as exportações de bens e serviços dos países que as concedem, então o desastre é total: agrava-se a dívida externa sem contrapartidas em activos materiais, piora-se o défice das contas externas e desestimula-se a produção interna. Seguramente que é o caso das linhas financeiras chinesas, pelo menos numa determinada proporção.
e) Mas os entusiastas indefectíveis da cooperação financeira com a China, saúdam-na como o veículo para o reforço da classe média-alta em Angola. Um dia hei-de me pronunciar sobre esta temática.
Por isso é que são preferíveis outras modalidades de financiamento e criação de crescimento económico: empréstimos contraídos nos mercados financeiros internacionais (naturalmente ponderando-se e discutindo-se as condições inerentes à sua utilização) e o investimento directo estrangeiro.
Mas também neste caso se deve atender a determinados factores: criação líquida de emprego, constituição de novas empresas que estimulem a construção de uma rede de fornecedores internos que alarguem a base produtiva e multipliquem os postos de trabalho - uma espécie de cluster na terminologia de Michael Porter - e fabricação de novos produtos propícios às exportações.
As operações de investimento directo estrangeiro (IDE) que têm predominado na economia angolana - sejam portuguesas, brasileiras ou chinesas - estão longe deste paradigma.
Com a agravante - denunciada pela presidente da Agência Nacional do Investimento Privado - de, na maior parte dos casos, esse IDE não corresponder à entrada de meios financeiros, com os investidores estrangeiros a financiarem-se com recursos do sistema bancário nacional.


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