Por Rafael Marques de Morais
O presidente português, Aníbal Cavaco Silva, prestou
ontem declarações públicas sobre Angola que são, ao mesmo tempo, animadoras e
alarmantes.
Segundo a imprensa portuguesa, após um breve encontro com o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, à margem do memorial de Mandela em Joanesburgo, África do Sul, Cavaco Silva disse que a “luta política em Angola é feita entre os angolanos e deve ser feita em Angola”.
Essas declarações visavam repudiar as denúncias de corrupção e branqueamento de capitais feitas por cidadãos angolanos contra dirigentes angolanos, mas que envolvem empresas portuguesas e o uso de Portugal como lavandaria para o branqueamento de capitais saqueados em Angola. Na sequência dessas denúncias, a justiça portuguesa abriu vários inquéritos preliminares contra dirigentes angolanos e seus familiares suspeitos de branqueamento de capitais, fraude e outros crimes financeiros.
Segundo Cavaco Silva, citado pela imprensa portuguesa, os tribunais portugueses não podem ser usados como “instrumentos de luta política em Angola”.
As declarações do presidente português, seguindo a lógica cavaquista, são animadoras porque contêm uma fórmula de solução política e económica para as relações entre Portugal e Angola, marcadas por tensões constantes.
Os angolanos devem resolver os seus problemas políticos no seu país. Os angolanos também devem usufruir das suas riquezas no seu país. Assim, Portugal deve repatriar os fundos saqueados ao Estado angolano e depositados em bancos portugueses, investidos em empresas portuguesas e em propriedades nesse país. A Angola o que é dos angolanos!
Por conseguinte, as riquezas e os investimentos em nome de Manuel Vicente, Isabel dos Santos, general Kopelipa e outros agentes nefários do Estado angolano, que se acham em Portugal, devem imediatamente ser retornados a Angola, para que as suspeitas de branqueamentos de capitais sejam um problema exclusivo da justiça angolana.
Seguindo ainda a lógica cavaquista, a situação de crise económica em que actualmente se encontram os portugueses deve ser resolvida pelos portugueses em Portugal. Não devem ir para Angola em busca de emprego, oportunidades de negócios e dinheiro. A crise económica em Portugal não diz respeito aos angolanos e, por isso mesmo, devem procurar emprego em Aljubarrota.
No entanto, a visão bizarra de Cavaco Silva sobre o que é a justiça e sobre Angola é mais paternalista do que tacanha.
As primeiras investigações a dirigentes angolanos em Portugal, geradoras da polémica actual, resultaram de uma matéria escrita por mim, em 2010, intitulada Presidência da República: O Epicentro da Corrupção em Angola. O referido texto investigativo revelava, entre outros casos, que Manuel Vicente e os generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento, então proprietários da Portmill, transferiram a titularidade da empresa para oficiais da guarda presidencial de José Eduardo dos Santos. Estes, por sua vez, surgiram como os compradores de 25 porcento das acções do Banco Espírito Santo Angola (BESA), por US $375 milhões, ao Banco Espírito Santo, um banco português. Publiquei o texto no meu website Maka Angola. Meses depois, recebi uma notificação da polícia judiciária portuguesa para prestar depoimentos e desloquei-me a Portugal para o efeito.
É preciso lembrar a Cavaco Silva que eu apresentei queixa em Angola, sobre os casos expostos no referido artigo. A justiça portuguesa cuidou da parte que lhe coube, ao investigar, de acordo com a legislação portuguesa, o envolvimento de uma instituição financeira portuguesa listada na bolsa de valores, numa operação de vulto e sob suspeita. A mim, como cidadão angolano de pleno direito, coube a responsabilidade de intervir junto da justiça angolana.
As declarações de Cavaco Silva são alarmantes porque deliberadamente procuram misturar questões de foro judicial, como são as suspeitas de branqueamento de capitais, com as de natureza meramente política.
