segunda-feira, 3 de agosto de 2015

China/Sonangol/Crescimento económico: 3 assuntos da máxima actualidade (2.ª parte)



Alves da Rocha

No artigo anterior, dos três assuntos de relevo aí seleccionados, restaram dois que são agora explicitados. A segunda nota de relevo é o relatório da Sonangol, assinado pelo seu presidente, em que se reconhece a falência do seu modelo operacional e que a maior empresa angolana não consegue funcionar sem o apoio do Tesouro Nacional.
Mas que tremendo paradoxo: a Sonangol, enquanto concessionária única dos hidrocarbonetos do País, é que tem de alimentar os cofres do Estado, e não o contrário. Estamos, assim, perante a queda de um 'gigante de barro'? É impressionante ler este relatório, onde se põem a nu os tráficos de influência veiculados pela e através da empresa, os contratos-sombra de centenas de milhões de dólares, o outsourcing de serviços seleccionados (em 2014, foram gastos em consultoria 257 milhões USD; em assistência técnica, 124 milhões USD, num total de quase meio milhar de milhão de dólares) e o montante de salários pagos (1.239 milhões USD).
É a rubrica de outsourcing que torna os resultados líquidos da empresas substancialmente negativos e estimados, no citado documento, em 1.187 milhões USD em 2014 (colmatados pelas transferências do Tesouro Nacional). A frase utilizada pelo presidente da Sonangol é lapidar (aplicável a certos ministérios que fazem da assistência técnica estrangeira uma forma de funcionamento normal das suas actividades): "Deixámos de aprender a saber fazer, para aprendermos a contratar e a subcontratar".
O número de trabalhadores efectivos da empresa ascende a 8.500, mas o relatório acrescenta mais 4.500/5.000 correspondentes a uma variada tipologia de contratação de serviços. Ou seja, de trabalhadores cujo serviço não é controlado pela Sonangol, limitando-se a pagar as facturas emitidas pelas entidades que supostamente prestaram um determinado serviço. Presume-se, assim, que o montante global de salários pagos em 2014 abarcou apenas os trabalhadores efectivos da empresa, perfazendo um salário médio mensal de mais de 11.200 USD, considerando 13 meses. Esta questão do emprego é outra que faz parte da agenda dos desafios e dos riscos do País.
Desafios, porque, conforme explicarei já de seguida, não vai ser fácil conciliar ganhos de produtividade - essenciais e indispensáveis para a competitividade em economia aberta - e criação significativa de emprego. Riscos, porque a economia nacional está envolvida por muitas fraquezas e desequilíbrios estruturais.
A ilustração mais evidente desta afirmação está no facto de, depois da 'tempestade' petrolífera de 2008/2009 que atirou o preço do barril para a casa dos 45 USD e da recuperação quase imediata (2010) para níveis semelhantes aos anteriores, Angola nunca mais atingiu os padrões de crescimento do PIB registados até 2008 (11,17% neste ano). De acordo com as Contas Nacionais, os registos foram os seguintes: 2,14% em 2009, 3,56% em 2010, 1,86% em 2011, 5,82% em 2012, 3,98% em 2013 e 4,4% em 2014. Entre 2004 e 2008, a taxa média anual de variação real do PIB foi de 12,5%, enquanto a relativa ao período 2009/2014 foi de apenas 3,36%.
Até 2020, e de acordo com as antecipações das mais reputadas agências internacionais de desenvolvimento (FMI, Banco Mundial, OCDE, BAD, EIU), a taxa média anual de variação real do PIB situar-se-á na vizinhança de 5%. Verifica-se, na verdade, uma desaceleração estrutural do crescimento económico do País, que poderia ter sido contrariada com a diversificação das exportações e a criação de uma massa crítica de procura nacional endógena (ainda que possam ser reconhecidos alguns avanços na redução da pobreza, o que é facto é que foram marginais e não sustentáveis e agora fortemente abalados pela crise do preço do petróleo).
