Alves da Rocha
No artigo anterior, dos três assuntos de relevo
aí seleccionados, restaram dois que são agora explicitados. A segunda nota de
relevo é o relatório da Sonangol, assinado pelo seu presidente, em que se
reconhece a falência do seu modelo operacional e que a maior empresa angolana
não consegue funcionar sem o apoio do Tesouro Nacional.
Mas que tremendo paradoxo: a Sonangol, enquanto
concessionária única dos hidrocarbonetos do País, é que tem de alimentar os
cofres do Estado, e não o contrário. Estamos, assim, perante a queda de um
'gigante de barro'? É impressionante ler este relatório, onde se põem a nu os
tráficos de influência veiculados pela e através da empresa, os
contratos-sombra de centenas de milhões de dólares, o outsourcing de serviços
seleccionados (em 2014, foram gastos em consultoria 257 milhões USD; em assistência
técnica, 124 milhões USD, num total de quase meio milhar de milhão de dólares)
e o montante de salários pagos (1.239 milhões USD).
É a rubrica de outsourcing que torna os
resultados líquidos da empresas substancialmente negativos e estimados, no
citado documento, em 1.187 milhões USD em 2014 (colmatados pelas transferências
do Tesouro Nacional). A frase utilizada pelo presidente da Sonangol é lapidar
(aplicável a certos ministérios que fazem da assistência técnica estrangeira
uma forma de funcionamento normal das suas actividades): "Deixámos de
aprender a saber fazer, para aprendermos a contratar e a subcontratar".
O número de trabalhadores efectivos da empresa
ascende a 8.500, mas o relatório acrescenta mais 4.500/5.000 correspondentes a
uma variada tipologia de contratação de serviços. Ou seja, de trabalhadores
cujo serviço não é controlado pela Sonangol, limitando-se a pagar as facturas
emitidas pelas entidades que supostamente prestaram um determinado serviço.
Presume-se, assim, que o montante global de salários pagos em 2014 abarcou
apenas os trabalhadores efectivos da empresa, perfazendo um salário médio
mensal de mais de 11.200 USD, considerando 13 meses. Esta questão do emprego é
outra que faz parte da agenda dos desafios e dos riscos do País.
Desafios, porque, conforme explicarei já de
seguida, não vai ser fácil conciliar ganhos de produtividade - essenciais e
indispensáveis para a competitividade em economia aberta - e criação
significativa de emprego. Riscos, porque a economia nacional está envolvida por
muitas fraquezas e desequilíbrios estruturais.
A ilustração mais evidente desta afirmação está
no facto de, depois da 'tempestade' petrolífera de 2008/2009 que atirou o preço
do barril para a casa dos 45 USD e da recuperação quase imediata (2010) para
níveis semelhantes aos anteriores, Angola nunca mais atingiu os padrões de
crescimento do PIB registados até 2008 (11,17% neste ano). De acordo com as
Contas Nacionais, os registos foram os seguintes: 2,14% em 2009, 3,56% em 2010,
1,86% em 2011, 5,82% em 2012, 3,98% em 2013 e 4,4% em 2014. Entre 2004 e 2008,
a taxa média anual de variação real do PIB foi de 12,5%, enquanto a relativa ao
período 2009/2014 foi de apenas 3,36%.
Até 2020, e de acordo com as antecipações das
mais reputadas agências internacionais de desenvolvimento (FMI, Banco Mundial,
OCDE, BAD, EIU), a taxa média anual de variação real do PIB situar-se-á na
vizinhança de 5%. Verifica-se, na verdade, uma desaceleração estrutural do
crescimento económico do País, que poderia ter sido contrariada com a
diversificação das exportações e a criação de uma massa crítica de procura
nacional endógena (ainda que possam ser reconhecidos alguns avanços na redução
da pobreza, o que é facto é que foram marginais e não sustentáveis e agora
fortemente abalados pela crise do preço do petróleo).
