Quando a dependência é fatal para as
aspirações africanas…
Beira (Canalmoz) – Já se dizia antes que
seria complicado ter uma cimeira no Malawi sem que o presidente do Sudão se
fizesse presente. A opção da chefe de Estado malawiana em não convidar para o
encontro um presidente com um mandato de captura às costas só veio mostrar em
que águas navegam os governantes africanos. No oceano da dependência muitas das
decisões que se tomam dependem inteiramente do que os outros com poder digam,
manifestem ou instruam.
O Malawi país com sérios problemas de
tesouraria, com importações em valor altíssimo com combustíveis, com corte
efectivo de parte substancial da ajuda externa que recebia antes do falecido
presidente Mutharika se ter oposto a diplomatas britânicos e chegado até a
expulsar o embaixador daquele país em Lilongue, tinha que agir com muitas
cautelas na arena internacional. Se por um lado como país não tinha o arcaboiço
para os colossos da economia mundial, por outro lado tinha muito poucas linhas
de acção ou de passe para arrecadar as receitas ou fundos que sua economia
débil necessita. Os cidadãos não estão preocupados com os aspectos diplomáticos
que muitas vezes determinam escassez de liquidez.
Esta anulação da realização da cimeira da UA
no Malawi só veio mostrar o real estado dos governos à frente da maior parte
dos países do continente africano. Não se fazem milagres e não há hipótese alguma
de avanços na esfera política sem que a União Africana actue em concertação com
os diversos países que a compõem.
As divisões na esfera política, nas agendas e
nas alianças que prendem os diversos países membros já se mostraram quando foi
a vez de decidir que caminho a tomar em relação a Muamar Kadafi durante a crise
líbia.
Não há concerto de ideias entre as lideranças
africanas e cada país procura tirar dividendos à custa dos outros.
Se hoje temos a África do Sul apostando num
dos cidadãos para liderar a Comissão Africana e mostra-se disposta a cooperar
ou concertar ideias com outros membros da SADC isso é circunstancial e atitude
específica para este caso que alimenta suas ambições continentais.
Em geral este país negoceia com a União
Europeia da maneira que lhe convém sem se preocupar em apresentar a posição dos
interesses dos outros países que se congregam na SADC.
Há evidências de que o desfecho da tentativa
malawiana de receber a cimeira da União Africana não teve o apoio de países de
peso desta organização. Os esforços diplomáticos foram insuficientes se é que
de verdade existiram. Haveria meio-termo que acomodasse os interesses
genuinamente africanos. Não seria mais uma vez uma imposição de potências
marcadamente ocidentais a ditarem onde se realiza a cimeira africana. Como foi
aventado pelo chefe da diplomacia moçambicana, a não eleições de um presidente
da Comissão Africana na última cimeira teria sido obra de mão externa ao
continente. A julgar pelo peso real que tem os países doadores em África não
restam dúvidas de que logo que surjam convicções de que um candidato a um cargo
continental é suspeito de albergar agendas que não satisfaçam quem
“efectivamente manda” no mundo, sua eleição ou nomeação torna-se comprometida.
Chovem telefonemas para chefes de estado a demonstrar preocupação e são
passadas mensagens claras de descontentamento que como todos sabemos ou
deveríamos saber logo se traduzem em penalizações ao nível do crédito e de
outros apoios internacionais. Afinal quem manda no FMI e no BM são determinados
países e só esses.
Não vale a pena termos ilusões quanto ao rumo
dos assuntos continentais ou das posições continentais enquanto os governos dos
países forem incapazes de actuar a partir de posições concertadas.
Os efeitos de questões como crise financeira
internacional são os que são no continente porque não há posição unida entre os
diferentes países africanos.
A potência e força negocial que poderiam
significar os recursos naturais que abundam no continente não chegam a jogar
seu papel. Criam-se divisões entre os países que acabam prejudicando todos
porque cada um pensa que está protegendo interesses nacionais quando no fim
fica demonstrado que os interesse realmente protegidos são os de algumas
figuras da nomenclatura dos países.
Se o cartel do petróleo, OPEC conseguiu e tem
conseguido ser um contrapeso na determinação do preço do petróleo no mercado
internacional isso deve-se fundamentalmente à capacidade que os países
produtores criaram entre si.
Os preços do cacau ou açúcar dependem de
concertações que envolvem diversos actores. Há que acordar da hibernação
continental e levar os dirigentes dos países a olharem para os assuntos
pendentes e actuais com olhos de ver.
Transferir a cimeira para a sede da União
Africana pode parecer uma derrota diplomática do Malawi e uma vitória para o
presidente sudanês. Na verdade é uma derrota de toda a União Africana. Os
adversários do desenvolvimento africano mais uma vez mostraram que continuam a
“baralhar e a dar cartas” neste continente.
Nunca se viu condicionar uma cimeira de uma
organização continental num país por causa de posições jurídicas que afectem um
dos seus membros em relação a um tribunal internacional que nem por todos é
reconhecido ou respeitado. Apesar de se reconhecer que a atitude da presidente
do Malawi foi corajosa! – ressalve-se.
Os EUA não aceitam a jurisdição do tribunal
que quer julgar o presidente sudanês. Outros países não ratificaram os
instrumentos da sua criação.
Não que não haja questões relacionadas com o
presidente sudanês que mereçam a atenção de todos os africanos. Algumas
actuações de Bashir e de milícias por ele permitidas e incentivadas são de
facto agressões a inocentes visando concretizar uma agenda política desumana.
Sua relutância em respeitar os direitos humanos de seus concidadãos levou a que
uma parte do país votasse pela divisão e hoje temos dois países onde antes só
havia um. O acordo pela manutenção das fronteiras coloniais foi roto e criou-se
um precedente grave na história política africana, embora se admita que as
coisas já tinham chegado tão longe de mais que a solução não pode ser outra. Do
Sudão a outras reivindicações de separação e independência podem surgir ou ser
promovidas por políticos que não escasseiam em África. A actual confrontação na
República Democrática do Congo pode resvalar para reivindicações
independentistas tudo tendo como base a obtenção de vantagens materiais e
financeiras com a exploração de recursos minerais. O que não chegou a acontecer
na Costa do Marfim pode bem dar-se em outros países.
Há conflitos e motivos de reclamação em
muitos países africanos com fundamentos étnicos, religiosos, políticos,
económicos. Os governos governam com os olhos postos no umbigo de quem está no
poder e os prejudicados fartam-se de contribuir para o Estado que não lhes dá
retorno e chegam a tal ponto que acabam por querer ser autónomos.
Da mesma maneira como os EUA foram rápidos em
reconhecer o Sudão do Sul nada nos diz que amanhã outros interesses não levem a
que as potências reconheçam outras repúblicas nascidas de conflitos com
motivações semelhantes. Esse é o alcance que pode ter a dependência de um país
como o Malawi. Quem diz Malawi também pode dizer Moçambique ou Angola. (Noé Nhantumbo)
Imagem: Líderes da Organização da
Unidade Africana.
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