No seu discurso, a 19 de Julho de 2010, na Assembleia Nacional de Angola, o presidente Cavaco Silva disse: “Os valores em que acreditamos — a liberdade, o respeito pela dignidade da pessoa humana, o primado do direito, a justiça, a igualdade de oportunidades — são um factor de progresso e de aproximação e de reforço da cooperação entre os nossos países”.
O saque das riquezas de Angola, pelo regime do presidente José Eduardo dos Santos, com a cumplicidade também de sectores políticos e económicos portugueses, têm violado os valores que Cavaco Silva diz acreditar e constituírem os pilares das relações entre Portugal e Angola.
Por isso, as declarações de Cavaco Silva são mais alarmantes ainda pela sua falta de memória. Não é preciso recordar que, em 1991, Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, foi o mentor dos Acordos de Paz de Bicesse, um processo puramente político sobre a paz em Angola. Também não é preciso lembrar que o mesmo Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, apoiou o MPLA, com a sua participação num comício partidário realizado no Moxico, em Setembro de 1991. Três meses antes Portugal assumira o papel, juntamente com a Rússia e os Estados Unidos, de mediador no processo de paz angolano. Cavaco Silva quebrou assim o princípio de imparcialidade de Portugal. Porque é que Cavaco tinha de se envolver em questões políticas que só aos angolanos dizia respeito, segundo o seu princípio?
Cavaco Silva demonstra a sua indiferença face à realidade angolana, procurando apenas manter-se atinado ao que o regime angolano pode proporcionar para o resgate da economia portuguesa e para os negócios portugueses. É uma mentalidade ainda mais deprimente que a de Salazar que, ao menos, presidia também à gestão do quotidiano dos angolanos. Cavaco só quer o dinheiro e a amizade dos corruptos.
O presidente de Portugal pode ter a certeza de que o seu amigo Manuel Vicente, tarde ou cedo, sentar-se-á no banco dos réus, em Angola, para responder por crimes de lesa-pátria. Enquanto presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente dirigiu um esquema de saque, sem precedentes, de biliões de dólares dos fundos de petróleo através da China-Sonangol e de Portugal.
Nesse dia, o senhor presidente Cavaco Silva, tenha muita saúde, mudará o seu posicionamento porque a sua memória política sobre Angola é movida pelo vento.
Segundo a imprensa portuguesa, após um breve encontro com o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, à margem do memorial de Mandela em Joanesburgo, África do Sul, Cavaco Silva disse que a “luta política em Angola é feita entre os angolanos e deve ser feita em Angola”.
Essas declarações visavam repudiar as denúncias de corrupção e branqueamento de capitais feitas por cidadãos angolanos contra dirigentes angolanos, mas que envolvem empresas portuguesas e o uso de Portugal como lavandaria para o branqueamento de capitais saqueados em Angola. Na sequência dessas denúncias, a justiça portuguesa abriu vários inquéritos preliminares contra dirigentes angolanos e seus familiares suspeitos de branqueamento de capitais, fraude e outros crimes financeiros.
Segundo Cavaco Silva, citado pela imprensa portuguesa, os tribunais portugueses não podem ser usados como “instrumentos de luta política em Angola”.
As declarações do presidente português, seguindo a lógica cavaquista, são animadoras porque contêm uma fórmula de solução política e económica para as relações entre Portugal e Angola, marcadas por tensões constantes.
Os angolanos devem resolver os seus problemas políticos no seu país. Os angolanos também devem usufruir das suas riquezas no seu país. Assim, Portugal deve repatriar os fundos saqueados ao Estado angolano e depositados em bancos portugueses, investidos em empresas portuguesas e em propriedades nesse país. A Angola o que é dos angolanos!
Por conseguinte, as riquezas e os investimentos em nome de Manuel Vicente, Isabel dos Santos, general Kopelipa e outros agentes nefários do Estado angolano, que se acham em Portugal, devem imediatamente ser retornados a Angola, para que as suspeitas de branqueamentos de capitais sejam um problema exclusivo da justiça angolana.
Seguindo ainda a lógica cavaquista, a situação de crise económica em que actualmente se encontram os portugueses deve ser resolvida pelos portugueses em Portugal. Não devem ir para Angola em busca de emprego, oportunidades de negócios e dinheiro. A crise económica em Portugal não diz respeito aos angolanos e, por isso mesmo, devem procurar emprego em Aljubarrota.
