Desde
o passado mês de Abril, o país vive em estado de guerra não declarada. Há mais
de seis meses, a tensão político-militar que se vive no centro de Moçambique já
dizimou a vida de pelo menos uma centena de pessoas, entre civis e militares.
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Cada
dia que passa surgem novas vítimas desse conflito armado sem fim à vista. Ainda
esta semana, além de um ataque que culminou com a morte de dois indivíduos e
dezenas de feridos, o régulo Sathunjira foi morto acusado de ser cúmplice da
Renamo. Enquanto cidadãos indefesos perecem na EN1, no troço Rio Save –
Muxúnguè as autoridades governamentais fazem vista grossa à situação.
Desde
tenra idade, José* alimentava a paixão de se tornar um membro da Polícia da
República de Moçambique (PRM). Após concluir o nível médio, decidiu correr
atrás do seu sonho. Em Julho do ano passado (2012), ingressou no curso de
formação dos agentes da Lei e Ordem, que encerrou no dia 19 de Setembro do
mesmo ano. Mais tarde, foi afecto ao Comando Provincial da PRM em Sofala como
guarda estagiário. José já se considerava um homem realizado.
Mas
a sua história começou a ganhar um novo rumo em Abril do ano prestes a
terminar. O que para ele era uma paixão de infância, da noite para o dia
transformou-se no seu pior pesadelo. Os seus sonhos começaram a ruir como um
castelo de areia. Tudo começou no dia 28 de Março, quando José e um grupo de
colegas receberam instruções para deixarem o Comando Provincial de Sofala para
cumprirem uma missão no posto administrativo de Muxúnguè.
Foram
recrutados 14 membros da Polícia de Protecção, cinco dos quais da Força de
Intervenção Rápida (FIR). “Levámos o material e saímos por volta das 15h00. Não
sabíamos ao certo o que iríamos fazer, tínhamos de aguardar por novas
instruções”, conta. No acampamento militar, juntou-se às forças do exército
moçambicano e à FIR. Durante os primeiros quatros dias, o Ministério do
Interior disponibilizou mantimento necessário para o grupo constituído por
membros da PRM.
“Tivemos
as condições de alimentação e tudo mais, mas havia muito sofrimento”, diz. Os
militares e os agentes da PRM, incluindo a força paramilitar, tinham como
tarefa patrulhar a região de Muxúnguè. No dia 03 de Abril, por volta das 00h00,
José saiu com alguns colegas com o intuito de fazerem a patrulha, tendo
regressado ao acampamento duas horas e meia depois. Guardaram o material bélico
e, quando se preparavam para descansar, às 3h00 da madrugada, ouviram disparos.
Um
grupo de homens armados supostamente da Renamo atacou de surpresa. Foi o
primeiro ataque que deu início à tensão político-militar no centro do país.
“Foi uma acção muito rápida”, comenta. Não houve tempo para as forças
governamentais reagirem. José foi alvejado por duas balas. Foi atingido na
garganta, tendo o projéctil perfurado a clavícula, ficando esta quebrada, e
deixando o agente sem os movimentos dos membros superiores. Quatro indivíduos
perderam a vida e sete contraíram ferimentos graves.
Contorcendo-se
de dores, o grupo recebeu ajuda apenas por volta das 8h00. Primeiro, foram
levados para a unidade sanitária de Muxúnguè, depois transferidos para o
Hospital Rural do distrito de Nhamatanda e, mais tarde, evacuados para o
Hospital Central da Beira (HCB). José ficou internado no HCB durante duas
semanas, com a prescrição de voltar todos os dias para fazer o controlo. Porém,
o jovem abandonou o acompanhamento terapêutico porque a distância da casa à
unidade sanitária consumia em transporte 20 meticais e, durante um mês, gastava
mais do que aufere como membro da PRM.
Aos
22 anos de idade e abandonado à sua sorte pelo Estado, ele afirma: “Eu não
nasci mutilado, o que ganho não compensa isso. Eles agem como se não tivessem
filhos”. Desde o sucedido, José, assim como os seus colegas, não teve apoio do
Estado. No mês de Maio, procurou o Comando Provincial da PRM em Sofala para
reclamar os seus direitos e o comandante garantiu-lhe que alguém entraria em
contacto com ele para uma possível solução, mas o tempo passou e ninguém o
contactou. Voltou ao Comando e não teve nenhuma resposta. Para dar continuidade
ao tratamento, viu-se obrigado a fazer um empréstimo bancário.
