Passam agora duas semanas desde o rapto de
Alves Kamulingue, 30 anos, a 27 de Maio, quando circulava, ao meio-dia, na
baixa de Luanda. Kamulingue dirigia-se a uma manifestação que deveria ter
juntado antigos membros da Unidade de Guarda Presidencial (UGP) e antigos
combatentes, para a reclamação de pensões.
A 29 de Maio, o seu companheiro Isaías
Cassule, 34 anos, um dos organizadores da manifestação, também foi raptado, ao
anoitecer, no município do Cazenga.
Isa Rodrigues, a esposa de Kamulingue, tem
recebido chamadas anónimas a dar conta do suposto paradeiro dos desaparecidos
algures numa unidade policial na periferia de Luanda. Esses rumores começaram a
ser espalhados, entre jornalistas também, para contrapôr outros que correm na
internet, segundo a qual os raptados terão sido executados.
Os números anónimos são, de seguida,
desligados, para que as famílias se vejam impossibilitadas de chamar de volta e
exigir mais explicações.
De certo modo, a política de raptos de
indivíduos que se manifestam publicamente contra o regime já não constitui novidade.
Estes têm sido devolvidos à liberdade, após sessões de tortura e ameaças.
No entanto, é preocupante o facto da
Presidência da República, como instituição visada pelo protestos, se manter
silenciosa sobre o caso. Mais preocupante ainda é a reacção negligente da
sociedade.
Fonte do Ministério do Interior garantiu, ao
autor, que os cidadãos desaparecidos não se encontram em nenhuma unidade
policial. “A nossa ideia, até porque as famílias já comunicaram o seu
desaparecimento às esquadras da Polícia Nacional, é prestar toda a informação
possível para tranquilizarmos os familiares.”
Aventa-se que a Casa Militar do Presidente da
República tenha informações específicas sobre o paradeiro dos activistas e não
esteja a partilhá-las com outras instituições do Estado e o público, em geral.
Como lei suprema da nação, a Constituição
consagra o respeito e a protecção da vida humana. Em circunstância alguma, de
acordo com a Constituição (Art. 63º, c), um indivíduo deve ser privado de
liberdade sem que a sua família seja informada sobre a sua prisão ou detenção e
sobre o local para onde é levado. A Constituição garante ainda outros direitos
elementares aos detidos, independentemente dos crimes de que sejam acusados.
A confirmação oficial de que a Polícia
Nacional nada tem a ver com o caso remete para que a Presidência da República,
através da sua Casa Militar, emita um pronunciamento inequívoco sobre o
paradeiro dos dois activistas.
Paulina Wesso, 6 anos, e Alves da Silva, 2
anos, continuam a perguntar pelo pai, Alves Kamulingue. A mãe e esposa, Isa
Rodrigues, não tem a mínima ideia sobre o que terá acontecido ao marido. O
mesmo se passa com os cinco filhos de Isaías Cassule.
Durante anos, a repressão política, a guerra
e a corrupção têm sido usadas como mecanismos para impor o medo na sociedade.
Os cidadãos raramente manifestam-se solidários entre si quando os governantes
incorrem em actos criminosos que violam os seus direitos elementares.
Angola continua a ser um Estado onde a
participação do cidadão é limitada à sua submissão a um poder autoritário e
irresponsável.
Mas, é preciso lembrar que a soberania do
Estado angolano reside no povo. O povo é soberano e os governantes são
servidores públicos sujeitos à lei, à fiscalização e ao julgamento do povo, que
os escolhe como representantes.
Os representantes do povo, os governantes, só
abusam dos poderes que lhes são conferidos pelos soberanos quando estes
permitem, por falta de bom senso e sentido de responsabilidade colectiva.
Enquanto o cidadão comum não respeitar e defender a vida de outrem, o todo
angolano, que é o Estado, será apenas um projecto sequestrado pelos mais
espertos, violentos e corruptos. Assim, o Estado continuará a ser usado como
obstáculo à realização plena dos direitos fundamentais dos cidadãos por quem o
controla.
Os dois activistas envolveram-se na
organização de uma manifestação de ex-guardas presidenciais, que haviam sido
reintegrados na vida civil como colectores de lixo e, depois mandados para casa
desempregados, sem nada, e visivelmente humilhados.
Kamulingue e Cassule acreditaram na
Constituição, no Estado de direito, independentemente das suas motivações
pessoais, políticas ou de outra natureza. A Constituição garante o direito à
manifestação. A 7 de Junho passado, perto de 3,000 ex-soldados, manifestaram-se
defronte ao Ministério da Defesa, em Luanda, para reclamar pensões que lhes são
devidas, em alguns casos, desde 1992. De forma inteligente, o chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Geraldo
Sachipengo Nunda, preferiu receber uma comissão de descontentes e prometeu
resolver o assunto na quinta-feira próxima. Fê-lo porque os ex-militares
estavam unidos e muito bem organizados na defesa do seu interesse colectivo. O
uso da força, pelo forte dispositivo militar e policial, chamado a conter os
manifestantes, poderia apenas gerar violência e colocaria em risco a própria
estabilidade do regime.
Apesar da pobre condição social de Kamulingue
e Cassule, merecem solidariedade pela simples razão de serem seres humanos e
cidadãos angolanos, com os mesmos direitos e deveres. Kamulingue é um
armazenista e Cassule é guarda. À sua maneira, dedicam parte do seu tempo na
defesa de interesses colectivos.
O Presidente da República, sendo o chefe do
Executivo e responsável máximo pela segurança dos cidadãos, deve pronunciar-se
sob pena de ser responsabilizado moralmente pelos raptos.
Kamulingue e Cassule devem ser libertados
incondicionalmente.
http://makaangola.org/2012/06/a-casa-militar-do-presidente-e-os-raptos/
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