No entanto, a visão bizarra de Cavaco Silva sobre o que é a justiça e sobre Angola é mais paternalista do que tacanha.
As primeiras investigações a dirigentes angolanos em Portugal, geradoras da polémica actual, resultaram de uma matéria escrita por mim, em 2010, intitulada Presidência da República: O Epicentro da Corrupção em Angola. O referido texto investigativo revelava, entre outros casos, que Manuel Vicente e os generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento, então proprietários da Portmill, transferiram a titularidade da empresa para oficiais da guarda presidencial de José Eduardo dos Santos. Estes, por sua vez, surgiram como os compradores de 25 porcento das acções do Banco Espírito Santo Angola (BESA), por US $375 milhões, ao Banco Espírito Santo, um banco português. Publiquei o texto no meu website Maka Angola. Meses depois, recebi uma notificação da polícia judiciária portuguesa para prestar depoimentos e desloquei-me a Portugal para o efeito.
É preciso lembrar a Cavaco Silva que eu apresentei queixa em Angola, sobre os casos expostos no referido artigo. A justiça portuguesa cuidou da parte que lhe coube, ao investigar, de acordo com a legislação portuguesa, o envolvimento de uma instituição financeira portuguesa listada na bolsa de valores, numa operação de vulto e sob suspeita. A mim, como cidadão angolano de pleno direito, coube a responsabilidade de intervir junto da justiça angolana.
As declarações de Cavaco Silva são alarmantes porque deliberadamente procuram misturar questões de foro judicial, como são as suspeitas de branqueamento de capitais, com as de natureza meramente política.
No seu discurso, a 19 de Julho de 2010, na Assembleia Nacional de Angola, o presidente Cavaco Silva disse: “Os valores em que acreditamos — a liberdade, o respeito pela dignidade da pessoa humana, o primado do direito, a justiça, a igualdade de oportunidades — são um factor de progresso e de aproximação e de reforço da cooperação entre os nossos países”.
O saque das riquezas de Angola, pelo regime do presidente José Eduardo dos Santos, com a cumplicidade também de sectores políticos e económicos portugueses, têm violado os valores que Cavaco Silva diz acreditar e constituírem os pilares das relações entre Portugal e Angola.
Por isso, as declarações de Cavaco Silva são mais alarmantes ainda pela sua falta de memória. Não é preciso recordar que, em 1991, Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, foi o mentor dos Acordos de Paz de Bicesse, um processo puramente político sobre a paz em Angola. Também não é preciso lembrar que o mesmo Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, apoiou o MPLA, com a sua participação num comício partidário realizado no Moxico, em Setembro de 1991. Três meses antes Portugal assumira o papel, juntamente com a Rússia e os Estados Unidos, de mediador no processo de paz angolano. Cavaco Silva quebrou assim o princípio de imparcialidade de Portugal. Porque é que Cavaco tinha de se envolver em questões políticas que só aos angolanos dizia respeito, segundo o seu princípio?
Cavaco Silva demonstra a sua indiferença face à realidade angolana, procurando apenas manter-se atinado ao que o regime angolano pode proporcionar para o resgate da economia portuguesa e para os negócios portugueses. É uma mentalidade ainda mais deprimente que a de Salazar que, ao menos, presidia também à gestão do quotidiano dos angolanos. Cavaco só quer o dinheiro e a amizade dos corruptos.
O presidente de Portugal pode ter a certeza de que o seu amigo Manuel Vicente, tarde ou cedo, sentar-se-á no banco dos réus, em Angola, para responder por crimes de lesa-pátria. Enquanto presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente dirigiu um esquema de saque, sem precedentes, de biliões de dólares dos fundos de petróleo através da China-Sonangol e de Portugal.
Nesse dia, o senhor presidente Cavaco Silva, tenha muita saúde, mudará o seu posicionamento porque a sua memória política sobre Angola é movida pelo vento.
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