“Se
eu dependesse da ajuda do Comando, eu já estaria mais mutilado do que já estou;
se não fosse o meu pai, não sei onde eu estaria, pois ele é que tem sido a
minha salvação e faz tudo para o meu bem-estar. É lamentável a atitude do
Estado de abandonar os seus trabalhadores em situações extremamente difíceis”,
desabafa. Mensalmente, tem de se deslocar ao vizinho Malawi para tratamento,
onde tem de ficar duas semanas. Cada vez que lá vai despende perto de 45 mil
meticais. Sem apoio social, José conta com a ajuda do seu progenitor.
“As
pessoas que me mandaram para Muxúnguè não fazem nada”. Porém, o que mais deixa
José revoltado não é apenas o abandono a que foi votado, mas o silêncio do Estado
diante da situação. “Nunca disseram nada, nem quando é que voltarei a
trabalhar. Eles fazem de conta que nós não existimos. Agora não faço nada aqui
na Beira”, diz acrescentando: “O Governo moçambicano quando nos manda para este
tipo de missão tinha de dar um apoio social para que a nossa saúde esteja
garantida, uma vez que de missões do género raramente voltamos completos. Eu
estava há dias com um colega que sofreu na perna, ele hoje já não anda. Eu pelo
menos consigo caminhar”.
Guerra não
declarada
O
que começou como uma simples ameaça da Renamo para forçar o Governo da Frelimo
a rever o pacote eleitoral, hoje transformou-se num conflito armado. Desde o
mês de Abril, circular na Estrada Nacional número 1, especificamente no troço
entre o Rio Save e o posto administrativo de Muxúnguè, num percurso de
aproximadamente 110 quilómetros, tornou-se num acto de coragem para os
moçambicanos que pretendem deslocar-se, por via terrestre, do norte para o sul,
e vice-versa.
Apesar
do perigo, todos os dias, para chegar aos seus respectivos destinos, centenas
de pessoas fazem-se à estrada. Na verdade, os transeuntes contam com a sua
própria sorte ao longo do trajecto, pois com o andar do tempo as escoltas
militares têm vindo a mostrar-se ineficientes.
No
último domingo (15), pelo menos dois indivíduos, um dos quais estudante da
Academia Militar Marechal Samora Machel, perderam a vida e um número não
especificado foi internado no Posto de Saúde de Muxúnguè. Outros cidadãos
ficaram feridos na sequência de um ataque ocorrido naquele posto
administrativo, na província de Sofala. O ataque, atribuído aos homens armados
da Renamo, visou a viatura militar que escoltava a coluna de viaturas entre
Muxúnguè e o Rio Save, porém, atingiu os autocarros de passageiros das
transportadoras NAGI Investimentos e ETRAGO, que faziam o trajecto
Nampula/Maputo.
Dos
feridos graves, 16 são estudantes da Academia Militar que estavam de regresso à
terra natal, onde iriam passar as férias. A vítima, cuja identidade não
apurámos, frequentava o 5º ano do curso de Engenharia Militar, naquela
instituição de ensino superior. Os estudantes pretendiam passar as férias em
Xai-Xai e Maputo na companhia dos seus familiares, para depois, em Janeiro,
concluírem algumas cadeiras curriculares na Universidade Eduardo Mondlane
(UEM). Inicialmente, eles pretendiam viajar de avião mas, devido a questões
burocráticas na Academia Militar, as passagens aéreas foram canceladas.
Depois
do sucedido, aquela instituição de ensino militar cancelou todas as guias de
saída de estudantes que, neste momento, se encontram naquele estabelecimento de
ensino só podendo viajar assim que a situação voltar à normalidade. Apesar de o
Governo providenciar escoltas militares para garantir a segurança de pessoas e
bens que circulam naquela região, as colunas de viaturas continua a ser
atacadas. Este foi o terceiro ataque em menos de uma semana.
*Nome fictício
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