segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A Inventona: Um Caso para o Poder Judicial Angolano




O PGR, general João Maria de Sousa, que sustenta a acusação da inventona.

Em 1982, o ditador argentino Leopoldo Galtieri, confrontando com graves problemas internos, resolveu criar uma manobra de diversão e ocupou militarmente as ilhas Malvinas (ou Falklands), dominadas pelos ingleses. Depois do aplauso inicial, a queda da ditadura precipitou-se inexoravelmente.

Rui Verde, doutor em direito
MAKAANGOLA

Atualmente, o panorama angolano não é melhor que o panorama argentino em 1982. A uma crise de poder prolongada devido à falta de funcionamento real das instituições, está a somar-se uma grave crise financeira e económica, em que o símbolo do poder e da riqueza de Angola, a Sonangol, surge como um gigante de pés de barro, à beira da falência e parecendo demonstrar ter sido alvo de uma gestão negligente (para dizer o mínimo).
Face a isso, o presidente, mais sábio que o ditador de opereta Galtieri, fomentou aquilo que em bom português se chama uma inventona. Não é um golpe de Estado, não é uma tentativa de golpe de Estado, é uma invenção de tentativa de golpe de Estado.
A inventona presidencial corresponde às melhores técnicas de controlo de poder, e procura unir o povo contra os perigos da instabilidade, criando um inimigo interno que aparentemente lia livros e trocava emails com trabalhos académicos, acenando-se pelo meio com os trágicos acontecimentos de 1977 (Nito Alves). Como escreveu Karl Marx, a história repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa.
Mas se o presidente e o seu círculo podem entreter-se a planear e a criar inventonas, o que estarrece é o papel do poder judicial angolano, ou, melhor dizendo, a aparente ausência desse papel.
A Constituição de 2010 consagra a independência do poder judicial (artigo 175.º) e impõe a este o dever de assegurar a defesa dos direitos legalmente protegidos, a garantia do contraditório e a repressão de violações da legalidade democrática (artigo 174.º).
Acresce que os juízes têm como função nobre e primacial a garantia da observância da Constituição e das leis, bem como a proteção dos direitos dos cidadãos. É por isso que o poder judicial acaba por desempenhar o papel mais importante numa democracia, pois é ele que limita e controla o poder. Sem a intervenção dos juízes, poderemos estar perante uma ditadura eletiva, como sublinhava o jurista inglês Lord Hailsham. 
Assim, temos de perguntar: o que fazem os juízes angolanos para preservar a democracia? Que papel têm desempenhado no cumprimento da legalidade no caso da inventona? Assinaram os mandados de detenção? Existiram interrogatórios judiciais? Garantiram aos detidos os seus direitos constitucionais?
É nestes momentos que se podem revelar a força e a capacidade da magistratura. Quando nos Estados Unidos o poder político hesitava em conceder direitos aos afro-americanos, quem interveio e decidiu que todos tinham direito a uma educação igual? O Supremo Tribunal Americano, no famoso caso Brown v. Board of Education 347 U.S. 483 (1954).
É o que se espera do poder judicial angolano: a defesa da democracia angolana. Atendendo à qualidade dos normativos constitucionais angolanos, admira que a sua aplicação não esteja a ser escrutinada pela opinião pública. Aparentemente, há detenções sem mandado, como no caso do capitão Zenóbio Zumba, e outras manifestações de desrespeito pelo processo penal.
Portanto, a questão é: onde estão os juízes?
Num Estado democrático de direito, nenhuma das ações até agora tomadas contra os alegados perpetradores do “golpe” – prisão, buscas, entre outros – poderia ter ocorrido sem autorização judicial. Se houve intervenção judicial nessas ações, tem de haver possibilidade de se interporem recursos; se não houve, estamos perante detenções ilegais, e deve ser utilizado o habeas corpus para confrontar a justiça angolana com as suas responsabilidades constitucionais.
Este é o tempo de a justiça angolana agir na defesa da legalidade democrática. Não há democracia sem juízes imparciais.

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