Muitos temas interessantes de análise estão a
surgir ultimamente e de uma forma rápida. O primeiro está relacionado com a
negociação com a China - ninguém sabe o que foi negociado, os compromissos
assumidos, as contrapartidas dadas, etc., o que é normal num país de
transparência reduzida e de regime político autoritário e centralizado.
Alves da Rocha
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/59204
Mas o intrigante é que é sempre a China que
aparece nos piores momentos financeiros de Angola (a comunidade internacional
recusou liminarmente, em 2003, o apelo do Presidente José Eduardo dos Santos
para a realização de uma Conferência Internacional de Doadores para concitar
apoios à reconstrução do País, depois da devastação de 27 anos de guerra civil,
tendo sido a China a disponibilizar os primeiros financiamentos a Angola para
esse efeito).
Apesar de a actual dívida ser, segundo alguns
apontamentos a este respeito que vão saltando para a imprensa, de mais de 15
mil milhões USD, a China apresta-se, uma vez mais, a socorrer as autoridades
políticas angolanas, aparentemente com quantias soberbas e generosas. E os
factos continuam a apontar para uma tendência de degradação das receitas da economia
e do Estado.
As estatísticas do INE do primeiro trimestre
deste ano mencionam uma quebra de 50% nas receitas de exportação de petróleo
(face a período homólogo de 2014 - consequentemente, uma quebra de valor
equivalente ou quase das receitas fiscais do Governo) e um incremento de 65%
nas importações (sinal preocupante de falhanço da política de substituição das
importações defendida, a ferro e fogo, pela AIA).
As estatísticas oficiais referem que, entre 2002
e 2014, as receitas da exportação de petróleo atingiram a cifra de 541.884,1
mil milhões USD, e as fiscais com esta mesma origem, o montante de 272.198,8
mil USD. Porém, a diversificação da economia não existe (reconhecimento
expresso pelo ministro da Economia perante uma plateia de militantes do MPLA e
transmitido pela RTP África no dia 20 de Junho no programa Revista de África),
as dificuldades de pagamentos e transferências agravaram-se (não havendo saídas
estruturadas a médio prazo), o funcionamento da economia patina (a consultora
norte-americana IHS reviu para 3,3% - em vez de 4,5% - as suas previsões de
crescimento do PIB para 2015, conforme relata a Lusa de 19 de Junho), a
inflação mostra sinais de disparar (a taxa de inflação de Maio foi de 1,03% e
as projecções apontam para um regresso a uma inflação de dois dígitos no final
do ano e estimada em 11,2%) e a pobreza aumenta.
O que resta então das fantásticas receitas de
exportação do petróleo? Sem dúvida um sistema de infra- -estruturas renovado,
ainda que de baixa qualidade, mas principalmente um processo de acumulação
primitiva de capital que criou uma classe minoritária de ricos e afortunados
que escolhem investir fora do País (Portugal de preferência), em vez de
injectarem os milhares de milhões de dólares na diversificação das exportações de
Angola.
Já por diversas vezes expressei a minha opinião
sobre as linhas de crédito estrangeiras, que é o caso dos contratos discutidos
(e assinados?) durante a deslocação do Chefe de Estado ao Império do Meio. Do
meu ponto de vista, as linhas de crédito, chinesas e outras, não ajudam nem os
empresários, nem os trabalhadores, nem a economia angolana. Ainda que estejam
isentas de condicionalidades políticas (como não acontece com as de
proveniência ocidental europeia) e permaneçam acauteladas boas condições de
juro e de reembolso, existem inconvenientes:
a) Os pagamentos às empresas chinesas pelas
obras, bens e serviços prestados em Angola são feitos directamente na China,
significando que o sistema bancário angolano nem sequer se apercebe da cor
deste dinheiro. Aparentemente, não se pode admitir a possibilidade de aplicar
aos financiamentos das linhas de crédito um regime cambial semelhante ao
existente, há pouco mais de dois anos, para as exportações de petróleo, porque
se trata de situações diferentes: no petróleo, os recursos naturais são nossos,
nas linhas de crédito os recursos financeiros são alheios.
b) A percentagem de negócios que cabe às
empresas angolanas é baixa (no caso das linhas de crédito da China de 30%),
mas, mesmo assim, incumprida por duas ordens de justificações: falta de
capacidade empresarial nacional (queixam-se os chineses), má-fé e falta de
solidariedade empresarial, protestam os capitães de indústria nacionais. No
final das contas, os efeitos em valor agregado nacional e endógeno são
reduzidos.
c) A criação de emprego é diminuta no caso dos
financiamentos chineses: grande parte da mão-de-obra necessária é importada do
país de origem, as qualificações dos trabalhadores angolanos não são adequadas
às características dos trabalhos (fundamentam os empresários chineses), as
regras de funcionamento do mercado de trabalho em Angola são rígidas (a
despeito da recente liberalização, na China é bem pior para os trabalhadores e
uma bênção para os capitalistas do ainda resistente e único sistema comunista
do mundo).
d) Quando as linhas de crédito são usadas para
fomentar as exportações de bens e serviços dos países que as concedem, então o
desastre é total: agrava-se a dívida externa sem contrapartidas em activos
materiais, piora-se o défice das contas externas e desestimula-se a produção
interna. Seguramente que é o caso das linhas financeiras chinesas, pelo menos
numa determinada proporção.
e) Mas os entusiastas indefectíveis da
cooperação financeira com a China, saúdam-na como o veículo para o reforço da
classe média-alta em Angola. Um dia hei-de me pronunciar sobre esta temática.
Por isso é que são preferíveis outras
modalidades de financiamento e criação de crescimento económico: empréstimos
contraídos nos mercados financeiros internacionais (naturalmente ponderando-se
e discutindo-se as condições inerentes à sua utilização) e o investimento
directo estrangeiro.
Mas também neste caso se deve atender a
determinados factores: criação líquida de emprego, constituição de novas
empresas que estimulem a construção de uma rede de fornecedores internos que
alarguem a base produtiva e multipliquem os postos de trabalho - uma espécie de
cluster na terminologia de Michael Porter - e fabricação de novos produtos
propícios às exportações.
As operações de investimento directo estrangeiro
(IDE) que têm predominado na economia angolana - sejam portuguesas, brasileiras
ou chinesas - estão longe deste paradigma.
Com a agravante - denunciada pela presidente da
Agência Nacional do Investimento Privado - de, na maior parte dos casos, esse
IDE não corresponder à entrada de meios financeiros, com os investidores
estrangeiros a financiarem-se com recursos do sistema bancário nacional.
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