Com estes registos, a evolução do emprego (e dos
salários) fica seriamente comprometida, dentro de parâmetros razoáveis de
competitividade. A questão essencial a colocar e a debater está em saber se o
crescimento económico é factor suficiente para a reversão do desemprego e para
a criação sustentada de emprego líquido no futuro. Também se pode colocar esta
problemática de maneira um pouco diferente, mas que conduz ao mesmo tipo de
reflexão: a que taxa média anual deve crescer a economia para que a taxa de
desemprego decline significativa e sustentadamente durante um período razoável,
digamos 10/15 anos?
Adjacente à capacidade de geração de emprego
sustentável do crescimento económico, está a matéria salarial, ou, de modo mais
geral, do poder de compra da sociedade: são suficientes taxas expressivas de
variação anual do nível de actividade para que os salários aumentem e as
famílias vivam melhor? Claro que o crescimento económico é necessário. Pode é
não ser suficiente. E não faltam estudos e evidências empíricas para se
concluir que, na maior parte das economias do planeta, sejam desenvolvidas ou
em vias de desenvolvimento, o crescimento económico parece ter estabelecido uma
relação de amigável convivência com o desemprego.
Jeremy Rifkin tem uma visão catastrófica da
evolução do emprego durante o século XXI, chegando a admitir que o fim do
emprego está próximo: "Nas décadas centrais do século XXI, a esfera
comercial disporá dos meios tecnológicos e da capacidade organizacional para
oferecer bens e serviços básicos a uma expansiva população, usando uma pequena
fracção da força de trabalho actualmente empregada. Talvez menos de 5% da
população adulta venha a ser necessária para gerir e operar a esfera industrial
em 2050. Fazendas agrícolas, fábricas e escritórios quase despovoados serão a
norma em todos os países".
A admirável revolução nas novas tecnologias da
informação e comunicação foi a grande responsável pelo espectáculo do
crescimento económico nos Estados Unidos durante os anos 90 do século anterior.
O factor associado foi a produtividade, cujo incremento permitiu aumento do
PIB, variação positiva do emprego e estabilidade dos preços. Foram bastantes as
reflexões teóricas que se produziram acerca deste fenómeno de crescimento
económico com aumento de emprego e queda dos preços, tendo chegado a admitir-se
que se estaria no limiar de uma Nova Economia. Foram interessantes os debates
entre economistas famosos, destacando-se Rudiger Dornbush, Roger Fergunson,
Paul Samuelson, Robert Gordon, Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
A última nota refere-se aos níveis de
confiança/desconfiança no País. As instituições desconfiam dos cidadãos, e
estes do Estado. O excesso de burocracia é uma ilustração da desconfiança do
Estado perante os cidadãos, levantando obstáculos severos ao acesso a
condições, canais e circuitos que ajudam a melhorar a sua condição de pessoa ou
de empresário. O controlo da saída de divisas no aeroporto internacional de
Luanda é outra ilustração da desconfiança das instituições do Estado, porque se
pergunta, quando se passa o controlo das bagagens, revista-se na alfândega, e
volta a revistar-se à entrada das aeronaves. Esta desconfiança aguça os
espíritos mais atreitos a cometerem ilegalidades para se conseguir um mínimo de
sossego.
Outro aspecto que eleva os níveis de
desconfiança refere-se à transparência do sistema bancário nacional. Aludo, em
particular, ao 'caso BESA'. Um ano depois do escândalo, ainda ninguém foi
esclarecido sobre o 'desaparecimento' de 5,5 mil milhões USD. Os nomes dos
eventuais tomadores dos empréstimos continuam envoltos em mistério e é quase
certo que assim prossiga, porque o BESA é agora estatal sob a designação de
Banco Económico SA (no fundo, BESA).
Em carta datada de 27 de Março de 2014, José
Lima Massano (na altura governador do banco central angolano) afirmava que
"os banqueiros não estavam autorizados, sob nenhuma forma, a identificar
contas ou revelar nomes de clientes com quem trabalhassem". A crise do
preço do petróleo iniciada em meados de 2014 começa a pôr a descoberto as
muitas debilidades dos nossos sistemas, económico, financeiro, social e
institucional, colocando em risco algumas das conquistas conseguidas depois de
27 anos de guerra civil.
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