O PGR, general João Maria de Sousa, que sustenta
a acusação da inventona.
Em 1982, o ditador argentino Leopoldo Galtieri,
confrontando com graves problemas internos, resolveu criar uma manobra de
diversão e ocupou militarmente as ilhas Malvinas (ou Falklands), dominadas
pelos ingleses. Depois do aplauso inicial, a queda da ditadura precipitou-se
inexoravelmente.
Rui Verde, doutor em
direito
MAKAANGOLA
Atualmente, o panorama angolano não é melhor que
o panorama argentino em 1982. A uma crise de poder prolongada devido à falta de
funcionamento real das instituições, está a somar-se uma grave crise financeira
e económica, em que o símbolo do poder e da riqueza de Angola, a Sonangol,
surge como um gigante de pés de barro, à beira da falência e parecendo
demonstrar ter sido alvo de uma gestão negligente (para dizer o mínimo).
Face a isso, o presidente, mais sábio que o
ditador de opereta Galtieri, fomentou aquilo que em bom português se chama uma
inventona. Não é um golpe de Estado, não é uma tentativa de golpe de Estado, é
uma invenção de tentativa de golpe de Estado.
A inventona presidencial corresponde às melhores
técnicas de controlo de poder, e procura unir o povo contra os perigos da
instabilidade, criando um inimigo interno que aparentemente lia livros e
trocava emails com trabalhos académicos, acenando-se pelo meio com os trágicos
acontecimentos de 1977 (Nito Alves). Como escreveu Karl Marx, a história
repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa.
Mas se o presidente e o seu círculo podem
entreter-se a planear e a criar inventonas, o que estarrece é o papel do poder
judicial angolano, ou, melhor dizendo, a aparente ausência desse papel.
A Constituição de 2010 consagra a independência
do poder judicial (artigo 175.º) e impõe a este o dever de assegurar a defesa dos
direitos legalmente protegidos, a garantia do contraditório e a repressão de
violações da legalidade democrática (artigo 174.º).
Acresce que os juízes têm como função nobre e
primacial a garantia da observância da Constituição e das leis, bem como a proteção
dos direitos dos cidadãos. É por isso que o poder judicial acaba por
desempenhar o papel mais importante numa democracia, pois é ele que limita e
controla o poder. Sem a intervenção dos juízes, poderemos estar perante uma
ditadura eletiva, como sublinhava o jurista inglês Lord Hailsham.
Assim, temos de perguntar: o que fazem os juízes
angolanos para preservar a democracia? Que papel têm desempenhado no
cumprimento da legalidade no caso da inventona? Assinaram os mandados de
detenção? Existiram interrogatórios judiciais? Garantiram aos detidos os seus
direitos constitucionais?
É nestes momentos que se podem revelar a força e
a capacidade da magistratura. Quando nos Estados Unidos o poder político
hesitava em conceder direitos aos afro-americanos, quem interveio e decidiu que
todos tinham direito a uma educação igual? O Supremo Tribunal Americano, no
famoso caso Brown v. Board of Education 347 U.S. 483 (1954).
É o que se espera do poder judicial angolano: a
defesa da democracia angolana. Atendendo à qualidade dos normativos
constitucionais angolanos, admira que a sua aplicação não esteja a ser
escrutinada pela opinião pública. Aparentemente, há detenções sem mandado, como
no caso do capitão Zenóbio Zumba, e outras manifestações de desrespeito pelo
processo penal.
Portanto, a questão é: onde estão os juízes?
Num Estado democrático de direito, nenhuma das
ações até agora tomadas contra os alegados perpetradores do “golpe” – prisão,
buscas, entre outros – poderia ter ocorrido sem autorização judicial. Se houve
intervenção judicial nessas ações, tem de haver possibilidade de se interporem
recursos; se não houve, estamos perante detenções ilegais, e deve ser utilizado
o habeas corpus para confrontar a justiça angolana com as suas
responsabilidades constitucionais.
Este é o tempo de a justiça angolana agir na
defesa da legalidade democrática. Não há democracia sem juízes imparciais.
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