Com estes registos, a evolução do emprego (e dos salários) fica seriamente comprometida, dentro de parâmetros razoáveis de competitividade. A questão essencial a colocar e a debater está em saber se o crescimento económico é factor suficiente para a reversão do desemprego e para a criação sustentada de emprego líquido no futuro. Também se pode colocar esta problemática de maneira um pouco diferente, mas que conduz ao mesmo tipo de reflexão: a que taxa média anual deve crescer a economia para que a taxa de desemprego decline significativa e sustentadamente durante um período razoável, digamos 10/15 anos?
Adjacente à capacidade de geração de emprego sustentável do crescimento económico, está a matéria salarial, ou, de modo mais geral, do poder de compra da sociedade: são suficientes taxas expressivas de variação anual do nível de actividade para que os salários aumentem e as famílias vivam melhor? Claro que o crescimento económico é necessário. Pode é não ser suficiente. E não faltam estudos e evidências empíricas para se concluir que, na maior parte das economias do planeta, sejam desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, o crescimento económico parece ter estabelecido uma relação de amigável convivência com o desemprego.
Jeremy Rifkin tem uma visão catastrófica da evolução do emprego durante o século XXI, chegando a admitir que o fim do emprego está próximo: "Nas décadas centrais do século XXI, a esfera comercial disporá dos meios tecnológicos e da capacidade organizacional para oferecer bens e serviços básicos a uma expansiva população, usando uma pequena fracção da força de trabalho actualmente empregada. Talvez menos de 5% da população adulta venha a ser necessária para gerir e operar a esfera industrial em 2050. Fazendas agrícolas, fábricas e escritórios quase despovoados serão a norma em todos os países".
A admirável revolução nas novas tecnologias da informação e comunicação foi a grande responsável pelo espectáculo do crescimento económico nos Estados Unidos durante os anos 90 do século anterior. O factor associado foi a produtividade, cujo incremento permitiu aumento do PIB, variação positiva do emprego e estabilidade dos preços. Foram bastantes as reflexões teóricas que se produziram acerca deste fenómeno de crescimento económico com aumento de emprego e queda dos preços, tendo chegado a admitir-se que se estaria no limiar de uma Nova Economia. Foram interessantes os debates entre economistas famosos, destacando-se Rudiger Dornbush, Roger Fergunson, Paul Samuelson, Robert Gordon, Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
A última nota refere-se aos níveis de confiança/desconfiança no País. As instituições desconfiam dos cidadãos, e estes do Estado. O excesso de burocracia é uma ilustração da desconfiança do Estado perante os cidadãos, levantando obstáculos severos ao acesso a condições, canais e circuitos que ajudam a melhorar a sua condição de pessoa ou de empresário. O controlo da saída de divisas no aeroporto internacional de Luanda é outra ilustração da desconfiança das instituições do Estado, porque se pergunta, quando se passa o controlo das bagagens, revista-se na alfândega, e volta a revistar-se à entrada das aeronaves. Esta desconfiança aguça os espíritos mais atreitos a cometerem ilegalidades para se conseguir um mínimo de sossego.
Outro aspecto que eleva os níveis de desconfiança refere-se à transparência do sistema bancário nacional. Aludo, em particular, ao 'caso BESA'. Um ano depois do escândalo, ainda ninguém foi esclarecido sobre o 'desaparecimento' de 5,5 mil milhões USD. Os nomes dos eventuais tomadores dos empréstimos continuam envoltos em mistério e é quase certo que assim prossiga, porque o BESA é agora estatal sob a designação de Banco Económico SA (no fundo, BESA).
Em carta datada de 27 de Março de 2014, José Lima Massano (na altura governador do banco central angolano) afirmava que "os banqueiros não estavam autorizados, sob nenhuma forma, a identificar contas ou revelar nomes de clientes com quem trabalhassem". A crise do preço do petróleo iniciada em meados de 2014 começa a pôr a descoberto as muitas debilidades dos nossos sistemas, económico, financeiro, social e institucional, colocando em risco algumas das conquistas conseguidas depois de 27 anos de guerra civil.


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